sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Teorias da Cultura

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
Disciplina: Teorias da Cultura
Professor: Ruben Oliven

Semestre 99/1















-   Notas  de  Aula   -  2o. Encontro: Crenças   


















Aluno: Jacques  Jacomini





-   Notas  de  Aula   -  2o. Encontro: Crenças   


É necessário acreditar, afirma o mega-empresário e apresentador de televisão, Sílvio Santos, ao apresentar um dos seus artigos de venda. Se não acreditar, nem comprem, ratifica o empresário com o “Título de Capitalização” denominado Tele-Sena nas mãos diante das câmaras de televisão do SBT. Milhões de brasileiros acreditam no seu produto e compram a Tele-Sena, confiando que ali pode estar uma oportunidade para “mudar de vida”. Alguns ganham, a grande maioria, apesar de Ter acreditado, não ganha qualquer importância em dinheiro e continua acreditando. Será que o povo brasileiro gosta de ser enganado mesmo ?  O empresário Silvio Santos é um pilantra e está enganando as pessoas ? Ou Será que este é apenas mais um jogo de azar e adere a ele quem bem entender e assim o decidir ?
Carlo Ginzburg chama a nossa reflexão para o que denominou de “Paradigma Indiciário”, afirmando que este é uma espécie de modelo epistemológico (ou paradigma) que surge no final do século XIX e para o qual ainda não se deu a devida atenção. Inicialmente, o autor cita Morelli que com um método particular (Método Morelliano) propõe investigar a originalidade das obras de arte, com base nos seus pormenores e nas especificidades que muitas vezes passam desapercebidas pela maioria das pessoas comuns. A dedicação e o afinco deste médico/crítico de arte era tanta que “qualquer museu estudado por Morelli adquire imediatamente o aspecto de um Museu Criminal” (Página 145). O seu método foi comparado ao trabalho de Sherlock Holmes: “O Conhecedor de arte é comparável ao detetive que descobre o autor do crime (do quadro) baseado em indícios imperceptíveis para a maioria.” (Página 145)
Sobre o método de Morelli, inicialmente destacaria que a sua proposta de catalogar detalhes das obras de arte que investigou remonta a uma prática bastante difundida desde Aristóteles A classificação filosófica de Aristóteles distribuiu as categorias em dez gêneros supremos:
1.      SUBSTANCIA - homem, cachorro, pedra, casa, ...
2.      QUALIDADE - azul, virtuosos, ...
3.      QUANTIDADE - grande, comprido, 2Kg, ...
4.      RELAÇÃO - mais pesado, escravo, duplo, mais barulhento, ...
5.      DURAÇÃO - ontem, 1970, de manhã, ...
6.      LUGAR - aqui, Brasil, no pátio, ...
7.      AÇÃO - correndo, cortando, falando, ...
8.      PAIXÃO OU SOFRIMENTO - derrotado, cortado, ...
9.      MANEIRA DE SER - saudável, febril, ...
10.  POSIÇÃO - horizontal, sentado, ...

No texto de Ginzburg é mencionada a semelhança de proposta metodológica entre Morelli e Freud e é destacada a influência de o primeiro provocou no segundo. Em função disto, Morelli ganha “um lugar especial na história da formação da psicanálise.” (Página 148)
Em seguida, parte dois, o autor lembra um pouco dos aspectos da relação do homem com o seu meio físico e social, desde os primórdios da civilização: “Aprendeu a farejar, registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de barba (...) Na falta de uma documentação verbal para se por ao lado das pinturas rupestres e dos artefatos, podemos recorrer às fábulas (...)” (Página 151)  Segue, falando da narração de fatos e acontecimentos vivenciados, destacando que “Talvez a própria idéia de narração tenha nascido pela primeira vez numa sociedade de caçadores (...)” (Página 152)
A invenção da escrita revoluciona as possibilidades de comunicação do homem, intervindo nas suas formas de interação social. Neste sentido, o autor destaca: “Notou-se, em particular, como a invenção da escrita modelou profundamente a arte divinatória mesopotâmica. Às divindades, de fato, era atribuída, entre outras prerrogativas dos soberanos, a de se comunicar com os súditos através de mensagens escritas.” (Página 153)
Na página 154, o autor amarra as sua idéias desenvolvidas no texto até este ponto: “Em suma, pode-se falar de paradigma indiciário ou divinatório, dirigido, segundo as formas de saber, para o passado, o presente ou o futuro. Para o futuro- e tinha-se a arte divinatória em sentido próprio -; para o passado, o presente e o futuro – e tinha-se a semiótica médica na sua dupla face, diagnóstica e prognóstica  -; para o passado – e tinha-se a jurisprudência. Mas por trás desse paradigma indiciário ou divinatório, entrevê-se o gesto talvez mais antigo da história intelectual do gênero humano: o do caçador agachado na lama, que escruta as pistas da presa.”
No ponto III, Carlo refere um tapete para reafirmar o paradigma que vem trabalhando neste texto: “Poderíamos comparar os fios que compõe esta pesquisa aos fios de um tapete. (...) O tapete é o paradigma que chamamos a cada vez, conforme os contextos, de venatório, divinatório, indiciário ou semiótico. Trata-se, como é claro, de adjetivos não-sinônimos, que no entanto remetem a um modelo epistemológico comum, articulado em disciplinas diferentes, muitas vezes ligadas entre si pelo empréstimo de métodos ou termos-chave.” (Página 170)
Mário Vargas Losa, em artigo denominado “A Mentira e a Verdade na ficção”, fala dos limites da verdade e da ficção em obras literárias, em especial nos romances. Para além dos limites, o autor chama a atenção para o poder imaginativo do ser humano de trabalhar o real, destacando: “De fato os romances mentem, mas esta é apenas uma parte da história. A outra é que, através da mentira, eles exprimem uma curiosa verdade que só pode ser expressa de um modo velado e escondido, disfarçando-se do que não é. (...) comecei com experiências ainda vividas em minha memória e estimulantes para a minha imaginação (...)”. Esta percepção do poder da imaginação é um tema essencialmente bachelardiano e, segundo o meu ponto de vista, deve ser assim encarado. Bachelard vai propor a fenomenologia da imaginação, conjugada com uma fenomenologia da imagem poética, destacando “a imagem vem antes do pensamento” (No sentido de uma arqueologia das imagens). Tomando a casa como exemplo, Bachelard mostra como a imaginação é capaz de sobrepujar as percepções do real: “Ao seu valor de proteção, que pode ser positivo, ligam-se também valores imaginados, e que logo se tornam dominantes.” (Página 19)
Outro aspecto bachelardiano que deve aqui ser associado ao texto de Vargas-Llosa é a questão da “Função do Real”, relacionada com a “Função do Irreal”: “Com sua atividade viva, a imaginação desprende-nos ao mesmo tempo do passado e da realidade. Abre-se para o futuro. A função do real, orientada pelo passado tal como mostra a psicologia clássica, é preciso acrescentar uma Função do irreal igualmente positiva, como procuramos estabelecer em obras anteriores. Uma enfermidade por parte da função do irreal entrava o psiquismo produtor. Como prever sem imaginar ?” (Página 18)
Várias passagens do texto de Vargas-Llosa ressaltam esta temática da imaginação:
“No âmago de toda a obra de ficção arde um protesto. Seus autores os criaram, já que somos incapazes de vivê-los, e seus leitores (e crentes) encontram nestas criaturas fantasmagóricas os rostos e aventuras necessárias para realçar as suas próprias vidas. (...)
As mentiras nos romances não são gratuitas – elas complementam as insuficiências da vida. Assim, quando a vida parece cheia e absoluta e os homens, por obra de fé absoluta, estão resignados com seus destinos, os romances não prestam nenhum serviço (...)
Ficção é um substituo temporário para a vida. A volta a realidade é quase um brutal empobrecimento, corroboração de que somos menos do que sonhamos (...)
Emergir de seu próprio Eu, ser outro, mesmo na ilusão, é uma maneira de ser menos escravo e de experimentar os riscos da liberdade.”
A descontinuidade do tempo é uma outra “grande sacada” de Vargas-Llosa (que também está relacionada com as concepções trabalhadas por Bachelard em “A Dialética da Duração): “Embora haja uma distância entre palavras e acontecimentos, há sempre um abismo entre tempo real e tempo de ficção. O tempo novelístico é um artifício criado para atingir certos efeitos psicológicos.”


                


segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Nota de Esclarecimento





Blog - Nota de Esclarecimento

Prezados e Prezadas
Amigos e amigas do blog.

Sinto que é necessário apresentar esta “Nota de Esclarecimento” sobre o trabalho desenvolvido aqui neste espaço virtual.
A composição da página WWW.jacquesja.blogspot.com.br está calcada prioritariamente (ou seja, não exclusivamente) no trabalho acadêmico que realizei no Curso de Graduação em Ciências Sociais (Licenciatura) e no Curso de Pós-Graduação (Mestrado) em Antropologia Social (PPGAS) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A nota se faz necessária especialmente pela questão temporal dos textos apresentados. Nem sempre vai aparecer a data de realização do trabalho, por motivos diversos. Contudo, todo o material foi produzido entre os anos de 1992 (graduação) e 2001 (Pós-Graduação). Fique atento neste detalhe, pois não se trata de produção acadêmica atual.
Dito de outra forma: apresento um panorama geral sobre parte do conteúdo desenvolvido naquela oportunidade. Publico os originais sem comentá-los, pois acho desnecessário. Nem, tampouco tenho inserido os textos (trabalho acadêmico) atuais que desenvolvo no Curso de Graduação em Ciências Sociais (Bacharelado). Neste sentido, importa destacar que mantenho vinculo institucional com a Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (PUC/RS) no Curso de Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais (Bacharelado).
As imagens associadas com as publicações podem ser visitadas em espaços específicos como, por exemplo, o sítio de jacquesja no WWW.panoramio.com .
Gostaria de agradecer a presença de todos os leitores deste espaço e declarar a minha intenção de manter aberto este canal de comunicação com os interessados na temática aqui apresentada.
Publico abaixo do corpo da “Nota de Esclarecimento”, uma amostra de uma das atividades laborais mais complexas desenvolvidas no campo da pesquisa em Ciências Humanas: Entrevistas (Diretas e Participantes) com o uso de gravador de áudio, seguida de transcrição e análise textual da mesma.
Namastê.




UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
Disciplina: Método e técnica de pesquisa

Semestre 99/II
















- Exercício  de  Aula  -















Aluno: JACQUES  JACOMINI

 







UFRGS  -  IFCH  -  PPGAS
ESTUDO  ANTROPOLÓGICO  DE  UM  ESPAÇO  URBANO  SINGULAR: CAIS  DO  PORTO  DE  PORTO  ALEGRE  (OU  DA  CIDADE  QUE  TEM  PORTO  ATÉ  NO  NOME)


ENTREVISTA  No. 05

DADOS  DE  IDENTIFICAÇÃO
BAIRRO:
SOBRENOME  DO  ENTREVISTADO: Oddi
NOME  DO  ENTREVISTADO: Paulo
NOME  CARACTERÍSTICO (se houver):
DATA  DA  REALIZAÇÃO  DA  ENTREVISTA:  21 / 07 / 98.
ENDEREÇO:  Av. Mauá. / Cais Mauá.
FONE:
HORÁRIO   REALIZAÇÃO  DA  ENTREVISTA:  9 H 30 min
DURAÇÃO  DA  ENTREVISTA: 1 h 30 min


ENTREVISTADOR: Jaques
INDICAÇÃO: ......................................................................................................................




DESCRIÇÃO  DO  CONTEXTO:

           
Fui recebido no escritório do Dr. Paulo Oddi, administrador do Cais Mauá / Cais do Porto de Porto Alegre no horário combinado para a entrevista. O encontro foi acompanhado por uma funcionária administrativa que desempenha funções de assessora de imprensa junto a este órgão.
            A entrevista foi pautada pela praticidade e tecnicidade do Engenheiro Oddi que destacou na sua fala, essencialmente, os aspectos administrativos do Caís, bem como os aspectos de controle, normalização, segurança e contenção deste (e neste) espaço urbano.
            Chamou a minha atenção, uma pergunta formulada pelo entrevistado, no final da entrevista, sobre a opção dos portalegrenses em estarem constantemente presentes no cais do porto contemplando-o, curtindo o por do sol, etc. Ele indagava sobre porque não contemplar o por do sol de qualquer outro lugar da cidade que não o porto. Ficou claro o tom inquisitivo e, de certa forma, arrogante, na pergunta do administrador sobre o nosso nível de conhecimento sobre aquele espaço urbano e as suas relações com os cidadãos desta cidade. Utilizei os nossos conhecimentos históricos da formação da própria cidade, resgatando aspectos da chagada dos Casais Açorianos, relacionados com a história atual da cidade para respondera esta indagação.
            De um modo geral, a entrevista foi bastante interessante. Ao final da entrevista, o administrador se colocou a disposição para colaborar com o nosso projeto de pesquisa no que fosse necessário e sugeriu que visitássemos a biblioteca do Cais do Porto onde estão vários documentos históricos que remontam várias épocas da existência deste importante espaço urbano.  
                                                      

TRANSCRIÇÃO  DA  FITA


Jaques – O Sr. Trabalha para o  DEPREC ?
Paulo – Estou vinculado a secretaria de transportes, administro os portos e hidrovias, portos  interiores, porto de Porto Alegre, de Pelotas, porto de Cachoeira e mais 700 quilômetros de hidrovias navegáveis. Essa é a função principal da superintendência de portos e hidrovias que é constituído de três diretorias básicas: uma de grande porte interiores, uma diretoria de hidrovias e uma diretoria financeira-administrativa, tudo isso coordenado por uma superintendente que executa as atividades (como autarquia estadual).

Jaques – Vejo nos muros do porto a inscrição DNOS. Ainda existe este departamento ?
Paulo  - Foi extinto na era Color. Foi o que fez a cortina da Mauá, é uma das obras do DNOS que mais chama a tenção, mas este órgão foi instinto não tem mais.

Jaques – Então a administração do porto está somente a nível estadual ?
Paulo – A administração portuária é estadual, a superintendência é uma autarquia estadual que administra sob concessão da união que concede ao estado o gerenciamento dos portos e hidrovias. Tudo isso é patrimônio da união e o estado criou uma autarquia para gerenciar esta concessão em nome da união.

Jaques – Quanto a operacionalidade do cais de Porto Alegre ?
Paulo – Antes da lei 8.630, a lei de modernização dos portos, de 1993, toda a movimentação do cais do porto era feita pela própria autarquia, a partir daí, então os serviços de operação no cais, movimentação horizontal de carga, operação de carga e descarga, recebimento e entrega de carga nos armazéns, foi sendo terceirizado gradativamente. Hoje todo movimento de carga é feito por terceiros (serviço privado). Os serviços, o gerenciamento, o monitoramento, disciplinamento ainda é feito pela autoridade portuária, pela administração do porto, mas a execução dele é feita por operadores portuários privados. Isso vem de 1993 para cá, gradativamente vai sendo mudado o modelo. Parte dos investimentos, equipamentos, tudo é feito pelo privado no sentido de melhorar e  aperfeiçoar a operação.

Jaques – Estes funcionários, pessoas que vejo carregando e descarregando os navios são funcionários do porto ?
Paulo – não são funcionários do porto, são funcionários de portuários privados. Nosso pessoal trabalha somente na coordenação das atividades, no monitoramento e no disciplinamento das atividades.

Jaques – A parte da segurança ... ?
Paulo – segurança, normalização, tarifas, horário, enfim tudo que envolva a organização da operação como um todo é feita pela administração que executa os serviços. Nas empresas portuárias privadas nós não interferimos neste processo, isso é no Brasil inteiro, alguns portos são mais avançados, outros menos, mas todos caminham para isso, e tudo começou em 1993 com a lei de modernização dos portos. Está mudando radicalmente o perfil operacional dos portos de Rio Grande, por exemplo, que já está com toda a sua operação feita por privados, gradativamente estão se adaptando a nova legislação.

Jaques – Então o quadro de pessoal não é muito grande hoje ?
Paulo – É muito reduzido. É mais a parte administrativa e manutenção. Temos uma equipe mínima de manutenção das instalações que é o patrimônio do porto, mas reduziu bastante o número de funcionáros, eu diria drasticamente.

Jaques – Aproximadamente, quantos funcionários?
Paulo – Hoje a superintendência que envolve Porto Alegre, Pelotas, Cachoeira, Rio Pardo e as hidrovias, entre pessoal de manutenção e pessoal administrativo são uns 200, no máximo e tende a diminuir cada vez mais. Isso a superintendência de portos e hidrovias, nada a ver com o porto de Rio Grande, porto de Rio Grande separado, eu falo Pelotas, Porto Alegre, e hidrovias interiores, pessoal carregado de fazer a manutenção da dragagem, sinalização, isto é,  para garantir a segurança da navegação.

Jaques – Sobre as mudanças que estão previstas dentro do projeto Porto dos Casais, como o senhor vê estas mudanças?
Paulo – Eu diria que o porto de Porto Alegre vai se transformar enormemente com o advento do porto dos casais. A vinda da GM e da Ford vai trazer uma transformação tão grande como foi na década  de 1970 com o complexo de soja que revolucionou o sistema portuário gaúcho, tanto que Porto Alegre, como Rio Grande, isto na parte dos granéis da época, (...) Hoje eu diria que o porto de Porto Alegre passa por uma explosão, uma transformação de atividades dentro de um complexo das cargas, em geral manufaturados (...). Eu diria, me atrevo a dizer que é a maior  transformação que Porto Alegre vai enfrentar nestes próximos anos a partir destes investimentos grandes maciços. Vai ser fantástico ! Nós não conseguimos nem imaginar, é imaginável o volume de carga, o volume de carga que pode representar para o porto, eu diria até que nos próximos 20 anos o porto vai ser insuficiente para atender toda a demanda de carga gerada,  decorrente destes investimentos nas cidades vizinhas do porto: GM, FORD, GODYEAR,  PYRELE e outras inúmeras empresas que vão se instalar aqui decorrente destes movimentos mais a transformação visual que  o porto dos casais vai causar, também vai ser um atrativo comercial de grande circulação e demanda de negócios que nós hoje nem conseguimos imaginar.





Paulo Oddi




UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
Disciplina: Método e técnica de pesquisa

Semestre 99/II
















- Exercício  de  Aula  -















Aluno: JACQUES  JACOMINI

 







UFRGS  -  IFCH  -  PPGAS
ESTUDO  ANTROPOLÓGICO  DE  UM  ESPAÇO  URBANO  SINGULAR: CAIS  DO  PORTO  DE  PORTO  ALEGRE  (OU  DA  CIDADE  QUE  TEM  PORTO  ATÉ  NO  NOME)


ENTREVISTA  No. 05

DADOS  DE  IDENTIFICAÇÃO
BAIRRO:
SOBRENOME  DO  ENTREVISTADO: Oddi
NOME  DO  ENTREVISTADO: Paulo
NOME  CARACTERÍSTICO (se houver):
DATA  DA  REALIZAÇÃO  DA  ENTREVISTA:  21 / 07 / 98.
ENDEREÇO:  Av. Mauá. / Cais Mauá.
FONE:
HORÁRIO   REALIZAÇÃO  DA  ENTREVISTA:  9 H 30 min
DURAÇÃO  DA  ENTREVISTA: 1 h 30 min


ENTREVISTADOR: Jaques
INDICAÇÃO: ......................................................................................................................




DESCRIÇÃO  DO  CONTEXTO:

           
Fui recebido no escritório do Dr. Paulo Oddi, administrador do Cais Mauá / Cais do Porto de Porto Alegre no horário combinado para a entrevista. O encontro foi acompanhado por uma funcionária administrativa que desempenha funções de assessora de imprensa junto a este órgão.
            A entrevista foi pautada pela praticidade e tecnicidade do Engenheiro Oddi que destacou na sua fala, essencialmente, os aspectos administrativos do Caís, bem como os aspectos de controle, normalização, segurança e contenção deste (e neste) espaço urbano.
            Chamou a minha atenção, uma pergunta formulada pelo entrevistado, no final da entrevista, sobre a opção dos portalegrenses em estarem constantemente presentes no cais do porto contemplando-o, curtindo o por do sol, etc. Ele indagava sobre porque não contemplar o por do sol de qualquer outro lugar da cidade que não o porto. Ficou claro o tom inquisitivo e, de certa forma, arrogante, na pergunta do administrador sobre o nosso nível de conhecimento sobre aquele espaço urbano e as suas relações com os cidadãos desta cidade. Utilizei os nossos conhecimentos históricos da formação da própria cidade, resgatando aspectos da chagada dos Casais Açorianos, relacionados com a história atual da cidade para respondera esta indagação.
            De um modo geral, a entrevista foi bastante interessante. Ao final da entrevista, o administrador se colocou a disposição para colaborar com o nosso projeto de pesquisa no que fosse necessário e sugeriu que visitássemos a biblioteca do Cais do Porto onde estão vários documentos históricos que remontam várias épocas da existência deste importante espaço urbano.  
                                                      

TRANSCRIÇÃO  DA  FITA


Jaques – O Sr. Trabalha para o  DEPREC ?
Paulo – Estou vinculado a secretaria de transportes, administro os portos e hidrovias, portos  interiores, porto de Porto Alegre, de Pelotas, porto de Cachoeira e mais 700 quilômetros de hidrovias navegáveis. Essa é a função principal da superintendência de portos e hidrovias que é constituído de três diretorias básicas: uma de grande porte interiores, uma diretoria de hidrovias e uma diretoria financeira-administrativa, tudo isso coordenado por uma superintendente que executa as atividades (como autarquia estadual).

Jaques – Vejo nos muros do porto a inscrição DNOS. Ainda existe este departamento ?
Paulo  - Foi extinto na era Color. Foi o que fez a cortina da Mauá, é uma das obras do DNOS que mais chama a tenção, mas este órgão foi instinto não tem mais.

Jaques – Então a administração do porto está somente a nível estadual ?
Paulo – A administração portuária é estadual, a superintendência é uma autarquia estadual que administra sob concessão da união que concede ao estado o gerenciamento dos portos e hidrovias. Tudo isso é patrimônio da união e o estado criou uma autarquia para gerenciar esta concessão em nome da união.

Jaques – Quanto a operacionalidade do cais de Porto Alegre ?
Paulo – Antes da lei 8.630, a lei de modernização dos portos, de 1993, toda a movimentação do cais do porto era feita pela própria autarquia, a partir daí, então os serviços de operação no cais, movimentação horizontal de carga, operação de carga e descarga, recebimento e entrega de carga nos armazéns, foi sendo terceirizado gradativamente. Hoje todo movimento de carga é feito por terceiros (serviço privado). Os serviços, o gerenciamento, o monitoramento, disciplinamento ainda é feito pela autoridade portuária, pela administração do porto, mas a execução dele é feita por operadores portuários privados. Isso vem de 1993 para cá, gradativamente vai sendo mudado o modelo. Parte dos investimentos, equipamentos, tudo é feito pelo privado no sentido de melhorar e  aperfeiçoar a operação.

Jaques – Estes funcionários, pessoas que vejo carregando e descarregando os navios são funcionários do porto ?
Paulo – não são funcionários do porto, são funcionários de portuários privados. Nosso pessoal trabalha somente na coordenação das atividades, no monitoramento e no disciplinamento das atividades.

Jaques – A parte da segurança ... ?
Paulo – segurança, normalização, tarifas, horário, enfim tudo que envolva a organização da operação como um todo é feita pela administração que executa os serviços. Nas empresas portuárias privadas nós não interferimos neste processo, isso é no Brasil inteiro, alguns portos são mais avançados, outros menos, mas todos caminham para isso, e tudo começou em 1993 com a lei de modernização dos portos. Está mudando radicalmente o perfil operacional dos portos de Rio Grande, por exemplo, que já está com toda a sua operação feita por privados, gradativamente estão se adaptando a nova legislação.

Jaques – Então o quadro de pessoal não é muito grande hoje ?
Paulo – É muito reduzido. É mais a parte administrativa e manutenção. Temos uma equipe mínima de manutenção das instalações que é o patrimônio do porto, mas reduziu bastante o número de funcionáros, eu diria drasticamente.

Jaques – Aproximadamente, quantos funcionários?
Paulo – Hoje a superintendência que envolve Porto Alegre, Pelotas, Cachoeira, Rio Pardo e as hidrovias, entre pessoal de manutenção e pessoal administrativo são uns 200, no máximo e tende a diminuir cada vez mais. Isso a superintendência de portos e hidrovias, nada a ver com o porto de Rio Grande, porto de Rio Grande separado, eu falo Pelotas, Porto Alegre, e hidrovias interiores, pessoal carregado de fazer a manutenção da dragagem, sinalização, isto é,  para garantir a segurança da navegação.

Jaques – Sobre as mudanças que estão previstas dentro do projeto Porto dos Casais, como o senhor vê estas mudanças?
Paulo – Eu diria que o porto de Porto Alegre vai se transformar enormemente com o advento do porto dos casais. A vinda da GM e da Ford vai trazer uma transformação tão grande como foi na década  de 1970 com o complexo de soja que revolucionou o sistema portuário gaúcho, tanto que Porto Alegre, como Rio Grande, isto na parte dos granéis da época, (...) Hoje eu diria que o porto de Porto Alegre passa por uma explosão, uma transformação de atividades dentro de um complexo das cargas, em geral manufaturados (...). Eu diria, me atrevo a dizer que é a maior  transformação que Porto Alegre vai enfrentar nestes próximos anos a partir destes investimentos grandes maciços. Vai ser fantástico ! Nós não conseguimos nem imaginar, é imaginável o volume de carga, o volume de carga que pode representar para o porto, eu diria até que nos próximos 20 anos o porto vai ser insuficiente para atender toda a demanda de carga gerada,  decorrente destes investimentos nas cidades vizinhas do porto: GM, FORD, GODYEAR,  PYRELE e outras inúmeras empresas que vão se instalar aqui decorrente destes movimentos mais a transformação visual que  o porto dos casais vai causar, também vai ser um atrativo comercial de grande circulação e demanda de negócios que nós hoje nem conseguimos imaginar.



sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Fafá de Belém - Vermelho (Ao Vivo)

Cais do Porto







UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS





   UM  OLHAR  SOBRE  A  CIDADE  DE  PORTO  ALEGRE  SEGUNDO  A  SUA  RELAÇÃO  E  INTERAÇÃO  COM  O  RIO  GUAÍBA:    A CONSTRUÇÃO  DOS SENTIMENTOS,  DO  IMAGINÁRIO  E  DA  MEMÓRIA  DE  UM  POVO  QUE  TEM  AS  SUAS  RAÍZES  SOCIAIS  E  CULTURAIS  CONSTRUÍDAS  SOBRE  A  REGIÃO  DO  GRANDE  LAGO.




Nome do Autor: JACQUES JACOMINI


Projeto de Pesquisa Integrado : “ Estudo Antropológico de Itinerários Urbanos, Memória Coletiva e Formas de Sociabilidade no Meio Urbano Contemporâneo.”
Pesquisadoras: Professoras Dra. ANA LUIZA C. DA ROCHA
                                          Dra. CORNELIA ECKERT

Projeto Individual A: “Antropologia do Cotidiano e Estudo das Sociabilidades a Partir das Feições dos Medos e das Crises na Vida Metropolitana.”
Professora Executora: Dra. Cornelia Eckert

Projeto Individual B:  “Banco de Imagens da Cidade de Porto Alegre.”
Professora Executora: Dra. Ana Luiza C. da Rocha





SUMÁRIO



Os  Primórdios  de  Uma  Civilização  Notadamente
 Marcada  Pela  Fluvialidade  do  Rio  Guaíba ...............................................................  03

Os  Primeiros  Pilares  de  Uma  Cidade  Oriunda  da
Dinâmica   Fluvial:  contexto  e  aspectos  da  Construção
da  Porto  Alegre  Antiga  (1752 - 1911) ........................................................................  05

Um  Olhar  Etnográfico  Sobre  a  Atual  Dinâmica
Vivenciada  no  Caís  do   Porto  da  Cidade
de  Porto  Alegre :  caminhando  pelo  que  restou 
de  um  período  de  pujança  e  desenvolvimento  de
uma  cidade  outrora  voltada  para  o  seu  rio ...............................................................  09   


Bibliografia .....................................................................................................................  19











OS  PRIMÓRDIOS  DE  UMA  CIVILIZAÇÃO  NOTADAMENTE  MARCADA  PELA  FLUVIALIDADE  DO  RIO  GUAÍBA


A
relação dos habitantes de Porto Alegre com o Rio Guaíba remonta um período histórico que antecede a configuração da cidade propriamente dita. Alguns historiadores, arqueólogos e antropólogos propõe pensar a região, sobre a qual viria se formar a cidade de Porto Alegre, desde o ano 3.000 a C. para falar dos “habitantes da região do Grande Lago.” Neste período é marcante a presença dos Povos Guaranis que, com a sua cultura e a sua busca incessante da “terra sem males”, deixam gravadas aqui as suas tradições as quais penetrariam na constituição da cidade de Porto Alegre, bem como na relação dos seus habitantes com o “grande lago”. São lendas, mitos e crenças, além de toda uma cosmovisão transmitidas por um arsenal histórico e cultural que, simbolicamente, falam o tempo todo para as novas gerações de porto-alegrenses.
Neste trabalho, propomos analisar um pouco desta relação dos habitantes da cidade com o seu rio (ou lago) [1], tentando perceber como ela acontece e se desenvolve em determinados períodos históricos. Realizamos assim uma incursão pela espacialidade de alguns perímetros citadinos, quando, por exemplo, pensamos na lógica que determina a construção de um muro que vai dividir dois espaços urbanos: Caís do Porto e perímetro urbano ou espaço intra-muros e espaço extra-muros. Assim procedemos, pois acreditamos que “el interés del hombre pur el espacio tiene raíces existenciales: deriva de una necessidad de adquirir relaciones vitales en el ambiente que le rodea para aportar sentido y ordem a um mundo de acontecimentos y acciones.” (Norberg-Schulz, 1975)
No primeiro bloco, denominado Os Primeiros Pilares de Uma Cidade Marcada Pela Dinâmica Fluvial: contexto e aspectos da construção da Porto Alegre Antiga (1752 - 1911), realizamos uma incursão  panorâmica sobre a história da cidade, destacando a relação e a interação dos seus habitantes com o Rio Guaíba e de que forma esta relação foi se alterando diante de vários momentos distintos e diante dos desafios que foram sendo colocados para estes habitantes.
No segundo bloco, denominado Um Olhar Etnográfico Sobre a Atual Dinâmica Vivenciada no Caís do Porto da Cidade de Porto Alegre: caminhando pelo o que restou de um período de pujança e desenvolvimento de uma cidade outrora voltada para o seu rio, descrevemos o resultado das etnografias de rua realizadas no centro da cidade de Porto Alegre e no seu Caís do Porto, onde destacamos o atual contexto social e urbano que circundam e definem a cidade na sua atual organização espacial e estrutural. Depoimentos e narrativas dos atuais atores sociais da cidade enriquecem e complementam a nossa etnografia que, de certa forma, traça um paralelo comparativo com a descrição da Porto Alegre Antiga, realizada no bloco anterior.
Em resumo, poderíamos dizer que trazemos para este trabalho a tentativa de  analisar  um pouco do imaginário que leva as construções subjetivas e simbólicas dos porto-alegrenses sobre a cidade e as suas urbanidades. Trata-se também da tentativa de mapear os contornos de uma Porto Alegre antiga, que guarda as lembranças de grandes enchentes, como a de 1941,  “justificando” a existência de um muro de proteção em contraste com uma Porto Alegre moderna que incorpora ao seu imaginário as “feições de crise e de medo” (ECKERT, 1997) , oriundas de uma dinâmica citadina urbana contemporânea.






OS PRIMEIROS  PILARES  DE  UMA  CIDADE  ORIUNDA  DA  DINÂMICA  FLUVIAL:  CONTEXTO  E  ASPECTOS  DA  CONSTITUIÇÃO  DA  PORTO  ALEGRE  ANTIGA (1752 - 1911)


A
chegada dos casais açorianos, em 1752, marca o início da   colonização do então Porto de Viamão (nome dado a um ancoradouro nos fundos da Sesmaria de Jerônimo de Ornellas, onde está agora a Praça da Alfândega). Instalados em casas de palha no local onde encontramos hoje a atual Praça da Alfândega, os casais vindos das Ilhas dos Açores inauguravam o que viria a ser “um arraial bastante fértil”. [2]
Neste período, a relação dos primeiros habitantes com o Rio Guaíba é bastante intensa, especialmente por duas razões. Em primeiro lugar, pelo fato de terem chegado até aqui navegando pelas suas águas, portanto em um primeiro contato bastante emocional com o rio. Em segundo lugar, pelo fato de terem as suas primeiras sociabilidades definidas por um contato diário e intimo com o rio, pois as suas primeiras casas foram construídas nas suas margens. Neste local, passam a se desenvolver atividades econômicas voltadas para a dinâmica fluvial do Rio Guaíba como a construção de barcos e a comercialização de bens de consumo. A instalação da Alfândega em 1804 e a abertura dos portos em 1808 veio a incrementar estas atividades comerciais e a transformar Porto Alegre em um importante centro comercial. O rápido crescimento do então vilarejo, impulsionado pelas atividades econômicas locais, traz a necessidade de se ampliar o perímetro que circundava o centro comercial de Porto Alegre, pois o espaço ficara pequeno para todas as atividades que ali se desenvolviam. Devido a esta necessidade de se ampliar o centro, surge uma alternativa que se tornaria recorrente na história da cidade: o aterramento de alguns trechos de ribeiras do Rio Guaíba. Isto acontece pela primeira vez em 1850, quando o aterro proporciona a abertura de mais uma rua no centro comercial da cidade, atual rua Sete de Setembro. Este avanço sobre as águas só vai terminar em 1978, quando um outro grande aterro propicia a construção de dois grandes parques na cidade, Parque Marinha do Brasil e o Parque Maurício Sirotski Sobrinho.
Com o crescimento da cidade vieram os primeiros problemas ambientais observados já em 1866. Nesta época foi proibida a coleta de água no canal do Guaíba que começava a ter as suas margens poluídas pelos excrementos da população depositados diariamente pelos “cubeiros”[3] e por outros dejetos produzidos a partir das inúmeras atividades ribeirinhas. Juntamente com estes problemas ambientais, surgem as primeiras ocorrências de doenças contagiosas e pestes, como a epidemia de cólera que se abateu sobre a cidade entre 1875 e 1876. Assim passam a ser pensadas alternativas que colaborassem para o saneamento e a melhoria das condições de higiene do rio e das suas ribeiras.
Em 1911 surge uma alternativa, entendida na época como uma proposta ideal para estas necessidades de melhoramento e saneamento do local, a construção do Caís do Porto. Assim, no mesmo ano, começa a ser construído o atual Caís do Porto de Porto Alegre que tinha dois objetivos em especial: Unificar a porta de entrada da cidade, melhorando o aspecto para quem aportava em Porto Alegre  e  higienizar / normalizar [4] as atividades econômicas locais, uma vez que nesta época, por volta de 1900, existiam mais de 30 trapiches na área central da cidade, onde eram desenvolvidas inúmeras atividades comerciais.   Ao ser concluído, o novo porto, além de melhorar o escoamento da produção industrial crescente, enfim podia ser considerado como uma nova e ampliada porta de entrada da cidade que se construía e se pretendia grande e desenvolvida.
Em  1914, durante a implantação do Plano de Melhoramentos da Capital, elaborado pelo arquiteto João Maciel, Otávio Rocha dá mais uma passo decisivo em direção a esta preocupação da higienização da cidade, criando um órgão público com este objetivo específico, a Diretoria de Higiene [5].
Na década de 20, a cidade havia crescido bastante, incrementado suas atividades industriais e comerciais, e o seu crescimento trazia mais um desafio a ser encarado pelos porto-alegrenses: aumentar a produção de energia elétrica que era insuficiente para atender a demanda crescente da cidade. Neste momento, mais uma vez, o Rio Guaíba viria a fornecer e possibilitar as condições necessárias ao enfrentamento deste desafio. Cederia as suas águas à duas atividades essenciais para a expansão da produção de energia elétrica, através da implantação da Usina Termelétrica do Gasômetro:  por elas embarcações trariam o carvão a ser ali processado e, ao mesmo tempo, as suas águas eram usadas para refrigerar os condensadores da usina, atividade que exigia uma grande quantidade de água.
A relação do porto-alegrense, especialmente o morador do centro da cidade, com o Caís do Porto e com o Rio Guaíba viria a se transformar bastante a partir de 1971. A intima relação e a extensa interação dos moradores da cidade com o “Grande Lago”, observados desde os seus primórdios, passa a ser cerceada pela construção de um extenso muro de concreto na Avenida Mauá [6]. Concluído em 1974, gestão do prefeito Telmo Thompson Flores, o muro abre uma série de questionamentos e debates a cerca da sua funcionalidade e da sua necessidade, travados entre os porto-alegrenses, desde então. O principal questionamento que está colocado no imaginário dos moradores mais antigos passa pelas lembranças e pela percepção de uma cidade antiga voltada para o seu rio em contraste com uma cidade moderna que renegou o seu passado fluvial e assumiu uma dinâmica citadina urbana, delineada pela velocidade dos automóveis, pela violência e caos no trânsito, e pelas feições do medo e das crises individuais e coletivas.
 Os depoimentos de alguns moradores remontam lembranças dos estragos provocados pela enchente de 1941 [7], mas estes mesmos moradores não  transformam estas lembranças em uma razão lógica para a existência do muro que viria, supostamente, proteger a cidade de outras inundações semelhantes a ocorrida em 1941.
Na tentativa de ultrapassar um pouco a narrativa estritamente histórica e documental e perceber outros aspectos que estes documentos não nos possibilitam acessar, passaremos a descrever uma etnografia de rua que realizamos no Caís do Porto. Caminhando, etnografando e explorando os  atores sociais, a dinâmica e a espacialidade do atual Caís do Porto, levantamos alguns dados ainda inéditos neste esforço de mapear a relação do porto-alegrense com o seu rio, segundo a evolução e desenvolvimento de uma cidade notadamente marcada por uma dinâmica fluvial.

    












UM  OLHAR  ETNOGRÁFICO  SOBRE  A  ATUAL  DINÂMICA VIVENCIADA  NO CAÍS  DO  PORTO  DA  CIDADE  DE  PORTO  ALEGRE: Caminhando pelo o que restou de um período de pujança e desenvolvimento de uma cidade outrora voltada para o seu rio.
                                     
“(...)O Porto, em que acreditávamos tanto, terminou em frustração, com o projeto de transformar-se em área de lazer. Os barcos e os trens nos abandonaram, dando lugar aos caminhões. A indústria fabril, depois de um ciclo de prosperidade, migrou para outras paragens. O capital internacional não acha muitos atrativos numa área de caminhos estrangulados e de comunicações roucas.(...)”  (Franco, 1997)
                              

A
s palavras, supra citadas, do historiador Sérgio da Costa Franco sobre  Porto Alegre e, em especial, sobre o Caís do Porto refletem um pouco do imaginário que os porto-alegrenses atualmente constróem sobre a sua cidade, diante das inúmeras transformações ocorridas no últimos anos.   Neste imaginário encontramos narrativas que constróem um misto de desesperança, regado com um pouco nostalgia e uma porção de medo: medo do futuro, do novo milênio, da violência ou até medo do medo [8], enfim de uma verdadeira “Cultura do Medo”.
Recorremos aqui à etnografia de rua, a fim de percebermos um pouco da base empírica destas construções elaboradas e vivenciadas pelos porto-alegrenses. Passamos então a enfrentar o desafio que se assemelha a “(...) tentar ler (no sentido de ‘construir uma leitura de’) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado.” (GEERTZ, 1978)   
A descrição da minha etnografia inicia a partir do momento que me aproximo do Largo Glênio Peres e arredores do Mercado Público de Porto Alegre. Ao passar pelo largo, observo muitas pessoas que circulam pelo local com toda a “pressa” originária de um grande centro urbano. Apesar da “pressa” (ou aparente falta de tempo), algumas pessoas param e ficam observando os “artistas” que atuam naquele local. Destacaria o tradicional vendedor de remédios naturais que, com recursos diversos (aparelho de som, animais exóticos como cobras, apelo teatral e dramático), tenta vender os seus produtos no Largo e nas praças da cidade, sendo assim já bastante conhecido da população; e um músico que tocava violino, utilizando alguns recursos sonoros como caixas de som e amplificadores, chamando bastante a atenção das pessoas que por ali passavam. Pude observar o Mercado Público que, totalmente restaurado, estava enfeitado com painéis e desenhos alusivos a Primeira Bienal do Mercosul, evento cultural que tem mobilizado muitas pessoas na capital. Vencido o Largo, nos aproximamos da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, passo a me encomodar um pouco com o grande fluxo de pessoas e procuro então me afastar das ruas mais centrais, andando em direção a Avenida Mauá, onde se encontra o Caís do Porto, ponto principal desta etnografia de rua. A tentativa de evitar o grande fluxo de pessoas, afastando-me das ruas centrais, e caminhando pela Av. Mauá não foi muito promissora, pois também ali o tráfego estava complicado, principalmente em função de alguns caminhões que descarregavam cargas nas proximidades do Prédio dos Correios e Telégrafos, prejudicando assim o trânsito de pedestres naquele local. Passo a mapear os principais vizinhos do Caís do Porto, dentre eles os Correios e Telégrafos, Secretaria da Fazenda, Delegacia Regional do Trabalho, terminais de ônibus coletivos urbanos de Porto Alegre e grande Porto Alegre (Viamão) e o Instituto Santa Marta (SUS).
A travessia da Av. Mauá (em direção ao Cais do Porto) é, sem nenhuma dúvida, “uma manobra bastante arriscada”. Neste local o trânsito de veículos é muito grande e a velocidade média dos automóveis, caminhões e coletivos também é alta em função da avenida ser extensa (uma grande reta),  larga (com 3 faixas de rolagem) e não existir nenhum dispositivo inibidor da velocidade (com exceção do semáforo). Existe uma faixa de segurança e uma semáforo quase em frente a entrada principal do Caís do Porto, o que, teoricamente, facilitaria a travessia dos pedestres, no entanto nem sempre é bem assim. Os motoristas costumam aproveitar ao máximo o tempo destinado para a sua travessia, transitando no momento em que o sinal fica no amarelo e até nos primeiros instantes em que o sinal aponta a cor vermelha, ou seja, propõe a sua parada e permite a passagem para o pedestre.  Portanto, o fato de o sinal estar apontando a travessia para o pedestre (vermelho para os motoristas) não representa uma situação de travessia segura para este. Uma outra situação que representa bastante risco para o transeunte que decide atravessar a Avenida é aquela em que o sinal muda quando o pedestre encontra-se no meio ou quase no final da travessia da Avenida. Neste caso, a pessoa precisa correr ou pular a fim de que não sege apanhada por um veículo, pois observei que os motoristas decidem aproveitar ao máximo todos os segundos destinados a sua travessia, não abrindo mão assim dos primeiros instantes da exposição do sinal verde, mesmo que o pedestre ainda se encontre no meio da sua travessia. Em resumo, atravessar uma avenida no centro da cidade não é uma tarefa muito fácil e nem muito tranqüila, pois exige do pedestre bastante atenção e perspicácia para perceber o momento exato que a travessia pode ser realizada sem nenhum risco para a sua segurança pessoal. Esta situação pode ser bem mais problemática para os idosos, crianças, gestantes e deficientes físicos por razões óbvias.
Vencida a travessia da Avenida Mauá, entro no portão principal do Caís do Porto. Entrando, a minha esquerda, encontro o posto da guarda portuária, onde um funcionário faz a segurança no local. Decidi solicitar informações sobre como deveria proceder para realizar a visitação naquele local. Fui informado que deveria me dirigir ao prédio da administração do Porto, onde deveria solicitar uma autorização (por escrito) para realizar a visita. Assim procedi, subindo ao quarto andar do prédio apontado pelo guarda, onde em contanto com a funcionária Dulce consegui a permissão, após ter me identificado e externado o objetivo da minha visita. De posse da autorização, me dirigi ao portão de acesso do Caís, apresentei a autorização para um outro guarda que a reteu, permitindo a minha entrada e informando que eu poderia visitar todo o Caís em sua parte  que estava a minha direita, e a parte que ficava a minha esquerda não poderia ser acessada por ser “área operacional”, palavras dos funcionários para referir a parte onde existe intensa atividade de carregadores, guindastes, carga e descarga de containers, etc.
Neste momento, já na beira do Rio,  acontece o meu primeiro contato com algo que me acompanharia, ou até me indicaria uma determinada trajetória nesta visita ao Cais do Porto do Rio Guaíba:  os trilhos utilizados para a locomoção de algumas  máquinas e / ou guindastes que carregam e descarregam as cargas dos navios. Observo que estes trilhos estão sendo usados pelos guindastes que estão a minha esquerda (lado operacional). Na minha direita os trilhos continuam existindo, mas parecem não estar sendo usados para o deslocamento dos guindastes observados a minha esquerda , fato que me leva a supor uma provável restruturação físico-espacial deste local, pois a existência dos trilhos no meu lado direito supõe a existência destes mesmos guindastes operando em um outro momento (outra época e organização deste espaço) anterior a este.    
A minha direita, tenho o Barco Cisne Branco ancorado com alguns homens no seu interior, parece que trabalham e organizam algumas coisas no barco. Observando o barco estão um grupo de alunos de uma escola que realizam uma visita ao Caís. Fotografam e são fotografados, conversam com os seus professores sobre o barco, sobre o rio, ... parecem estar gostando bastante do passeio, pois aparentam muita satisfação, descontração e interesse por tudo o que vêem ao seu redor. De fato, penso que nem poderia ser diferente, entre outros motivos, por estarmos vivendo um dia muito ensolarado, com temperaturas altas, céu claro e uma brisa gostosa a sombra.
O Barco Cisne Branco traz um sistema do som que ligado, espalha pelo ambiente músicas veiculadas por uma rádio local da cidade de Porto Alegre. Esta sonoridade traz, segundo o meu entendimento, consigo uma sensação de descontração para as pessoas que visitam o Caís.
Olhando para o interior do rio, vejo a primeira embarcação que circula pelo local, ela traz uma carga de areia e se desloca lentamente pelas águas calmas do Rio Guaiba. Na mesma direção podemos observar o topo de prédio que se encontra na Ilha do Presídio, ponto próximo ao Cais.
Ainda a minha esquerda, após passar pelo barco Cisne Branco, encontro trabalhadores que descarregam determinada carga de uma carreta estacionada neste local.
Vou caminhando a fim de explorar a região que me foi permitida o acesso, ou seja, lado direito de quem entra no portão principal do Caís do Porto. Após passar pelo primeiro armazém B1 (no seu interior estão grande rolos de papel, e pequenos pacotes também de papel), onde trabalhadores trabalhavam na descarga de determinado produto, me encontro nos fundos do prédio da administração, onde a bem pouco tempo estava solicitando a autorização para realizar esta visitação. Após este prédio, passo por um outro armazém (B2) fechado e sem nenhuma movimentação de pessoas.
Estacionado neste local, duas grandes carretas com cargas que parecem ser grandes transformadores de energia elétrica. Os caminhões que puxam a carreta são caminhões do tipo “fora de estrada”,  realmente muito grandes e contam com sinalizações especiais que chamam a atenção para o seu excesso de largura e comprimento (diante das dimensões normais utilizadas pelos veículos tradicionais). Ao me aproximar de uma das carretas, vejo que a altura  das rodas chegam próximo ao meu ombro. Como tenho 1,76 m de altura, a altura das rodas chegam a, aproximadamente, 1,40 m, são, portanto bastante expressivas.
Após as carretas, vejo mais três prováveis transformadores colocados em linha, os quais suponho estarem esperando para serem carregados. Faixas estão colocadas nestes transformadores estampando o nome da empresa de destino (ou de origem), COENSA.
Olhando a minha esquerda, avisto a Ponte do Rio Guaíba (em direção a cidade de Guaíba) e algumas ilhas do mesmo rio. Na minha frente mais um prédio, onde leio Fundação Nacional de Saúde (Vigilância Sanitária), local onde funciona algum setor deste órgão.
Logo a minha direita existe um portão  que encontra-se aberto e dá acesso ao Caís do Porto. Ao contrário do portão principal, neste não existem guardas nem outro tipo de segurança que dificultem o acesso. Esta observação leva ao entendimento que existe uma “ritualização” envolvendo o Caís no que concerne ao seu acesso, de uma forma diferenciada  para “os de fora” em ralação “aos de dentro”. Pois “os de dentro”, conhecedores das barreiras, portões e cercas de delimitação deste espaço, certamente usariam este portão para chegarem à beira do rio e não o principal pelo qual entrei.  Passo pelo portão e começo a percorrer a rua que é paralela ao rio, no interior do muro da Mauá, ou seja, entre o muro e o rio.
Percorrendo esta rua, chego ao primeiro (de uma série) ancoradouro na seqüência de quem vem do portão principal do Caís do Porto em direção a cidade de Canoas. O primeiro é um ancoradouro onde encontramos apenas alguns barcos de pequeno porte. Neste local existe uma placa onde leio: “Grêmio Náutico União, Estação Fluvial Nilton Silveira Neto, Embarque, Sede Ilha do Pavão”. Nas proximidades do prédio do Palácio do Comércio, me deparo com a estação dos bombeiros. Na parede está estampada os símbolos e uma mensagem (ou lema) do 3o. grupo de bombeiros da brigada militar : “Homem do salvamento, estar seguro, trabalhar com segurança, produzir segurança, mais do que um lema, uma filosofia em ação.”
Passo a perceber que, em verdade, o Caís do Porto possui toda uma cultura muita própria e muito sua. Cada ancoradouro, cada espaço ou cada ator social que aqui atua está inserido numa lógica e numa racionalidade que para ser percebida em sua integralidade demandaria uma investigação muito mais minuciosa e elaborada do que por ora realizo. É um pouco óbvio o que estou afirmando, no entanto é interessante de registrar esta minha percepção de que somente um envolvimento e uma interação maior com este local me permitiria perceber e reconstruir a “subjetividade portuária”, fato que nos revelaria, em detalhes, a verdadeira dinâmica, a real estruturação, organização e normalização deste “espaço não - urbano” da cidade de Porto Alegre.
Voltando a descrição físico-espacial do lugar, caminhando mais um pouco, me aproximo do prédio C3, onde leio garagem e oficina APPA - Portão 01.  Atento para a cobertura da rua que estou percorrendo que é de pedras do tipo paralelepípedo. Caminho no sentido centro bairro (no caso Centro de Porto Alegre - Canoas) e a minha direita tenho um trilho (o mesmo que começou o seu traçado logo na entrada do Caís) que percorre toda a rua, decido seguir a sua trajetória, pois percebo que, apesar de estar atualmente em desuso, este trilho já representou uma determinada dinâmica de trabalho do Caís do Porto. Seguí-lo, ou percorrê-lo é atitude óbvia para quem tenta perceber o que este trilho e o que este chão podem estar querendo “falar” para quem o “escuta” (ou quem com ele dialoga). Avisto o prédio C4 que tem as portas abertas e máquinas no seu interior, no entanto não existe movimento de trabalhadores neste momento (viria a saber, mais tarde que o que estava ali acondicionado era sal). Uma placa estampa a mensagem “Proibida a entrada” ao lado deste prédio (na verdade estas placas foram encontradas em vários locais do Caís, denotando as estratégias de contenção e normalização deste espaço, porém nem sempre elas pareceram atuais e operantes). Percorrendo mais um trecho da rua, chego a um outro ancoradouro (2o.) onde estão atracados navios de grande porte, Navio Taquari, Itapuã, ...  Fiquei tão impressionado com o tamanho das embarcações que passei a tentar quantificar o seu tamanho: eles teriam, aproximadamente, uns 10 metros de largura e uns 30 de comprimento. Neste mesmo ancoradouro, observo várias outras embarcações de menor porte que as três anteriores, apresentando um péssimo estado de conservação o que permite supor até que elas estão totalmente fora de atividade.
Continuo caminhando, em certo momento o capim esconde os trilhos e passo a pensar se estou seguindo a trajetória dos trilhos ou são os trilhos que acompanham a minha caminhada ? A resposta não é minha neste momento. Avisto um outro prédio que está mal conservado e tem escrito em suas paredes anúncios de venda de gelo.
Me aproximando da Elevada da Conceição, olho para o muro que separa a cidade do Rio e percebo a “força”[9] deste muro. É realmente um aparelho delimitador espacial que remonta a perspectiva da percepção “intra-muros” e “extra-muro” como a que já trabalhei em casos de realidades institucionais do estilo manicomial. Em outras palavras, a cidade está excluída deste espaço e vice-versa, o que nos coloca claramente a necessidade de se separar o que é urbano do “não - urbano”, ou a lógica urbana da lógica “não - urbana”. Esta proposta de delimitação passa a existir no Brasil a partir do século passado e está intimamente relacionada com o movimento que aqui já mencionamos: a higienização dos aparelhos públicos.  Este é um ponto (espacialidade do Caís) de análise deste local e desta lógica local que demandaria também um esforço maior de análise e de interação, como já havia afirmado antes. Nas proximidades da Elevada da Conceição, observo uma espécie de portão (na extensão do muro) que parece não ser utilizado visto a suas características de conservação e dos capins que o entornam.
Caminhando mais um pouco, avisto um outro prédio onde leio: Centro Integrado de Comercialização agrícola e, novamente, Venda de Gelo. Este prédio está desocupado e desabitado, além de mal conservado como o anterior. Ao lado do muro encontro bastante lixo neste trecho da caminhada, parece que na medida em que nos afastamos do portão principal do Caís do Porto aumenta o desleixo, a sujeira, a má conservação dos prédios, inexistência de atividades nos prédios, etc. Ou seja, na medida em que nos afastamos do “centro” deste local o que era belo, policiado e bem cuidado agora é o oposto de tudo isso.
Chego ao terceiro ancoradouro  e observo alguns barcos de grande porte. Uma das embarcações é parecida com as que carregam areia, não sei exatamente o nome específico. Posso perceber,  então,  mais um bloco de prédios que é o (c6), onde observo algumas caixas garrafas de bebidas sendo transportadas. O  prédio ao lado esta aparentemente sem atividade, não tem pessoas que circulam ou que estão trabalhando neste local. Alguns carros passam por mim e suponho que são funcionário que, nesse momento são 11:25,  estão talvez indo para de almoço. Me encontrava agora nas proximidades da rodoviária e da elevada da Conceição. Passo a ter  a impressão que esta estrada vai mais longe do que eu imaginei, portanto seria necessário ter uma condução para explorá-la em toda a sua extensão.
Tenho a minha direita o terminal do Trensurb, onde pessoas aguardam a chegada do trem. Me parece que este seria o terminal Estação Rodoviária. Vejo dois caminhões  velhos  estacionados ao lado do referido prédio. O Trensurb acaba de chegar no terminal e as pessoas que o aguardavam passam a trafegar nele. Neste momento, passo por cima dos trilhos  que  eu estava acompanhando, (ou dos trilhos que acabaram por definir a minha trajetória, ou trilhos me trouxeram até aqui, ou ...) ou seja eles cruzaram a rua em direção ao rio. Neste momento fico admirado com o que estou vendo:  uma caminhão, do tipo tombadeira, estaciona ao lado do prédio C6, operários colocam  caixas de garrafas de vidro neste caminhão e ficam quebrando as garrafas.  Parece que garrafas de vidros   realmente não são mais importante, pois estão quebrando e colocando dentro da tombadeira. Hoje, a hegemonia dos recipientes para acondicionamento de refrigerantes é do plástico.
Sinto a necessidade e a curiosidade de adentrar e explorar mais essa estrada que continua a minha frente, porém vou retornar, até porque os trilhos  me trouxeram até aqui. Neste momento acontece algo muito interessante: vejo um funcionário, um senhor de aproximadamente 60 anos, sair do prédio onde os operários quebravam as garrafas e decido passar a caminhar ao seu lado conversando com ele (em direção ao portão principal do Caís, ou seja, retornando), a fim de conhecê-lo e, ao mesmo tempo, conseguir algumas informações sobre a dinâmica do Caís que até então se  apresentavam como uma incógnita para mim. Foi um diálogo curto, porém muito interessante, pois o contato direto com um ator social local foi imprescindível para percebermos alguns detalhes da organização e da espacialização do Caís.
Sanislau, trabalhador do porto a mais de 30 anos, falou-me das suas percepções a cerca da situação atual do Caís, da existência do Muro da Mauá, das lembranças da enchente de 1941, entre outras coisas. Sobre a questão do muro, ele afirmou que “o muro matou o caís, olha isso aí, tudo parado !  Antes o movimento era grande, havia muito trabalho, (...)”.
Nas suas palavras, são claras as construções mnemônicas sobre as transformações negativas, segundo o seu ponto de vista, que a construção do muro da Mauá trouxe para as dinâmicas do Caís do Porto, reportando e relacionando a situação atual com  um tempo de pujança e de intensa atividade portuária,  anterior à construção do muro. Além disso, a sua fala traz um veio de esperança, no sentido da possibilidade de que haja um retorno ao período áureo do Caís, a um passado promissor que reconstrói na sua memória, verbalizando: “Parece que vão derrubar isso daí (aponta para o muro)”.
Perguntado sobre a enchente de 1941, Sanislau afirma: “Foi coisa feia meu filho. A água ia lá na Rua da Praia. Eu estava aqui e vi tudo.”  Mas, quando questiono-o sobre a possibilidade da ocorrência de uma nova enchente na cidade, semelhante a de 1941, a qual justificaria a existência do muro como proteção, irônico ela afirma: “É, ‘eles’ estão esperando uma outra enchente daquelas a mais de 50 anos.”  Externa assim uma posição pessoal clara sobre a não funcionalidade do muro como proteção da cidade em caso de enchentes e sim como um dispositivo que interrompeu o desenvolvimento das atividades portuárias.   
Na sua integra, foi uma conversa muito interessante de, aproximadamente, 20 minutos com seu Sanislau que, como outros antigos funcionários do Caís do Porto, integra o grupo dos maiores guardiões da memória deste lugar tão significativo para a constituição da cidade de Porto Alegre. Dentro do esforço de um trabalho etnográfico, recuperar esta memória e reconstruir o “edifício das memórias coletivas” (JEUDY, 1986) destes guardiões é a atividade que nos possibilitará avançar no entendimento da relação dos porto-alegrenses com o seu rio. 


























BIBLIOGRAFIA



1.    COSTA, Elmar Bones da. História Ilustrada de Porto Alegre. Porto Alegre : Ed. Já Editores, 1997.

2.    ECKERT, Cornelia. Antropologia do Cotidiano e Estudo das Sociabilidades a Partir das Feições do Medo e das Crises na Vida Metropolitana. Porto Alegre: UFRGS. Projeto de Pesquisa, 1997.

3.    FRANCO, Sérgio da Costa. Guia Histórico de Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. da Universidade / PMPA, 1988.

4.    ________ , ___________ . Porto Alegre e Seu Comércio. Porto Alegre: Ed. Associação Comercial de Porto Alegre, 1983.

5.    GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1978.

6.    NORBERG-SCHULZ, Christian. Nuevos Caminhos De La Arquitectura - Existencia, Espacio y Arquitectura. Barcelona: Ed. Blume, 1975.











[1] Segundo denominação geográfica, o Rio Guaíba é lago, pois une dois grandes volumes de águas navegáveis, o Rio Jacuí e a Lagoa dos Patos. O Jacuí desce em turbulência de sua nascente localizada no Planalto, cerca de 400 metros acima do nível do mar. Ao atingir a Depressão Central, a 100 metros de altitude, suas águas correm para o leste e vão diminuindo a velocidade, de acordo com o suave declive da planície. No trajeto final, próximo a Porto Alegre, o Jacuí recebe as águas do Taquari, do Caí, do Sinos e do Gravatai, formando um delta, uma enorme bacia de decantação onde se acumula a terra arrancada das encostas do Planalto. Essas águas calmas e barrentas são despejadas no Guaíba, apenas cinco metros acima do nível do mar. O Guaiba desemboca na Lagoa dos Patos que lança suas águas no Oceano Atlântico, 250 Km ao sul.
[2] Expressão usada na primeira referencia registrada em documento sobre a povoação que se formava no então Porto de Viamão, a qual se desenvolvia rapidamente para os padrões da época.
[3] Cubeiros - indivíduos que carregavam e limpavam os “Cubos”, recipientes onde eram armazenados os excrementos das residências mais abastadas. Uma vez cheios, eram levados até as margens do rio pelos escravos (e depois pelos funcionários da prefeitura que assumiram este serviço) e ali descarregados e lavados para voltarem a ser utilizados nas residências.
[4] Um relatório da época dizia: “É preciso melhorar o porto tanto do ponto de vista econômico como estético e sobretudo higiênico.”
[5] O princípio de “isolar espacial e temporalmente implica reunir ordenadamente”, difundido pelo movimento que se conhece como “medicalização (ou normalização / higienização) das cidades” observados no Brasil durante a segunda metade do século passado é abordado de uma forma bastante interessante por Roberto Machado Et All  em “Danação da Norma : Medicina Social e Constituição da Psiquiatria no Brasil”.
[6] Alguns historiadores sustentan que de 1773 a 1778 teria sido construído uma grande muralha na cidade, com o objetivo de proteger os seus habitantes dos invasores espanhóis. O suposto muro percorreria as atuais ruas Washington Luís, Riachuelo e Pinto Bandeira, com começo e fim à beira d’ água. O portão desse muro ficaria ao lado do lugar onde agora está o Viaduto Loureiro da Silva.
[7] A maior enchente da história da cidade de Porto Alegre que trouxe muitos danos e transtornos para os moradores e para os seus patrimônios pessoais.
  O primeiro registro de enchente em Porto Alegre é de 1833. Outras aconteceram em 1841, 1847 e 1850, mas nenhuma delas foi como a de 1873 que desabrigou famílias às margens do Guaíba e do Riacho. Mais sete aconteceram em 1897, 1898, 1905 e três em 1912 e se chega então a maior de todas, a de 1941, considerada uma catástrofe como definida pelos jornais da época. Na enchente de 1926 começaram as medições. Naquele ano a precipitação foi de 313,7 mm; na de 1928 foi de 225,5 mm; na de 1936 foi de 316 mm e na de 1941 foi de 619,4 mm, a maior de todas.
[8] Nome dado pelos psiquiatras e psicólogos para um tipo de distúrbio emocional, observado especialmente nas grandes cidades, marcado pelas tensões, fobias, e agregação de vários tipos de medos sentidos simultaneamente pelos pacientes.
[9] Força social e simbólica.