Apocalílticos, Integrados e
Pós-modernos: a
problemática da tecnologia
na Teoria da
comunicação
contemporânea
Francisco
Rüdiger
Resumo
Na perspectiva da teoria
social moderna, as tecnologias de comunicação constituíram sempre uma temática
relacionada à reflexão sobre a estrutura e sentido da conversação social, do
diálogo público na sociedade. A comunicação representava, em essência, uma
entidade social primária. Entretanto também era passível de mediação
(distribuição) tecnológica (Cf. Rüdiger, 1995). No pensamento pós-modernista,
esboçado nos últimos anos, verificou-se uma formidável mudança nesse
entendimento. As tecnologias de comunicação tornaram-se um fator básico para
explicar o conjunto da cultura. A sociedade passou a ser vista como um conjunto
de circuitos e canais, mantido pelas redes técnicas de informação e comunicação.
Segundo seus porta-vozes, as
telecomunicações provocaram o
surgimento de novas formas de
interação, não se limitam a reduzir as
barreiras do tempo e espaço que se
lhes antepunham anteriormente. A
sociabilidade pós-moderna
caracteriza-se pelo valor conferido à conexão
do indivíduo a um sistema de mídia
global, sobreposto às relações de
convívio direto. Os comentaristas
modernos sustentam que o
aparecimento da tecnologia
eletrônica não produziu diferenças
substanciais na natureza e
resultado da comunicação. A verdade porém,
segundo seus epígonos, é que
"a aldeia global mcluhaniana tornou-se
tecnicamente factível, engendrando
importantes conseqüências que
questionam a adequação das teorias
e pontos de vista existentes [à
respeito da comunicação]"
(Poster, 1990 : 2).
A tecnologia moderna produziu
um êxtase na comunicação,
promoveu-a em tamanha escala e
força que, agora, parece que ela de
certo modo se sublimou nos sistemas
de interação criados e mantidos
pelas novas técnicas de informação.
O processo perdeu todo o sentido
fora dessa mediação, geradora de
uma nova realidade, merecedora de
distintos juízos de valor, em que
tudo se faz visível e imediato, os
indivíduos, os seres e as coisas
digitalizaram-se, e os segredos do
mundo, pouco a pouco, tornaram-se
transparentes. Resumidamente, o
período clássico da compreensão, do
diálogo e da troca chegou ao fim,
está sendo "substituído pela
era proteica das redes, pela era narcisista e
proteiforme da conexão, do contato,
da contigüidade, do feed-back, da
interface generalizada"
(Baudrillard, 1984: 69).
A modernidade construiu-se em
cima de um projeto cultural em
que o fundamento era o princípio do
progresso geral da humanidade. As
múltiplas tendências postas em
movimento por ela, da economia até a
ciência, comungavam da crença de
que as instituições, as iniciativas e
as obras só possuíam sentido se
contribuíssem para sua emancipação.
As promessas de igualdade,
liberdade e justiça eram para todos o
horizonte legitimado do progresso.
O desenvolvimento desse projeto
todavia resultou no paulatino
declínio desses ideais, à medida que a
técnica e a ciência o punham em
prática, a despeito da felicidade,
trazida ou não, para o conjunto da
humanidade. Os indivíduos passaram
a viver o presente, deixando de
acreditar nas narrativas sobre o
progresso, e a sociedade abandonou
os sonhos coletivos, ingressando
numa nova conjuntura espiritual, na
chamada pós-modernidade.
A falência das narrativas
sobre o progresso coletivo do homem
que assim se delineia é correlato,
por sua vez, à ascensão de um
discurso cada vez mais entusiasta,
embora ambivalente, sobre a
tecnologia. A progressiva descrença
nos ideais é visualizada tanto como
sua realização quanto como sua
liquidação, conforme se assume uma
postura crítica ou integrada em
relação à nova cultura. Segundo os
defensores dessa última, chegamos a
uma espécie de fim da história,
porque a tecnologia termina
concretizando esses ideais, conduz-nos ao
melhor dos mundos, transforma o
progresso em realidade (Cf. Tofler, A.
A Terceira Onda. Rio de Janeiro,
Record, 1980.). Para os outros, ao
contrário, as técnicas avançadas
produzem um modo de vida passível de
um crescente controle social, cada
vez mais desprovido de sentido,
virtualmente desumanizado (Postman,
1994).
A comunicação não se furta a
esse tratamento, através do qual,
pouco a pouco, deixa de ser domínio
sujeito ao impacto da técnica para
se tornar fenômeno gerado pela
mesma, deixa de ser mediação da
práxis social para se tornar
técnica de acesso à sociedade. Na visão do
mesmo, as transformações nos
padrões de interação social, positivas ou
não, derivam da própria natureza
das tecnologias de comunicação. A
comunicação social é um processo
cada vez mais determinado pelos
meios de comunicação, variando
apenas o valor dado a esse
entendimento.
Os apocalípticos, por exemplo,
denunciam os perigos do
tecnicismo desenfreado, a eminência
de a sociedade perder a faculdade
da conversação espontânea,
tornar-se mais e mais opaca aos indivíduos
que a comprem, em prejuízo da liberdade
dos cidadãos, embora não
para aqueles que controlam as novas
tecnologias. Segundo sua maneira
de ver o problema, a conversação
social foi interrompida porque,
estruturalmente, "os novos
meios não mediatizam" (Ferrarotti, 1988 : 13).
Enquanto isso os pensadores
integrados acreditam, pelo
contrário, que, na sociedade da
informação que se avizinha, os
receptores terminarão se tornando
emissores, as comunicações laterais
se multiplicarão, enfim, "a conversa
informatizada e os seus códigos
devem criar de novo uma ágora
informacional, alargada às dimensões da
nação moderna, de onde emanarão
progressivamente acordos,
compromissos, que exprimirão um
consenso responsabilizando
coletividades cada vez mais vastas,
perspectivas cada vez mais
longínquas" (Minc, A &
Nora, S, 1978: 141-44).
O denominador comum dessa
espécie de relato, qualquer que
seja a ênfase da narração, é o
entendimento da comunicação como uma
espécie de aparato técnico, a
substituição da teoria da comunicação por
uma teoria das mídias de
comunicação (medium theory), responsável
pela criação de um determinismo
tecnológico aplicado à cultura e à
história, cujo ponto de partida
encontra-se nos escritos de Harold Innis e
Marshall McLuhan.
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