As Novas Tecnologias da Inteligência na Era
das Telecomunicações e da Informática,
Delineando as Inovações do Conhecimento Por Simulação
Neste Final de Século.
“ Novas maneiras de pensar e
conviver estão sendo elaboradas no mundo das telecomunicações e da informática.
As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na
verdade, da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os
tipos. Escrita, leitura, visão, audição, criação, aprendizagem são capturados
por uma informática cada vez mais avançada. Não se pode mais conceber a
pesquisa científica sem uma aparelhagem complexa que distribui as antigas
divisões entre experiência e teoria. Emerge, neste final de século XX, um
conhecimento por simulação que os epistemologistas ainda não inventariam.” [1]
Esta afirmação de Pierre
Lévy abre a análise que ele realiza em “As tecnologias da Inteligência - O
Futuro do Pensamento na Era da Informática” sobre o que tem chamado de um novo
tipo de conhecimento por simulação, característico deste final de século. Por
entender que a proposta de se trabalhar com Bancos de Dados e Banco de Imagens
Informaticionalizados [2], inserida no estudo
antropológico aqui mencionado, suscita um debate sobre as novas concepções do
universo da construção do conhecimento, dedico esta última parte do artigo ao
ensaio de algumas reflexões sobre este tema.
A simulação realizada a
partir de recursos tecnológicos avançados, em especial os informáticos e os
microeletrônicos, como laboratório para experimentos diversos, está presente
em, praticamente, todas as ciências contemporâneas e também nas sociedades
pós-modernas como um todo.
Para referir dois exemplos,
dentre os inúmeros existentes, destacaria, a nível cientifico, os experimentos
da Agência Espacial Norte-Americana (NASA) dentro do projeto de exploração do
planeta Marte, realizado recentemente [3]. Para um exemplo ao nível
das sociedades não científicas, trabalharei com um caso típico da indústria do
lazer pós-moderno, o “Tamagotchi” [4].
A agencia espacial mais
desenvolvida do mundo (tecnologicamente),
NASA, vem realizando grandes esforços científicos no sentido de explorar
o desconhecido ambiente planetário extraterrestre. Desta vez o alvo dos estudos
da NASA é o planeta Marte, mais especificamente o local denominado de Ares
Vallis, e o objetivo central é conhecer a sua geologia e o seu clima. Para
operacionalizar este projeto, foi enviado ao planeta vermelho uma sonda
interespacial, Mars Pathfinder, e um
robô, Sojourner, para realizar a tarefa de recolher amostras do ambiente
geológico e climático e gerar imagens do planeta Marte para que os estudos
deste material fossem realizados posteriormente na terra. Segundo a subdiretora
científica desta missão espacial, Kathleen Spellman, todo os movimentos
realizados em Marte pela sonda espacial e pelo robô foram testados
milimetricamente e simulados incansavelmente
de uma maneira prévia nos
laboratórios da NASA, a fim de testar as manobras, trajetórias e
procedimentos técnicos adotados na missão. A necessidade desta simulação é
definida como um procedimento científico necessário em uma missão de tamanha
envergadura, pois esta em jogo vários milhões de dólares, onde nada pode dar
errado.
A indústria do lazer, juntamente com a dos
serviços e da informação, é o setor industrial que mais cresce no mundo,
antagonicamente ao que se observou em outros momentos da história onde setores
como a indústria siderúrgica e metalúrgica eram os setores mais fortes
economicamente. Surgiram então uma infinidade de jogos e atividades de
entretenimento eletrônicos e informáticos como os videogames de última geração,
simuladores, CD’s com jogos interativos, etc. Dentre estes brinquedo
pós-modernos, destaco o “Tamagotchi” [5], pois em torno dele surgiu,
recentemente, uma polêmica pedagógica entre alguns educadores gaúchos da cidade
de Porto Alegre.
Este novo brinquedo
eletrônico, chamado de mascote virtual, causou desconforto e irritação para
alguns pais e professores que passaram a não permitir o seu ingresso e adoção
em seus lares e escolas. As afirmações dos professores vão no sentido de que o
brinquedo perturba, incomoda e desestabiliza o ambiente da sala de aula,
portanto ele não deve ser inserido nas atividades do processo de ensino e
aprendizagem. “Esse bichinho estava ficando inconveniente” afirma o
vice-diretor do Colégio Farroupilha de Porto Alegre, Alvino Brauner, em
entrevista ao Jornal Zero Hora [6]. Já os pais estão
preocupados com o que alguns chamam de transferência de afetividade imposta
pelo bichinho 24 horas, mas, demonstrando maior flexibilidade que os professores, dizem não ter coragem de
deletar a nova mania e decretar o extermínio do novo membro da casa.
A professora e pesquisadora
Léa Fagundes, [7] estudiosa dos processos
cognitivos, vai discordar destes professores que proibiram a entrada do
Tamagotchi em salas de aula. Afirmando que só os professores tradicionais
tomariam tal atitude, ela ressalta:
“Até agora, a tecnologia vinha
servindo a uma extensão dos poderes mecânicos do homem, pôr exemplo, de seus
barcos (Máquinas de lavar roupas), de seus olhos (um telescópio) etc. Mas com a
tecnologia da informática temos a expansão da inteligência. Isso amedronta
aqueles que tem de ensinar as novas gerações. Pôr que não usar o bichinho
virtual para enriquecer o ambiente da aprendizagem ? Os alunos podem observar e fazer registros de
diferentes comportamentos (atenção concentrada e uso da palavra escrita),
observar comportamentos de outros seres (como insetos, peixes, minhocas,
mamíferos de pequeno porte), estudar suas reações e compará-las, tratar desses
seres, descobrir quem são, como vivem, que necessidades tem, como satisfazê-las
(...) ” [8]
Dentro desta discussão das
novas formas de se construir o conhecimento, existem dois grupos de pensadores
que representam duas posições radicalmente opostas sobre o tema. Existem alguns
que apontam para a idéia de que a construção
do conhecimento não mudou (e não
mudará) assim tão drasticamente, uma vez
que uma trajetória de 4.000 anos de cultura escrita não será abalada por pouco
mais de 4 décadas de cultura digital (Cattelan, 1997). Existe um outro grupo
que vai afirmar o que conta é a imagem (Costa, 1994), ou seja, essa concepção
teoriza que o homem sempre conceituou através da imagem e não de dígitos ou
textos. Entendem que uma imagem pode também conter significados próprios do
contexto ou indicar intenções, expressões e encenações subjetivas para as quais
seriam necessários longos textos, existem também aspectos socio-culturais
impossíveis de serem representados por texto ou de forma binária, além dos
aspectos individuais de conceitos, pré-conceito e nível educacional. Não
militarei em defesa de nenhuma delas, apenas destacaria a minha disposição de
entender este debate como a afirmação da necessidade de começarmos a pensar
sobre uma “Ecologia Cognitiva” (Lévy, 1996).
Mapeado todo este contexto,
das concepções da modernidade e da pós-modernidade, da abordagem sobre a vida
nas cidades e a construção de novas formas de sociabilidades contemporâneas e
das novas tecnologias da inteligência na era das telecomunicações e da
informática, me parece que a proposta desta investigação antropológica colocada
em prática pelo projeto de pesquisa do qual faço parte, enfatiza estas novas
concepções a cerca da construção do conhecimento, propondo estudá-las e
etnografá-las. Destacaria ainda a proposta de estudar as formas de se
apropriar, de interagir, de armazenar e recuperar um imenso universo documental
que não para de crescer e influir a vida urbana contemporânea, como ponto de
partida para as pesquisas que realizei a fim de construir um arranjo documental
do Banco de Dados e do Banco de Imagens da Cidade de Porto Alegre.
CONCLUSÃO
“Muitas vezes, se não existe uma
tecnologia, começam a surgir certas idéias. Por exemplo, se Thomas Edson não
tivesse inventado a lâmpada elétrica, as empresas provavelmente nem poderiam
pensar em trabalho noturno.” [9]
“O Maior ‘gargalo’ na operação da
maioria dos negócios está no manuseio de papéis (...) Toddies contêm
Informações que precisam ser extensivamente processadas manualmente.” [10]
A documentação é uma
atividade que o homem executa a muito tempo? Se considerarmos a “Classificação Filosófica de
Aristóteles” [11] como um marco referencial
para inferirmos este tempo, estaremos nos reportando aos anos de 340 a 330 a . C.
Alguns autores sinalizam antagonicamente, defendendo que a documentação
é uma técnica de nossos dias e sua
aparição é tão recente que o próprio nome é discutido, já que nem todos o
aceitam (LA VEJA, Lasso de.).
Segundo os meus estudos, a
palavra “Documentação” começou a ser empregada desde quando o Instituto
Internacional de Bibliografia a propôs em lugar de “Bibliografia”, devido ao
aparecimento de documentos que não são livros: fotocopiados, microfilmados,
microfichados, xerocados, compilados por computador, registrados e arquivados
por meios mecânicos, elétricos e eletrônicos de seleção, reprodução e
transmissão.
Abordando duas questões
neste contexto da documentação, arquivamento e tratamento de informações,
finalizo as elaborações que compõe este trabalho. A primeira é articulada com
um sociólogo, Mills, e a segunda com um antropólogo, Lévy.
A minha leitura do apêndice
do livro “A Imaginação Sociológica”[12] de Wright Mills - Do
Artesanato Intelectual - veio a subsidiar teoricamente e reafirmar uma
tendência pessoal pelo trabalho com documentos (em especial Jornais, Livros e
Revistas), visando a sua organização, armazenamento e recuperação, que já
existia anteriormente a minha inserção neste projeto de pesquisa aqui
mencionado. A informática dinamizou este projeto pessoal de, enquanto cientista
social, manter o meu acervo particular em condições adequadas de trabalho (no
que concerne a sua conservação, organização, catalogação, indexação e
recuperação) e a minha inserção neste estudo antropológico veio a alimentar e
profissionalizar este trabalho que agora acontece de forma mais elaborada,
sistematizada e instrumentalizada (tanto no meu acervo pessoal como no Banco de
Dados e Banco de Imagens da Cidade de Porto Alegre, acervados no Núcleo de
Pesquisa Sobre Culturas Contemporâneas, NUPECs e no Núcleo de Antropologia
Visual, NAVISUAL).
A metáfora utilizada por
Mills é muito interessante, pois estou convencido de que o cientista social,
seja ele sociólogo, cientista político ou antropólogo, é realmente um artesão
intelectual [13]. No nosso caso, trabalhando
com base de dados informatizados e imagens digitalizadas, estes procedimentos
precisam ser adaptados e rearranjados para o
contexto atual de intervenção científica com o qual trabalhamos. Mesmo
assim, acredito que os princípios teóricos básicos demonstrados nesta obra
deveriam ser de conhecimento de todos aqueles cientistas sociais que ainda não
foram motivados para empenhar esta reengenharia intelectual.
O Tratamento da informação
pela informática trouxe um novo cenário para a documentação neste final de
século, o groupware. “O groupware talvez tenha inaugurado uma nova geometria da
comunicação” (Lévy. 1996, p.67), pois o debate se dirige para a construção
progressiva de uma rede de argumentação e documentação que está sempre presente
aos olhos da comunidade virtual, podendo ser manipulada a qualquer momento por
qualquer internauta. Nestes casos, temos
os hipertextos [14] rolando da tela dos
microcomputadores que auxiliam a
inteligência cooperativa, garantindo o desdobramento da rede de questões, posições e argumentos, ao invés de valorizar
os discursos das pessoas tomados como um todo. Ou seja, a representação hipertextual
faz romper a estrutura das argumentações e contra-argumentações e assim,
segundo o meu entendimento, no espaço virtual das redes eletrônicas, inicia-se
o sepultamento da dialética tradicional
na forma como a concebemos hoje.[15]
Chamo a “Tecnodemocracia” de
Lévy a participar do encerramento deste artigo, pois entendo que “a técnica em
geral não é nem boa, nem má, nem neutra, nem necessária, nem invencível. É uma
dimensão, recortada pela mente, de um devir coletivo heterogêneo e complexo na
cidade do mundo.” [16] O conhecimento deste
pressuposto é a chave de ingresso neste novo contexto social, o
tecnodemocrático que análogo a própria técnica, também não é nem bom, nem ruim,
melhor ou pior do que a sociodemocracia, pilar da reordenação do edifico das
memórias coletivas (JEUDY, 1995) que funda a tecnodemocracia.[17]
[1] LÉVY-
Pierre. (1996, p. 7)
[2] Para o
entendimento completo da proposta de se trabalhar com Banco de Dados e de
Imagens Interativos em pesquisa antropológica sobre as feições de medo e crise
na cidade de Porto Alegre, ver projetos de pesquisa desenvolvidos pelos
pesquisadores já referidos, com financiamento do CNPq. Resumo informativo sobre
este trabalho podem ser acompanhados nas apresentações orais dos bolsistas
deste projeto no Salão de Iniciação Científica 97, bem como através da
visualização do cartaz ilustrativo afixado no espaço de exposições do referido
evento.
[3]
Informação trabalhada a partir de reportagem do Jornal “Zero Hora” de 27/07/97.
[4]
Informação trabalhada a partir de reportagem do Jornal “Zero Hora” de 17/08/97.
[5]
Brinquedo eletrônico inventado por engenheiros japoneses. Quando comprado, o Tamagotchi é um ovo. Assim
que o brinquedo é acionado, começa a
crescer lentamente. Cada dia corresponde a um ano de vida do “bichinho”.
Para satisfazer as suas necessidades, basta combinar três botões. O da esquerda
seleciona qual a função será aplicada (alimentar, remédio, etc.), o do meio
ativa esta função e o da direita retorna ao menu principal. Para crescer com
saúde, o “animalzinho eletrônico” deve ser limpo e alimentado, tomar remédios,
brincar, ser disciplinado e, para que ele durma, as luzes devem ser apagadas.
Os Tamagotchi com maior longevidade chegam a “viver” cerca de um mês, mas o
período de vida varia conforme os cuidados que ele recebe. Maltratado, morre em
poucos dias. Um botão atrás do aparelho reinicia o ciclo de vida do
“bichinho”. Tamago é ovo em japonês. “Tchi”
é um sufixo informal, uma gíria para identificar o diminutivo. Tamagotchi,
se traduzido seria “ovo pequeno”.
[6] Declaração
à reportagem do Jornal já referido.
[7] Formada
em Pedagogia e em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul;
Doutora pela Universidade de São Paulo (USP); Diretora Científica do
Laboratório de Estudos Cognitivos do Instituto de Psicologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
[8]
FAGUNDES, Léa. A Escola é Reacionária. In. GONZATTO, Marcelo e STEFANELLI,
Ricardo. O Mascote Virtual Tirou os Pais do Sério. Jornal Zero Hora de agosto
de 1997. Pag. 36-38
[9] WOLK,
Sue. (1994, p.1)
[10] SILVA,
Antonio Paulo de Andrade e. Vantagens e Benefícios dos Discos Ópticos. In.
AVEDON, Don M. Discos Ópticos e Imagens Eletrônicas - Conceitos e Tecnologias.
1.
[11]
[12] A
menção a obra de Mills não é motivada por uma filiação a teoria sociológica
desenvolvida por este autor, mas a sua singular riqueza de elaborações no campo
da documentação pessoal.
[13] Os
procedimentos ensinados por Mills para a organização e utilização do arquivo
pessoal são muito interessantes e deveriam ser conhecidos por todo o cientista
social empenhado em desenvolver um trabalho rigorosamente científico.
[14] Para
definição de Hipertexto ver Pierre Lévy. As Tecnologias da Inteligência.
[15]
Considerações interessantes a este respeito encontramos em : LOUREIROS. Marcos
Dantas. Terá Marx Algo a Dizer Sobre a Informatização da Sociedade ?
[16] Lévy.
1996, p. 194
[17] Esta
discussão que tento resumir em poucas linhas é altamente densa e complexa,
portanto sobre ela seria necessário não só uma pequena reflexão, como a aqui
empenhada, mas várias elucubrações que
originariam inúmeros escritos.
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