quinta-feira, 27 de novembro de 2025

 



A Poética do Frio (ou a topologia do silêncio)


No frio,

a cidade diminui o passo

e o silêncio ganha corpo

é como 

se

o inverno

moldasse uma casa

I N V I S I V E L

onde 

o ritmo do mundo

finalmente cede,

e ali

na lentidão necessária,

a alma 

encontra o abrigo

I N T I M O

que só existe,

quanto 

tudo ao redor

se aquieta

e silencia.



Topologia do Silêncio


O frio instaura uma outra ordem do tempo.
Não é apenas temperatura —
é um convite à lentidão,
um apagamento das urgências
que a cidade insiste em impor.


Quando o frio chega,
o mundo urbano hesita.
As ruas desaceleram,
os ruídos se tornam mais raros,
como se cada som precisasse
pedir licença ao ar denso
para existir.


Há um silêncio que só o inverno compreende:
um silêncio que não é ausência,
mas presença compacta,
quase material,
como se o ar fosse feito de vidro
e qualquer palavra pudesse rachá-lo.


Nesse silêncio, o corpo reaprende o ritmo.
Os passos ficam mais curtos,
os dias mais contidos,
o pensamento se recolhe
como quem busca um abrigo primordial.


A vida urbana tenta resistir —
acende luzes, acelera máquinas,
produz barulhos artificiais
para fingir que o frio não pensa.
Mas ele pensa.
E pensa devagar.
E nos obriga a pensar devagar também.


No sul, o frio cria uma pedagogia da quietude.
Ele nos devolve à nossa própria interioridade,
mostra que existe outra forma de existir
além da pressa endurecida das metrópoles.
Sob o vento cortante,
o mais íntimo se torna visível:
a necessidade de recolhimento,
de pausa,
de escuta.


Escuta de quê?
Do nada —
mas um nada cheio de forma,
cheio de densidade,
cheio desse silêncio que o inverno molda
como uma matéria discreta e sagrada.


E é nessa suspensão do ritmo
que descobrimos uma verdade antiga:
somente quando o mundo esfria
é que nossa alma pode aquecer
pela delicadeza de existir mais devagar.


Z. B.

Nenhum comentário: