segunda-feira, 21 de março de 2016

Mauricio

I - O Silêncio


Silêncio e discrição! - Exclama Carlyle - Deveriam erguer-se-lhes altares de adoração universal (se em nossos tempos inda se erguessem altares).
É no silêncio que se formam as grandes coisas, para que elas surjam, em fim, perfeitas e majestosas, a luz da vida que vão dominar.
Não unicamente Guilherme, o Taciturno, mas todos os homens eminentes, e destes até os menos diplomáticos e menos estratégicos, se abstiveram sempre de alardear o que projetavam e o que produziam. E tu mesmo, nas tuas pequeninas perplexidades, vê se podes prender a tua língua durante um dia; no dia imediato, como serão mais claros os teus projetos e os teus deveres! Quantos destroços e quanto lixo não terão varrido em ti mesmo aqueles mudos operários, enquanto lá não penetravam os inúteis ruídos de fora.
A palavra é muitíssimas vezes, não, como dizia o outro, a arte de esconder o pensamento, mas a arte de abafar e suspender o pensamento, por forma que dele nada fique para se ocultar. A palavra é grande, não há dúvida, mas não é o que há de maior. Conforme a inscrição suíça, Sprechen ist Silbern, Schweigen ist Golden, a palavra é de prata e o silencio é de ouro, ou como melhor se diria, a palavra é tempo, o silencio é a eternidade.
- “As abelhas só trabalham as escuras, o pensamento só trabalha em silêncio e a virtude em segredo ...” –
Não se suponha que a palavra nunca serve para as verdadeiras comunicações entre os seres. Os lábios ou a língua podem representar a alma, da mesma forma que um algarismo, ou um número de ordem, representa uma pintura de Memlinck, por exemplo; mas, desde que nós temos realmente de dizer algumas coisas a nós próprios, somos obrigados a calar-nos; e se, em tais momentos, resistimos as ordens invisíveis e imperiosas do silêncio, sofremos uma perda eterna, que não poderá ser reparada pelos maiores tesoiros do saber humano, porque termos perdido a ocasião de escutar outra alma e de dar a nossa um instante de existência; e muitas vidas há, em que tais ocasiões se não apresentam duas vezes...
Nós não falamos, senão nas horas em que não vivemos, nos momentos em que não queremos observar nossos irmãos e em que nos sentimos a grande distância da realidade. E, desde que falamos, qualquer coisa nos insinua que nalguma parte se cerram divinas portas. Nunca nos demasiamos no silêncio, e os mais imprudentes de entre nós não se calam ao primeiro que apareça.
 O instincto, que todos nós possuímos, das verdades sobreümanas, indica-nos que é perigoso calar-se a gente com alguém que se não deseja conhecer ou que se não estima; pois que, entre os homens, as palavras passam, e o silêncio , se por um momento teve ensejo de ser activo, nunca se desvanece; e a verdadeira vida, a única de que ficam alguns vestígios, é feita apenas de silêncio. Recorrei agora a vossa memória, num silêncio, que por si mesmo se explica; e, se já vos foi dado descer por um instante, na vossa alma, até as profundezas habitadas por anjos, aquilo de que, numa criatura profundamente amada, primeiro vos lembrais, não são as palavras que ela vos disse, ou os gestos que ela voz fez, mas os silêncios que com ela vivestes, pois somente a qualidade desses silêncios é que revelou a qualidade do vosso amor e das vossas almas.
Não me refiro aqui senão ao silêncio activo, pois há silêncio passivo, que é apenas o reflexo do sono, da morte ou da não existência. É o silêncio que dorme, e, em-quanto dorme, é menos para recear do que a palavra; mas pode despertá-lo uma circustância inesperada, e, nesse caso, é o seu irmão, o grande silencio activo, que entroniza. Tomai cuidado. São duas almas que se aproximam; cedem as paredes, rompem-se diques, e a vida ordinária vai dar campo a uma vida, em que tudo se torna grave, em que não há defesa, em que mais nada ousa rir, em que mais nada obedece, em que mais nada se olvida ...
 (...)
Continua página 10

*Maurice Polydore Marie Bernard Maeterlinck (Gante, 29 de agosto de 1862  Nice, 5 de maio de 1949) foi um dramaturgo, poeta ensaísta belga de língua francesa, e principal expoente do teatro simbolista.

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