Livro e Literatura. Ciências Sociais. Antropologia. Sociologia. Porto Isabel. Viamão. Rio Grande do Sul. Brasil.
sexta-feira, 19 de setembro de 2014
segunda-feira, 15 de setembro de 2014
sexta-feira, 5 de setembro de 2014
terça-feira, 2 de setembro de 2014
segunda-feira, 1 de setembro de 2014
Mestrado em Antropologia Social
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
MONOGRAFIA PARA O PROCESSO DE SELEÇÃO DO CURSO
DE MESTRADO
-
ESTUDO ANTROPOLÓGICO SOBRE
A CONSTRUÇÃO DAS
INDIVIDUALIDADES,
TRAJETÓRIAS E ITINERANÇAS
DE UM GRUPO
DE “FLANELAS” DA
CIDADE DE PORTO
ALEGRE -
Candidato: JAQUES XAVIER JACOMINI
Porto Alegre, Novembro de 1998.
SUMÁRIO
Introdução
....................................................................................................................... 03
1. A Organização e
a Ocupação dos Espaços Urbanos Centrais de
Porto Alegre: uma reflexão sobre a inserção
de um novo ator social,
“flanela”, na dinâmica citadina moderna
...................................................................... 04
2. Mapeando o
campo pesquisado: aspectos geo-espaciais e de
localização do entorno das ruas centrais da
cidade de Porto Alegre
escolhidas para a realização do presente
trabalho
.................................................... 05
3. Descrevendo e
Caracterizando o principal ator social em
Questão : “O Flanela”
.................................................................................................. 07
Conclusão
........................................................................................................................
09
Referências
Bibliográficas
.............................................................................................. 10
INTRODUÇÃO [1]
A organização e a ocupação do espaço urbano é uma
necessidade constante da maioria dos indivíduos que residem nas grandes
cidades. Esta necessidade é vivenciada e experimentada, por exemplo, quando
inúmeras pessoas se deslocam para as áreas centrais (comerciais, políticos,
empresariais, ...) da cidade e buscam espaços (ou vagas) e possibilidades de
estacionarem os seus automóveis.
Este trabalho[2]
propõe estudar a atuação de um novo ator social típico das cidades urbanas
contemporâneas, o guardador de carros, comumente denominado de “flanela”.
Percebendo-o como integrante de toda uma dinâmica citadina moderna, envolto
nesta necessidade de ocupação e organização do espaço urbano, propomos
investigá-lo, caracterizando-o e contextualizando-o dentro de uma ambiente
histórico e espacial recortados por esta
pesquisa.
O ambiente histórico que nos mobiliza para este estudo é
dado pelo período compreendido entre o início deste século até aos nossos dias.
O ambiente espacial
que investigamos é basicamente o que circunda a Universidade Federal do Rio
Grande do Sul: Avenida Osvaldo Aranha, Avenida Paulo Gama, Rua Engenheiro Luís
Englert e Rua Sarmento Leite, centro da Cidade de Porto Alegre. Esta opção
aconteceu em função de percebermos que neste quadrilátero estão atuando um
grupo de “flanelas” com algumas tipologias muito semelhantes, fato que
proporcionou tomá-los como um grupo típico dentre os vários outros grupos de
“flanelas” que atuam na cidade[3].
Para a metodologia do trabalho de campo, utilizamos
as principais técnicas do método etnográfico, como a observação participante e
não-participante, realização de entrevistas
com o uso de gravador (entrevistamos 10 flanelas e 10 usuários), análise
de contexto do campo pesquisado e análise de conteúdo de documentos históricos,
reportagens de jornais e revistas, bem como das transcrições das entrevistas
realizadas com os informantes.
1.
A Organização e a
Ocupação dos Espaços Urbanos Centrais de Porto Alegre: Uma
reflexão sobre a inserção de um novo ator social , “flanela”, na
dinâmica citadina
moderna.
Percebemos que o “flanela” passa a atuar socialmente, a
partir do momento em que a urbanidade e a dinâmica da cidade[4] o
permite e o solicita atuar. Historicamente, poderíamos dizer que isso só passa
a ser possível de acontecer na cidade de Porto Alegre a partir do início deste
século, quando chegam aqui os primeiros automóveis. Em uma referência mais
exata, podemos afirmar que foi o ano de 1906 o marco referencial para a existência
do guardador de carros na cidade, pois é nesse ano que aqui chegam e começam a
circular os primeiros automóveis.
Contudo, a produção de automóveis em escala industrial, bem como o
incremento nas vendas dos veículos, dado através de subsídios do poder público,
é acelerado especialmente a partir da década de 70, ou seja, no período que
conhecemos como “milagre econômico brasileiro”. É a partir de então que as
cidades brasileiras são tomadas pelos veículos automotores e os espaços urbanos
começam a ser pensados e organizados para uma nova dinâmica citadina, a
dinâmica da velocidade, da alta mobilidade, do poder mecânico de locomoção,
enfim a dinâmica dos automóveis. Surge, então, a necessidade de se abrir novas
avenidas e ruas, redimensionar e alargar as já existentes, de se construir elevadas, viadutos e túneis em função desta
nova dinâmica urbana [5].
Como vimos, rapidamente, pensar o “flanela” como um ator
social urbano contemporâneo é pensar a cidade urbana contemporânea em que ele
atua, se insere e se articula. Ao passo que pensar esta cidade é mapear as suas
prioridades e características, como ela se organiza e se estrutura socialmente,
economicamente e especialmente. [6]
2.
Mapeando o Campo Pesquisado: aspectos
geo-espaciais e de localização do
entorno das ruas centrais da cidade de
Porto Alegre escolhidas para a realização
do presente
trabalho[7].
O espaço investigado é marcado por um intenso fluxo de
automóveis, caminhões e conduções de transporte coletivo, fato que ocasiona uma
grande quantidade de emissão de gases expelidos pelos escapamentos destes
veículos, ou seja, poluição do ar e ainda um alto grau de poluição sonora
devido a mesma causa [8]. O
movimento de pedestres também é muito grande, principalmente dos passageiros de
ônibus, vindos de vários bairros de Porto Alegre e das cidades da região
metropolitana, em especial Viamão, que desembarcam nas proximidades do Parque
Farroupilha e da UFRGS no seu deslocamento diário ao centro da cidade de Porto
Alegre. Dentre os pedestres que circulam neste perímetro, destacam-se os alunos
e funcionários da UFRGS que são maioria em determinados horários e dias da
semana. Observamos que estes caracterizam-se em especial pela vestimenta
(“roupas de estudante”: calça de brim e camiseta que as vezes traz o logotipo
da própria universidade, tênis ou chinelo, ...), utensílios (pastas, mochilas,
materiais escolares caracteristicamente universitários como os de desenho
carregados pelos alunos da arquitetura, ...) e maneira descontraída de se
comunicar e de se locomover (grupos de amigos que se encontram na rua, se
abraçam, conversam amigavelmente nas esquinas, trocam informações, ...).
Em resumo, caberia destacar que este campo
geográfico-espacial estudado é marcado por três fortes características[9]:
I - Intenso tráfego de veículos e pessoas durante quase todo
o dia;
II - Sociabilidades marcadas por três campos distintos de
atuação social: intelectual (Observadas a partir das inúmeras atividades
acadêmicas realizadas na UFRGS); econômico (vendedores ambulantes e camelos que
atuam no local, bem como das pessoas que, em trânsito, deslocam-se para os seus
locais de trabalho no comércio do centro de Porto Alegre, principalmente das
Avenidas Salgado Filho, Borges de Medeiros, Rua dos Andradas e Voluntários da Pátria)
e de lazer (observadas pelas inúmeras pessoas que utilizam o Parque Farroupilha
para realizarem exercícios físicos diários - caminhar, correr e andar de
bicicleta - passear com seus animais de estimação, namorar, ...);[10]
III - Necessidade de adequação e normalização[11]
do espaço físico local, bem como necessidade de segurança diante da quantidade
de automóveis e de pessoas movimentadas por todas estas atividades sociais
citadas anteriormente[12].
Diante do que está colocado até aqui, destacaríamos duas
questões especiais do nosso trabalho com os “flanelas”: I - a importância de
tentar perceber as características e especificidades do campo trabalhado, bem
como dos atores sociais[13] e
da dinâmica social colocada neste campo, a partir de um “olhar vibrátil” (ROLNIK, 1997) sobre o
espaço e as relações de espacialidade que envolvem, delimitam e, porque não
dizer, definem este universo simbólico e cultural trabalhados; II - a importância da pesquisa qualitativa e,
em especial, do método etnográfico, nos estudos de ciências sociais voltados a
pesquisa de sociedades complexas do tipo urbano-industriais (OLIVEN, 1985).
Sobre a dominação, organização e exploração deste espaço[14]
urbano estudado é importante salientar que as noções de público e privado
percebidas pelos “flanelas” são diferentes das noções de público e privado
percebidas pela maioria dos “usuários” entrevistados[15].
3. Descrevendo e Caracterizando o
Principal Ator Social em Questão: “O Flanela”.
Através
do nosso estudo, podemos afirmar que, de um modo geral, o “Flanela” que atua no
espaço urbano selecionado para esta pesquisa é negro, do sexo masculino, tem 38
anos de idade, não possui o 1o. grau completo, mora em Porto Alegre,
é “juntado”[16],
possui 4 filhos, está nesta profissão a 13 anos, atua no mesmo local de
trabalho a, no mínimo, 9 anos, ganha em média R$ 22,00 (vinte e dois reais) por
dia de trabalho, trabalha seis dias por semana, 12 horas por dia e não é
sindicalizado. A sua não adesão ao sindicato é justificada pelos relatos das
suas sensações de inoperância e falta de amparo da entidade sindical para com
os seus associados. Porém, eventualmente pode também afirmar que, uma vez
sindicalizado, possui uma melhor relação com a força policial no seu dia a dia
de trabalho, pois esta solicita crachás e credenciais dos “flanelas”[17]
que atuam no centro da cidade.
Optou
por esta profissão pela falta de oportunidade de trabalho em outra carreira
profissional do mercado formal, por falta de escolaridade e qualificação
profissional, por não poder mais atuar na sua profissão anterior em função de
problemas de saúde ou mesmo por não gostar de trabalhar como empregado tendo
que respeitar regras fixadas pelos patrões como horários, metas e procedimentos
a cumprir[18].
Afirma que o salário que recebe como “flanela” não seria alcançado em sua
integralidade se optasse por um emprego no mercado de trabalho formal. Diz que
a quantia que recebe é pouca, no entanto é o suficiente para atender as
necessidades básicas da sua família e que as “incrementações salariais” representadas
pelas doações de roupas, calcados, gêneros alimentícios e outros bens recebidos
dos usuários do estacionamento complementam estas necessidades básicas da
família com alimentação e vestimentas.
Tem um bom relacionamento com o seu usuário,
com o qual troca, além da prestação de serviço por uma quantia em dinheiro,
relações de amizade, afeto e até de admiração. Conta com a confiança do seu
usuário, em alguns casos com total
confiança, pois pode chegar ao ponto de ser a ele postergada a tarefa de permanecer
com as chaves dos veículos estacionados enquanto o usuário não está no local[19].
Esta confiança é gerada, freqüentemente, em função de que os “flanelas” possuem
pontos fixos de trabalho, na sua maioria, estão trabalhando no mesmo local a,
aproximadamente 10 anos, fato que leva o usuário a criar um vinculo quase
familiar com o “flanela”, pois está em contato diário com este, observando o
seu trabalho e os seus procedimentos cotidianos. Por trabalhar nas imediações
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, apresenta conhecimento das
rotinas e horários dos alunos desta universidade, com os quais desenvolve
relações de amizade e intercâmbio de informações, apresenta ainda conhecimento
de alguns setores da UFRGS, bem como da
sua funcionalidade[20].
Afirma
ser pacífico e tranqüilo, não provocar nenhum dano ao patrimônio dos seus
clientes, mesmo daqueles que não colaboram com nenhum tipo de retorno a sua
prestação de serviço. Não se aborrece quando não ganha dinheiro em troca do seu
serviço, pois afirma que “se um não dá, vem outro logo em seguida e dá”
(Paulinho). Diz que não cobra um valor fixo pelo seu trabalho, aceitando a
quantia que o próprio usuário decide dar a ele, valor que geralmente fica entre
R$0,50 (cinqüenta centavos de real) e R$ 1,00 (um real). O dinheiro não é a sua
única meta, pois aceita bens de consumo, como roupas, calcados, ranchos,
lanches, balas, fotografias, e todo outro bem de consumo que lhe proporcione a
satisfação de uma necessidade pessoal qualquer, em troca do seu trabalho. Tem orgulho
de dizer: “Tá vendo este tênis, esta jaqueta, é tudo deles ai, ó.” (Francisco),
referindo que a roupa[21] e
o calcado que está usando foi presente de um “cliente” seu, aluno da UFRGS.
Tem
casa com residência fixa, mas também pode morar na rua. Fala com ternura de sua
casa, de seus filhos e de suas companheiras, quando perguntado sobre.
Tem
boa fluência verbal e desenvolve técnicas discursivas de convencimento da
importância do seu trabalho, apesar do seu baixo nível de escolaridade. Possui
um bom entendimento da relação custo X benefício nas oportunidades de
estacionamento do seu usuário e dialoga sobre isso[22].
Relata
situações de violência nas ruas em que trabalha, onde presencia diariamente
cenas de assalto, eventualmente, seguidas de agressões físicas.[23]
CONCLUSÃO
[24]
As
conclusões são tão experimentais quanto toda esta pesquisa realizada, em função
da nossa condição de iniciados em antropologia social, portanto elas mais abrem questões de debate e
análise do que encerram grandes constatações[25].
Um
aspecto que me parece interessante e que devo chamar para este momento do nosso
texto é do desafio que estava colocado para nós, quando do início deste
trabalho. É a primeira vez que tentamos “estranhar o familiar”, através de uma
pesquisa voltado para um espaço social que é o nosso próprio, ou seja, o espaço
urbano contemporâneo. Aceitando o convite de Gilberto Velho: “(...) Não há como
fugir, nem retardar mais o processo de assumir o estudo antropológico da nossa
sociedade e cultura como tarefa fundamental.” (VELHO, 1980), nos embrenhamos
nesta atividade de pesquisa que nos trouxe muita satisfação intelectual.
No
campo mais teórico, uma das principais constatações é que precisamos tentar
entender os “flanelas” enquanto atores sociais urbanos contemporâneos inseridos
em uma dinâmica social moderna. Ao invés de classificá-los como bandidos ou
heróis de uma sociedade moderna, impregnada de conflitos, de tensões e de
crises, é necessário perceber a dramaturgia que está colocada na sua atuação
social. Portanto, acreditamos que “(...) todo o ator social procura, para além
dos papéis institucionalizados, oferecer a outrem uma imagem de si próprio que
lhe garanta o controle desta interação. As estratégias assim elaboradas
envolvem comportamentos físicos ou verbais, e são tanto mais necessárias quanto
mais ameaçado estiver a identidade pessoal.”[26]
(GOFFMAN, In CUIN & GRESLE, 1974)
Este
entendimento da dinâmica do trabalho do flanela é o principal eixo desta
conclusão. Precisamos fugir das observações jornalísticas que generalizando os
fenômenos sociais, acabam por desfigurá-los e desqualificá-los[27].
A antropologia urbana nos apresenta um importante instrumental de análise e
estudo destes atores urbanos contemporâneos (OLIVEN,1985).
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CAVALCANTI, Maria Laura. Carnaval Carioca: dos Bastidores ao Desfile. Rio de Janeiro: Ed.
FUNARTE; UFRJ, 1994.
CUIN, Charles-Henry & GRESLE, François. História da Sociologia. São Paulo:
Ensaio, 1994.
FOUCAULT, Michel. Vigiar
e Punir – História da Violência nas Prisões. Petrópolis: Ed. Vozes, 1996.
MACEDO, Francisco Riopardense de. Porto Alegre: origem e crescimento. Porto Alegre: Ed. Sulina, 1968.
MACHADO, Roberto (et all). Danação da Norma – Medicina
Social e Constituição da Psiquiatria no Brasil. São Paulo: Ed. Graal, 1996.
MAGNANI, José Guilherme C. e TORRES, Lilian de Lucca. Na Metrópole, Textos de Antropologia
Urbana. São Paulo: EDUSP, 1996.
OLIVEN, Ruben George. A
Antropologia de Grupos Urbanos. Petrópolis: Ed. Vozes, 1985.
ORTIZ, Renato. “Uma Cultura Internacional-Popular”. In: Mundialização e Cultura. São Paulo: Ed.
Brasiliense, 1994.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. O Espetáculo de Rua. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1992.
ROLNIK, Suely. Uma
Insólita Viagem à Subjetividade. São Paulo: Ed. Papirus, 1997. In LINS,
Daniel. Cultura e Subjetividade.
SANTOS, Milton. A
Cidade Como Centro de Região. Bahia: Ed. da Universidade da Bahia, 1959.
TOLEDO, Luiz Henrique. “As Torcidas na Cidade”. Torcidas Organizadas de Futebol. Campinas:
Ed. Autores Associados; ANPOCS, 1996.
VELHO, Gilberto. O
Desafio da Cidade. Novas Perspectivas da Antropologia Brasileira. Rio de
Janeiro: Ed. Campus, 1980.
[1] Esta monografia foi
realizada segundo as instruções divulgadas pelo PPGAS / IFCH / UFRGS, para a
qual escolhemos o sub-item temático de número 4 (Observe, descreva e analise
uma manifestação cultural que ocorre no meio urbano).
[2] Esta monografia foi
apresentada inicialmente na Cadeira de Métodos de Pesquisa (Pesquisa
Qualitativa), ministrada pela Professora Dra. Cornelia Eckert, durante a
realização do Curso de Graduação em Ciências Sociais nesta Universidade /
Semestre 97/II, tendo obtido Conceito A.
[3] Neste caso, o nosso campo de investigação
antropológica é a cidade de Porto Alegre, a exemplo do que temos feito como
integrantes da equipe de trabalho da pesquisa “Estudo Antropológico de
Itinerários Urbanos, Memória Coletiva e Formas de Sociabilidade no Mundo Urbano
Contemporâneo”, sob a coordenação das Profas. Dras. Cornelia Eckert e Ana Luiza
Carvalho da Rocha, bem como a exemplo do que temos feitos durante as
investigações do Cais do Porto de Porto Alegre. A inspiração para esta prática
vem, além do aprendizado com nossas orientadoras, já citadas, das leituras de
Gilberto Velho, Ruben Oliven, José Guilherme Cantor Magnani, entre outros autores.
Todos representam uma inestimável
contribuição para este estudo antropológico que aqui apresentamos de
forma resumida.
[4] ORTIZ, 1994 (Mundialização e
Cultura – pg. 106) cita dois autores que trazem importantes contribuições para
algumas de nossas reflexões sobre o estudo das cidades: São eles Paull Virílio
(especialmente a obra “O Espaço Crítico) e Milton Santos (especialmente as
obras “A Cidade Como Centro de Região” e “A Urbanização Desigual”)
[5] É no período de 1970 a 1982
que acontecem a construção dos principais viadutos, elevadas e túneis que
conhecemos hoje em Porto Alegre. Em 24 de junho de 1970 é inaugurado o Viaduto
Loureiro da Silva sobre a Avenida Salgado Filho. Em 24 de abril de 1972 é
inaugurado o Viaduto D. Pedro I, sobre a 2a. Perimetral. Em 7 de agosto de 1972
é inaugurado o túnel e a elevada da Conceição.. Em 30 de outubro de 1972 é
inaugurado o Viaduto Tiradentes, sobre a Rua Silva Só. Em 31 de julho de 1973 é
inaugurado o Viaduto dos Açorianos sobre a 1a. Perimetral. Em 1975 é inaugurado
o Viaduto Obirici sobre a Avenida Plinio Brasil Milano. Em 27 de julho de 1982
é inaugurado o Viaduto Ildo Meneghetti, sobre a Rua Vasco da Gama.
[6] Na versão original desta
monografia, a fim de atendermos este objetivo que colocamos no último parágrafo
desta página, realizamos uma incursão na cronologia histórica da cidade de
Porto Alegre, reportando a um tempo bastante longínquo, o ano de 1772, até a
atualidade, tendo como pano de fundo a organização do seu espaço urbano,
através do traçado das primeiras e principais ruas. Desta forma,
demonstrávamos, através de iconografias, mapas e plantas antigas da cidade,
como esta parte central da cidade, entorno dos prédios da UFRGS (Campus Centro)
foi se alterando e se complexificando diante do surgimento e crescimento de
aparelhos urbanos e instituições de ensino, saúde e de lazer que ali se
instalavam ou se ampliavam. Ou seja, tentamos relacionar, sempre que possível,
o crescimento urbano de Porto Alegre com o surgimento e a atuação do “Flanela”.
Infelizmente, diante da limitação regulamentar do número de páginas desta
monografia, não foi possível trazer aqui estes elementos que contribuiriam para
o entendimento e a explicitação do tema ora em debate. Entendemos que “a
urbanização não constitui processo único, integral e universalmente semelhante,
mas assume formas e significados diferentes, que dependem das condições
históricas, econômicas, sociais e culturais prevalecentes” (LEWIS-1951 citado
por OLIVEN-1985)
[7] Inicialmente, pensamos em
permanecer estudando apenas um grupo de “flanelas” que desenvolve as suas
atividades na Av. Osvaldo Aranha, trecho compreendido entre a Avenida João
Pessoa e a Rua Sarmento Leite, área central de Porto Alegre, proximidades da
Praça Argentina e da UFRGS. Porém, durante a realização da primeira fase da
pesquisa de campo, observamos a necessidade de fazer um mapeamento não só deste
trecho, mas de praticamente todo o entorno do Campus Central da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Procedemos então a ampliação deste traçado
inicial e partimos para o estudo do quadrilátero compreendido pela rua Eng.
Luís Englert, Av. João Pessoa, Av. Osvaldo Aranha e Av. Paulo Gama. Esta
decisão foi tomada principalmente pelo fato de percebermos que existe uma
dinâmica de trabalho dos “flanelas” muito parecidas nestas várias ruas e
avenidas. Além disto, a organização do espaço, a tipologia do usuário deste
estacionamento, o fluxo de pessoas e automóveis é muito semelhante em todo este
entorno, portanto, sobre o nosso ponto de vista, esta ampliação era realmente
necessária.
[8] Esta poluição sonora
prejudicou bastante o trabalho de entrevistas com o uso do gravador. O ruído
externo muito grande prejudicou a transcrição de alguns trechos das fitas
gravadas em campo.
[9] De alguma forma, neste estudo
antropológico, realizamos o que Magnani propõe na página 36 da sua obra aqui já
referida: “Os instrumentos utilizados (...): caminhadas, observação direta,
classificação.”
[10] Durante as nossas atividades
de campo, podemos perceber que “Olhada com atenção, a cidade revela que, na
dinâmica da organização do seu espaço, se inscrevem signos diferenciais de
pertencimento, que é necessário levar em conta, se se quiser compreendê-la, ou
mesmo representá-la (...)” (TORRES, 1996).
[11] Normalização: conceito trabalhado
conforme FOUCAULT, Michel (Vigiar e Punir, página 163) e MACHADO, Roberto
(Danação da Norma, página 258)
[12] Observamos que os espaços
destinados ao estacionamento dos automóveis é insuficiente para atender a
demanda de usuários, então entra em cena o “flanela” que auxilia neste processo
quase caótico de propiciar a utilização dos espaços disponíveis, de uma forma
mais organizada, disciplinada e segura.
[13]Diante da dramaticidade do
cotidiano, nos agrada muito e nos parece pertinente trabalhar com esta categorização
“Atores Sociais”, especialmente após a leitura de MAGNANI,1996 que usa diversas
vezes esta denominação. Ver, por exemplo, páginas 28 e 38. Em TOLEDO, 1996
também encontramos uma interessante referência a “papéis sociais” no seu estudo
sobre as Torcidas Organizadas de Futebol – página 12.
[14] As questões relativas aos
limites (geográficos) de atuação dos diversos “flanelas” entrevistados, dentro
de quadrilátero citado aqui, podem ser observadas nos anexos 8, 9 e 10 da
versão original desta monografia.
[15] O “usuário” entende a rua
como um espaço público, onde, portanto pode estacionar o seu veículo sem,
necessariamente, contribuir com nenhum tipo de retribuição econômica e
financeira para as pessoas que permanecem no local e afirmam estar cuidando dos
seus carros. A principal afirmativa do usuário vai no sentido de que ele é um
cidadão honesto, trabalhador, decente e contribui com os seus impostos
regularmente, situação que o isenta de qualquer outro tipo de contribuição a
qualquer outra pessoa ou entidade; O “flanela”, por sua vez, entende a rua como
um espaço “privado”, ou seja, “o seu espaço de atuação profissional”, onde tem o seu “ponto de trabalho” (ou local
de trabalho) que pode ser passado de pai para filho, pode ser trocado por um
outro local ou bem, ou mesmo pode ser objeto de compra e venda. As principais
afirmativas dos “flanelas” é de que “feio é roubar”, “estamos
trabalhando”, “dá dinheiro quem quer” e
que os usuários não são justos ao permanecerem o dia todo com o carro
estacionado na rua X e ao retornar não colaborarem com nenhuma retribuição ao
flanela. Discursam sobre a relação Custo X Benefício entre estacionamentos
pagos (ou regulares) e os estacionamentos realizados nas ruas, para defender que nos estacionamentos pagos
(ou regulares) é cobrado cinco reais para cada duas horas de permanência e no estacionamento realizado nas ruas o
“usuário” pode permanecer o dia todo e pagar um real, cinqüenta centavos de
real ou mesmo não retribuir com nenhuma importância, situação injusta segundo o
ponto de vista dos “flanelas”.
[16] Expressão que os “flanelas” entrevistados
usam para denominar a união estável com sua companheira que formou uma família
sem, entretanto realizar o casamento formal nos órgãos públicos oficiais e
religiosos.
[17] Geralmente, não gosta de ser
chamado de “flanela”, pois interpreta esta nomenclatura como pejorativa a sua
atuação profissional. Prefere (e assim se identifica) ser chamado de “guardador
de carros”.
[18] Sobre a questão do trabalho
informal ver OLIVEN, 1985 – A Antropologia dos Grupos Urbanos, páginas 26, 32-33.
[19] Observamos situações onde, por exemplo, o “flanela A ou B” desfila na rua com as chaves
de automóveis, que podem ser até automóveis de luxo, neste caso geralmente
importados, a fim de realizar atividades de limpeza externa e interna nestes
automóveis.
[20] Ouvimos relatos de um
flanela que afirmava fazer as suas refeições, eventualmente, no R. U. do Campus
Central da UFRGS e descrevia com pormenores a qualidade da comida ali servida,
tipos de temperos, características de preparo e cozimento dos alimentos entre
outras informações. Um outro “flanela” afirmou que toma cafezinho no andar X do
prédio anexo da reitoria onde conhece os funcionários que ali trabalham.
[21] A sua indumentária e
vestimenta é caracterizada por roupas simples, geralmente calças de brim,
camisetas de malha, chinelos de dedos ou tênis. Destaca-se na sua indumentária
a, já tradicional, “flanela” que traz na mão, usada especialmente na atividade
de lavagem dos automóveis, mas também utilizadas nas atividades de manobragem
dos veículos que saem e entram nas vagas dos estacionamentos. Ela é agitada
contentemente, sendo que a intensidade destes gestos, de um modo geral, estão
indicando os movimentos solicitados aos motoristas: avançar, parar, estacionar,
...
[22] Diz, por exemplo, que muitos
usuários permanecem o dia inteiro ocupando uma vaga na rua em que trabalham e
no retorno alguns destes usuários acabam não retribuindo com nenhuma
importância em dinheiro ou colaborando com apenas alguns centavos de real.
Sendo que se este mesmo usuário tivesse optado por um estacionamento pago, como
o da Santa Casa que fica nas imediações do quadrilátero pesquisado, pagaria por
apenas duas horas de estacionamento
valores próximos de R$ 5,00 (cinco reais), passando destas duas horas pagaria
acréscimos a cada mais uma hora.
[23] Relata também situações de
violência onde é a própria vítima, em especial as agressões físicas e morais
desferidas por policias militares que, em serviço ou não, passam a espancá-los,
muitas vezes sem motivo aparente. Afirma
que a sua intervenção nos locais de estacionamento onde atua proporcionam
segurança e conforto para os seus usuários, afirmando que nestes locais nunca
houveram roubos de veículos. Contudo usa de uma humildade peculiar para dizer
que reconhece as suas limitações humanas no âmbito do seu trabalho, portanto em
situações que envolvam assaltantes que atuem com uso de armas de fogo ou mesmo
em quadrilhas organizadas diz que a sua intervenção se resumiria a tentar
mobilizar a força policial para intervir, defendendo o patrimônio do seu
usuário.
[24] Oportunamente, pretendemos
retomar este estudo, a fim de ampliá-lo e relativizá-lo um pouco mais.
Portanto, obviamente que aqui poderíamos levantar outros aspectos, mas não o
faremos em função da brevidade desta investigação que ora concluímos.
[25] A leitura de TORRES-1996,
por exemplo, nos trouxe novas e importantes inspirações com suas idéias
expressadas nas frases: “(...) a cidade não é, mas está (eu complementaria está
sendo)” e “(...) a cidade pode ser lida como um texto”
[26] Este princípio teórico é
perfeitamente comprovado através dos dados empíricos levantados em campo,
através das entrevistas e conversas informais com os “flanelas”. Observamos os
momentos em que os nossos atores sociais ritualizavam, estetizavam e encenavam,
através de comportamentos, gestos e expressões verbais, estratégias de
afirmação da sua presença no local de trabalho, bem como de convencimento da
necessidade da sua permanência junto aos veículos para garantir a segurança dos
mesmos.
[27] Destacaríamos o caso do
Jornal Zero Hora, onde vimos a divulgação de um discurso nitidamente
tendencioso. Matéria publicada recentemente no referido jornal, confirma a
nossa análise a este respeito. Intitulada “Show dos Flanelinhas Incomoda a
População”, esta matéria demonstra, para os leitores mais atentos, a
parcialidade da abordagem e do discurso empregados no seu texto. Neste sentido,
partilhamos do pensamento externado por CAVALCANTI, 1994: “Essa visão, que
valora antes de compreender, sempre me provocou grande insatisfação”.
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