UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO
DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO
DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
Disciplina:
INDIVIDUALISMO, SOCIABILIDADE E MEMÓRIA
Professora:
CORNELIA ECKERT
Semestre 99/1
EXERCÍCIO DE AVALIAÇÃO 1
SALEM, Tânia. "A "despossessäo
subjetiva": dos paradoxos do individualismo. In: Revista Brasileira
Ciências Sociais n° 18, ano 7, fev. 1992.
Aluno:
JAQUES XAVIER JACOMINI
Introdução
A
proposta de Tânia Salem no artigo A “Despossessão Subjetiva”: dos paradoxos, do
individualismo é bastante interessante e adequada para realizarmos uma espécie
de fechamento das discussões que realizamos até agora na disciplina
“Individualismo, Sociabilidade e Memória”. Assim entendemos esta atividade de
avaliação e assim nos empenhamos na feitura deste pequeno ensaio.
Para
a construção deste ensaio, seguimos a seguinte orientação estrutural: Em um
primeiro momento – Despossessão Subjetiva ? – trazemos questões mais gerais
tomadas do artigo de Salem, como os seus objetivos e princípios norteadores,
inspirações e influências teóricas. Neste ponto destacamos ainda a divisão dos
blocos (ou momentos) que compõe o trabalho da autora.
Em
um segundo momento - Retomando autores e suas concepções – tentamos trazer para
este ensaio considerações sobre alguns
dos autores trabalhados por Salem. Dentre eles, elegemos Simmel para uma
retomada mais pausada. Sobre este último, realizamos inicialmente um apanhado
mais geral sobre a sua teoria e, posteriormente, uma explanação mais específica
sobre as suas concepções de indivíduo.
1. Despossessão
Subjetiva ?
Como
a própria autora coloca, o objetivo deste trabalho é “repensar o modo como
cientistas sociais vêm tematizando a categoria moderna de Pessoa,
consubstanciada na noção de indivíduo e, em especial, na de indivíduo
psicológico”. Este esforço analítico de Tânia Salem tem nome: “A Despossessão
subjetiva”. A premissa básica é a de que há uma instância no interior do
próprio sujeito que o constrange às expensas de sua vontade e consciência.
A
abordagem desenvolvida pela autora visa “depreender descontinuidades
significativas na representação do sujeito psicológico, relativamente à de seu
predecessor – o indivíduo jurídico”. Salem destaca ainda que o indivíduo
psicológico só adquire sentido e inteligibilidade em um universo
individualista.
O
Artigo, desenvolvido em dois blocos (além da apresentação): “Do ‘Individualismo
possessivo’ ao sujeito psicológico: inflexões e descontinuidades” e “Das
articulações entre a ‘despossessão subjetiva’ e a configuração individualista”,
chama para o debate diversos pensadores que trabalhamos em sala de aula dentre
os quais Dumont e Simmel aparecem em
relevo. Dentre aqueles que não abordamos e que a autora utiliza na sua análise,
destacaria a presença de Foucault que “ainda que não se referindo
explicitamente à destituição do sujeito sobre si mesmo, a tangência, e a
elucida parcialmente, ao invocar as conseqüências derivadas do fato de saber /
poder formarem a partir do século XIX um todo indissociável.”
Ao
citar Gauchet & Swain – A História da individualização é, de outro lado e
necessariamente, a história de uma despossessão ou de uma destituição subjetiva
– fica claro para nós a fonte (ou uma das fontes) de inspiração que Salem toma
para articular a construção deste texto, bem como o porque de defini-lo “A
Despossessão Subjetiva”.
Retomando Autores e suas Concepções
Salem
destaca que os primórdios da investigação sobre este tema estão calcados na
obra de Mauss, porém é Dumont que “é o autor contemporâneo que mais extensa e
sistematicamente se empenhou na relativização e na crítica contumaz da moderna
categoria de indivíduo”.
Tendo
como tese central a oposição entre individualismo e holismo, a contribuição de
Dumont, segundo a autora, revelou-se insuficiente para a apreensão da categoria
moderna de indivíduo. Diante desta situação, a recorrência as teses de Simmel,
Lasch, Sennett, Ariès, Foucault, entre outros é a alternativa capaz de “suprir
o ‘elo falante’ relativamente ao eixo analítico dumontiano.” Diante dos
pensadores “alternativos” que colaboram para a “despossessão subjetiva”,
destacados por Tânia Salem, elegemos Simmel para realizarmos um aprofundamento
maior sobre as suas concepções.
Para
Simmel, a sociedade existe onde vários indivíduos entram em interação. Esta
ação reciproca se produz sempre por determinados instintos ou para determinados
fins. Instintos eróticos, religiosos ou simplesmente sociais, fins de defesa ou
ataque, de jogo ou ganho, de ajuda ou instrução, estes e infinitos outros fazem com que o
homem se encontre num estado de convivência com outros homens, com ações a
favor deles, em conjunto com eles, contra eles, em correlação de circunstâncias
com eles. Essas interações significam que os indivíduos, nos quais se encontram
aqueles instintos e fins, fora por eles levados a unir-se, convertendo-se numa
unidade, numa "sociedade". Pois unidade em sentido empírico nada mais
é do que interação de elementos. O mundo não poderia ser chamado de uno, se
cada parte não influísse de algum modo sobre as demais, ou se em algum ponto se
interrompesse a reciprocidade das influências.
A
unidade ou sociaçäo pode ter diversos graus, segundo a espécie e a intimidade
que tenha a interação - desde a união efêmera para dar um passeio até a família
- desde as relações por prazo indeterminado até a pertinência a um mesmo Estado
- desde a convivência fugitiva num hotel até a união estreita de uma corporação
medieval. Simmel designa como conteúdo ou matéria da sociaçäo tudo quanto
exista nos indivíduos (portadores concretos e imediatos de toda a realidade
histórica) - como instinto, interesse, fim, inclinação, estado ou movimento
psíquico -, tudo enfim capaz de originar ação sobre outros ou a recepção de
suas influências.
Dito
de outra forma, podemos considerar conteúdos (materiais) versus formas de vida
social onde:
1°)
uma delas é que em qualquer sociedade humana pode-se fazer uma distinção entre
seu conteúdo e sua forma.
2°)
é que a própria sociedade em geral se refere à interação entre indivíduos. Essa
interação sempre surge com base em certos impulsos ou em função de certos
propósitos. Os instintos eróticos, os interesses objetivos, os impulsos
religiosos e propósitos de defesa ou ataque, de ganho ou jogo, de auxilio ou
instrução, e incontáveis outros, fazem com que o homem viva com outros homens,
aja por eles, com eles, contra eles, organizando desse modo, reciprocamente, as
suas condições - em resumo, para influenciar os outros e para ser influenciado
por eles. A importância dessas
interações esta no fato de obrigar os indivíduos, que possuem aqueles
instintos, interesses, etc.; a formarem uma unidade - precisamente, uma
"sociedade".
A
sociaçäo só começa a existir quando a coexistência isolada dos indivíduos adota
formas determinadas de cooperação e de colaboração, que caem sob o conceito
geral da interação. A sociaçäo é, assim, a forma realizada de diversas
maneiras, na qual os indivíduos constituem uma unidade dentro da qual se
realizam seus interesses. E é na base desses interesses - tangíveis ou ideais,
momentâneos ou duradouros, conscientes ou inconscientes, impulsionados
casualmente ou induzidos teleologicamente - que os indivíduos constituem tais
unidades.
Em
qualquer fenômeno social dado, conteúdo e forma sociais constituem uma
realidade unitária. Uma forma social desligada de todo conteúdo não pode ter
existência, do mesmo modo que a forma espacial não pode existir sem uma matéria
da qual seja forma. Tais são justamente os elementos, inseparáveis na realidade,
de cada ser e acontecer sociais: um interesse, um fim, um motivo e uma forma ou
maneira de interação entre os indivíduos, pelo qual ou em cuja figura aquele
conteúdo alcança realidade social. Portanto, temos nem só objetividade, nem só
subjetividade. Somente quando a vida desses conteúdos adquire a forma da
influência reciproca, só quando se produz a ação de uns sobre os outros -
imediatamente ou por intermédio de um terceiro - é que a nova coexistência
social, ou também a sucessão no tempo, dos homens, se converte numa sociedade.
Para
clarear um pouco mais a tese geral de
Simmel, destacamos a seguinte citação:
“Por
sociedade não entendo apenas o conjunto complexo dos indivíduos e dos grupos
unidos numa mesma comunidade política. Vejo uma sociedade em toda parte onde os
homens se encontram em reciprocidade de ação e constituem uma unidade
permanente ou passageira. Logo, em cada
uma dessas uniões produz-se um fenômeno que caracteriza, da mesma forma, a vida
individual; a cada instante, forças perturbadoras, externas ou não, opõem-se ao
agrupamento, e este, se for deixado a agir por sua própria conta, não tardarão
elas a dissolvê-lo, isto é, a transferir seus elementos para agrupamentos
estranhos. ... Nessa circunstância, temos a sociedade como uma unidade sui
generis, distinta de seus elementos individuais”.
No
que tange a questão específica da concepção de indivíduo em Simmel, podemos
afirmar que “indivíduo em Simmel afirma-se como um ser proprietário de si,
tanto perante a sociedade quanto de um ponto de vista subjetivo”.
O
indivíduo psicológico em Simmel fala de um sujeito fundado em uma autonomia
subjetiva radical capaz de erigir em torno de si um abrigo intimo que o protege
dos "outros".
Sobre
a concepção de indivíduo moderno, temos
Simmel em uma posição diferenciada de Dumont e Pacpherson, pois estes
apresentaram uma preocupação sobre o plano formal ou externo do indivíduo
(indivíduo jurídico), enquanto que Simmel debruçou-se de forma explícita sobre
o domínio mais propriamente interno do indivíduo (indivíduo psicológico).
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