quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Francisco Rudiger


                   Apocalílticos, Integrados e Pós-modernos: a
                     problemática da tecnologia na Teoria da
                          comunicação contemporânea
                                 Francisco Rüdiger



                                                           Resumo


                 Na perspectiva da teoria social moderna, as tecnologias de comunicação constituíram sempre uma temática relacionada à reflexão sobre a estrutura e sentido da conversação social, do diálogo público na sociedade. A comunicação representava, em essência, uma entidade social primária. Entretanto também era passível de mediação (distribuição) tecnológica (Cf. Rüdiger, 1995). No pensamento pós-modernista, esboçado nos últimos anos, verificou-se uma formidável mudança nesse entendimento. As tecnologias de comunicação tornaram-se um fator básico para explicar o conjunto da cultura. A sociedade passou a ser vista como um conjunto de circuitos e canais, mantido pelas redes técnicas de informação e comunicação.

                 Segundo seus porta-vozes, as telecomunicações provocaram o
            surgimento de novas formas de interação, não se limitam a reduzir as
            barreiras do tempo e espaço que se lhes antepunham anteriormente. A
            sociabilidade pós-moderna caracteriza-se pelo valor conferido à conexão
            do indivíduo a um sistema de mídia global, sobreposto às relações de
            convívio direto. Os comentaristas modernos sustentam que o
            aparecimento da tecnologia eletrônica não produziu diferenças
            substanciais na natureza e resultado da comunicação. A verdade porém,
            segundo seus epígonos, é que "a aldeia global mcluhaniana tornou-se
            tecnicamente factível, engendrando importantes conseqüências que
            questionam a adequação das teorias e pontos de vista existentes [à
            respeito da comunicação]" (Poster, 1990 : 2).

                 A tecnologia moderna produziu um êxtase na comunicação,
            promoveu-a em tamanha escala e força que, agora, parece que ela de
            certo modo se sublimou nos sistemas de interação criados e mantidos
            pelas novas técnicas de informação. O processo perdeu todo o sentido
            fora dessa mediação, geradora de uma nova realidade, merecedora de
            distintos juízos de valor, em que tudo se faz visível e imediato, os
            indivíduos, os seres e as coisas digitalizaram-se, e os segredos do
            mundo, pouco a pouco, tornaram-se transparentes. Resumidamente, o
            período clássico da compreensão, do diálogo e da troca chegou ao fim,
            está sendo "substituído pela era proteica das redes, pela era narcisista e
            proteiforme da conexão, do contato, da contigüidade, do feed-back, da
            interface generalizada" (Baudrillard, 1984: 69).

                 A modernidade construiu-se em cima de um projeto cultural em
            que o fundamento era o princípio do progresso geral da humanidade. As
            múltiplas tendências postas em movimento por ela, da economia até a
            ciência, comungavam da crença de que as instituições, as iniciativas e
            as obras só possuíam sentido se contribuíssem para sua emancipação.
            As promessas de igualdade, liberdade e justiça eram para todos o
            horizonte legitimado do progresso. O desenvolvimento desse projeto
            todavia resultou no paulatino declínio desses ideais, à medida que a
            técnica e a ciência o punham em prática, a despeito da felicidade,
            trazida ou não, para o conjunto da humanidade. Os indivíduos passaram
            a viver o presente, deixando de acreditar nas narrativas sobre o
            progresso, e a sociedade abandonou os sonhos coletivos, ingressando
            numa nova conjuntura espiritual, na chamada pós-modernidade.

                 A falência das narrativas sobre o progresso coletivo do homem
            que assim se delineia é correlato, por sua vez, à ascensão de um
            discurso cada vez mais entusiasta, embora ambivalente, sobre a
            tecnologia. A progressiva descrença nos ideais é visualizada tanto como
            sua realização quanto como sua liquidação, conforme se assume uma
            postura crítica ou integrada em relação à nova cultura. Segundo os
            defensores dessa última, chegamos a uma espécie de fim da história,
            porque a tecnologia termina concretizando esses ideais, conduz-nos ao
            melhor dos mundos, transforma o progresso em realidade (Cf. Tofler, A.
            A Terceira Onda. Rio de Janeiro, Record, 1980.). Para os outros, ao
            contrário, as técnicas avançadas produzem um modo de vida passível de
            um crescente controle social, cada vez mais desprovido de sentido,
            virtualmente desumanizado (Postman, 1994).

                 A comunicação não se furta a esse tratamento, através do qual,
            pouco a pouco, deixa de ser domínio sujeito ao impacto da técnica para
            se tornar fenômeno gerado pela mesma, deixa de ser mediação da
            práxis social para se tornar técnica de acesso à sociedade. Na visão do
            mesmo, as transformações nos padrões de interação social, positivas ou
            não, derivam da própria natureza das tecnologias de comunicação. A
            comunicação social é um processo cada vez mais determinado pelos
            meios de comunicação, variando apenas o valor dado a esse
            entendimento.

                 Os apocalípticos, por exemplo, denunciam os perigos do
            tecnicismo desenfreado, a eminência de a sociedade perder a faculdade
            da conversação espontânea, tornar-se mais e mais opaca aos indivíduos
            que a comprem, em prejuízo da liberdade dos cidadãos, embora não
            para aqueles que controlam as novas tecnologias. Segundo sua maneira
            de ver o problema, a conversação social foi interrompida porque,
            estruturalmente, "os novos meios não mediatizam" (Ferrarotti, 1988 : 13).

                 Enquanto isso os pensadores integrados acreditam, pelo
            contrário, que, na sociedade da informação que se avizinha, os
            receptores terminarão se tornando emissores, as comunicações laterais
            se multiplicarão, enfim, "a conversa informatizada e os seus códigos
            devem criar de novo uma ágora informacional, alargada às dimensões da
            nação moderna, de onde emanarão progressivamente acordos,
            compromissos, que exprimirão um consenso responsabilizando
            coletividades cada vez mais vastas, perspectivas cada vez mais
            longínquas" (Minc, A & Nora, S, 1978: 141-44).

                 O denominador comum dessa espécie de relato, qualquer que
            seja a ênfase da narração, é o entendimento da comunicação como uma
            espécie de aparato técnico, a substituição da teoria da comunicação por
            uma teoria das mídias de comunicação (medium theory), responsável
            pela criação de um determinismo tecnológico aplicado à cultura e à
            história, cujo ponto de partida encontra-se nos escritos de Harold Innis e

            Marshall McLuhan. 

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