quinta-feira, 28 de abril de 2016

As novas tecnologias

As Novas Tecnologias da Inteligência na Era das Telecomunicações e da Informática,  Delineando  as  Inovações do Conhecimento Por  Simulação  Neste  Final de Século.

“ Novas maneiras de pensar e conviver estão sendo elaboradas no mundo das telecomunicações e da informática. As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na verdade, da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos. Escrita, leitura, visão, audição, criação, aprendizagem são capturados por uma informática cada vez mais avançada. Não se pode mais conceber a pesquisa científica sem uma aparelhagem complexa que distribui as antigas divisões entre experiência e teoria. Emerge, neste final de século XX, um conhecimento por simulação que os epistemologistas ainda não inventariam.” [1]

Esta afirmação de Pierre Lévy abre a análise que ele realiza em “As tecnologias da Inteligência - O Futuro do Pensamento na Era da Informática” sobre o que tem chamado de um novo tipo de conhecimento por simulação, característico deste final de século. Por entender que a proposta de se trabalhar com Bancos de Dados e Banco de Imagens Informaticionalizados [2], inserida no estudo antropológico aqui mencionado, suscita um debate sobre as novas concepções do universo da construção do conhecimento, dedico esta última parte do artigo ao ensaio de algumas reflexões sobre este tema.
A simulação realizada a partir de recursos tecnológicos avançados, em especial os informáticos e os microeletrônicos, como laboratório para experimentos diversos, está presente em, praticamente, todas as ciências contemporâneas e também nas sociedades pós-modernas como um todo.
Para referir dois exemplos, dentre os inúmeros existentes, destacaria, a nível cientifico, os experimentos da Agência Espacial Norte-Americana (NASA) dentro do projeto de exploração do planeta Marte, realizado recentemente [3]. Para um exemplo ao nível das sociedades não científicas, trabalharei com um caso típico da indústria do lazer pós-moderno, o “Tamagotchi” [4].
A agencia espacial mais desenvolvida do mundo (tecnologicamente),  NASA, vem realizando grandes esforços científicos no sentido de explorar o desconhecido ambiente planetário extraterrestre. Desta vez o alvo dos estudos da NASA é o planeta Marte, mais especificamente o local denominado de Ares Vallis, e o objetivo central é conhecer a sua geologia e o seu clima. Para operacionalizar este projeto, foi enviado ao planeta vermelho uma sonda interespacial, Mars  Pathfinder, e um robô, Sojourner, para realizar a tarefa de recolher amostras do ambiente geológico e climático e gerar imagens do planeta Marte para que os estudos deste material fossem realizados posteriormente na terra. Segundo a subdiretora científica desta missão espacial, Kathleen Spellman, todo os movimentos realizados em Marte pela sonda espacial e pelo robô foram testados milimetricamente e simulados incansavelmente  de uma maneira prévia nos  laboratórios da NASA, a fim de testar as manobras, trajetórias e procedimentos técnicos adotados na missão. A necessidade desta simulação é definida como um procedimento científico necessário em uma missão de tamanha envergadura, pois esta em jogo vários milhões de dólares, onde nada pode dar errado.
 A indústria do lazer, juntamente com a dos serviços e da informação, é o setor industrial que mais cresce no mundo, antagonicamente ao que se observou em outros momentos da história onde setores como a indústria siderúrgica e metalúrgica eram os setores mais fortes economicamente. Surgiram então uma infinidade de jogos e atividades de entretenimento eletrônicos e informáticos como os videogames de última geração, simuladores, CD’s com jogos interativos, etc. Dentre estes brinquedo pós-modernos, destaco o “Tamagotchi” [5], pois em torno dele surgiu, recentemente, uma polêmica pedagógica entre alguns educadores gaúchos da cidade de Porto Alegre.
Este novo brinquedo eletrônico, chamado de mascote virtual, causou desconforto e irritação para alguns pais e professores que passaram a não permitir o seu ingresso e adoção em seus lares e escolas. As afirmações dos professores vão no sentido de que o brinquedo perturba, incomoda e desestabiliza o ambiente da sala de aula, portanto ele não deve ser inserido nas atividades do processo de ensino e aprendizagem. “Esse bichinho estava ficando inconveniente” afirma o vice-diretor do Colégio Farroupilha de Porto Alegre, Alvino Brauner, em entrevista ao Jornal Zero Hora [6]. Já os pais estão preocupados com o que alguns chamam de transferência de afetividade imposta pelo bichinho 24 horas, mas, demonstrando maior flexibilidade  que os professores, dizem não ter coragem de deletar a nova mania e decretar o extermínio do novo membro da casa.
A professora e pesquisadora Léa Fagundes, [7] estudiosa dos processos cognitivos, vai discordar destes professores que proibiram a entrada do Tamagotchi em salas de aula. Afirmando que só os professores tradicionais tomariam tal atitude, ela ressalta:

“Até agora, a tecnologia vinha servindo a uma extensão dos poderes mecânicos do homem, pôr exemplo, de seus barcos (Máquinas de lavar roupas), de seus olhos (um telescópio) etc. Mas com a tecnologia da informática temos a expansão da inteligência. Isso amedronta aqueles que tem de ensinar as novas gerações. Pôr que não usar o bichinho virtual para enriquecer o ambiente da aprendizagem ?  Os alunos podem observar e fazer registros de diferentes comportamentos (atenção concentrada e uso da palavra escrita), observar comportamentos de outros seres (como insetos, peixes, minhocas, mamíferos de pequeno porte), estudar suas reações e compará-las, tratar desses seres, descobrir quem são, como vivem, que necessidades tem, como satisfazê-las (...) ” [8]

Dentro desta discussão das novas formas de se construir o conhecimento, existem dois grupos de pensadores que representam duas posições radicalmente opostas sobre o tema. Existem alguns que apontam para a idéia de que a construção  do conhecimento não  mudou (e não mudará)  assim tão drasticamente, uma vez que uma trajetória de 4.000 anos de cultura escrita não será abalada por pouco mais de 4 décadas de cultura digital (Cattelan, 1997). Existe um outro grupo que vai afirmar o que conta é a imagem (Costa, 1994), ou seja, essa concepção teoriza que o homem sempre conceituou através da imagem e não de dígitos ou textos. Entendem que uma imagem pode também conter significados próprios do contexto ou indicar intenções, expressões e encenações subjetivas para as quais seriam necessários longos textos, existem também aspectos socio-culturais impossíveis de serem representados por texto ou de forma binária, além dos aspectos individuais de conceitos, pré-conceito e nível educacional. Não militarei em defesa de nenhuma delas, apenas destacaria a minha disposição de entender este debate como a afirmação da necessidade de começarmos a pensar sobre uma “Ecologia Cognitiva” (Lévy, 1996).
Mapeado todo este contexto, das concepções da modernidade e da pós-modernidade, da abordagem sobre a vida nas cidades e a construção de novas formas de sociabilidades contemporâneas e das novas tecnologias da inteligência na era das telecomunicações e da informática, me parece que a proposta desta investigação antropológica colocada em prática pelo projeto de pesquisa do qual faço parte, enfatiza estas novas concepções a cerca da construção do conhecimento, propondo estudá-las e etnografá-las. Destacaria ainda a proposta de estudar as formas de se apropriar, de interagir, de armazenar e recuperar um imenso universo documental que não para de crescer e influir a vida urbana contemporânea, como ponto de partida para as pesquisas que realizei a fim de construir um arranjo documental do Banco de Dados e do Banco de Imagens da Cidade de Porto Alegre.      















CONCLUSÃO


“Muitas vezes, se não existe uma tecnologia, começam a surgir certas idéias. Por exemplo, se Thomas Edson não tivesse inventado a lâmpada elétrica, as empresas provavelmente nem poderiam pensar em trabalho noturno.” [9]

“O Maior ‘gargalo’ na operação da maioria dos negócios está no manuseio de papéis (...) Toddies contêm Informações que precisam ser extensivamente processadas manualmente.” [10]

A documentação é uma atividade que o homem executa a muito tempo? Se   considerarmos a “Classificação Filosófica de Aristóteles” [11] como um marco referencial para inferirmos este tempo, estaremos nos reportando aos anos de 340 a 330  a . C.  Alguns autores sinalizam antagonicamente, defendendo que a documentação é uma técnica de nossos dias  e sua aparição é tão recente que o próprio nome é discutido, já que nem todos o aceitam (LA VEJA, Lasso de.).
Segundo os meus estudos, a palavra “Documentação” começou a ser empregada desde quando o Instituto Internacional de Bibliografia a propôs em lugar de “Bibliografia”, devido ao aparecimento de documentos que não são livros: fotocopiados, microfilmados, microfichados, xerocados, compilados por computador, registrados e arquivados por meios mecânicos, elétricos e eletrônicos de seleção, reprodução e transmissão.
Abordando duas questões neste contexto da documentação, arquivamento e tratamento de informações, finalizo as elaborações que compõe este trabalho. A primeira é articulada com um sociólogo, Mills, e a segunda com um antropólogo, Lévy.
A minha leitura do apêndice do livro “A Imaginação Sociológica”[12] de Wright Mills - Do Artesanato Intelectual - veio a subsidiar teoricamente e reafirmar uma tendência pessoal pelo trabalho com documentos (em especial Jornais, Livros e Revistas), visando a sua organização, armazenamento e recuperação, que já existia anteriormente a minha inserção neste projeto de pesquisa aqui mencionado. A informática dinamizou este projeto pessoal de, enquanto cientista social, manter o meu acervo particular em condições adequadas de trabalho (no que concerne a sua conservação, organização, catalogação, indexação e recuperação) e a minha inserção neste estudo antropológico veio a alimentar e profissionalizar este trabalho que agora acontece de forma mais elaborada, sistematizada e instrumentalizada (tanto no meu acervo pessoal como no Banco de Dados e Banco de Imagens da Cidade de Porto Alegre, acervados no Núcleo de Pesquisa Sobre Culturas Contemporâneas, NUPECs e no Núcleo de Antropologia Visual, NAVISUAL).
A metáfora utilizada por Mills é muito interessante, pois estou convencido de que o cientista social, seja ele sociólogo, cientista político ou antropólogo, é realmente um artesão intelectual [13]. No nosso caso, trabalhando com base de dados informatizados e imagens digitalizadas, estes procedimentos precisam ser adaptados e rearranjados para o  contexto atual de intervenção científica com o qual trabalhamos. Mesmo assim, acredito que os princípios teóricos básicos demonstrados nesta obra deveriam ser de conhecimento de todos aqueles cientistas sociais que ainda não foram motivados para empenhar esta reengenharia intelectual. 
O Tratamento da informação pela informática trouxe um novo cenário para a documentação neste final de século, o groupware. “O groupware talvez tenha inaugurado uma nova geometria da comunicação” (Lévy. 1996, p.67), pois o debate se dirige para a construção progressiva de uma rede de argumentação e documentação que está sempre presente aos olhos da comunidade virtual, podendo ser manipulada a qualquer momento por qualquer internauta.  Nestes casos, temos os hipertextos [14] rolando da tela dos microcomputadores que  auxiliam a inteligência cooperativa, garantindo o desdobramento da rede de questões,  posições e argumentos, ao invés de valorizar os discursos das pessoas tomados como um todo. Ou seja, a representação hipertextual faz romper a estrutura das argumentações e contra-argumentações e assim, segundo o meu entendimento, no espaço virtual das redes eletrônicas, inicia-se o sepultamento da dialética tradicional  na forma como a concebemos hoje.[15]
Chamo a “Tecnodemocracia” de Lévy a participar do encerramento deste artigo, pois entendo que “a técnica em geral não é nem boa, nem má, nem neutra, nem necessária, nem invencível. É uma dimensão, recortada pela mente, de um devir coletivo heterogêneo e complexo na cidade do mundo.” [16] O conhecimento deste pressuposto é a chave de ingresso neste novo contexto social, o tecnodemocrático que análogo a própria técnica, também não é nem bom, nem ruim, melhor ou pior do que a sociodemocracia, pilar da reordenação do edifico das memórias coletivas (JEUDY, 1995) que funda a tecnodemocracia.[17]





[1] LÉVY- Pierre. (1996, p. 7)
[2] Para o entendimento completo da proposta de se trabalhar com Banco de Dados e de Imagens Interativos em pesquisa antropológica sobre as feições de medo e crise na cidade de Porto Alegre, ver projetos de pesquisa desenvolvidos pelos pesquisadores já referidos, com financiamento do CNPq. Resumo informativo sobre este trabalho podem ser acompanhados nas apresentações orais dos bolsistas deste projeto no Salão de Iniciação Científica 97, bem como através da visualização do cartaz ilustrativo afixado no espaço de exposições do referido evento.
[3] Informação trabalhada a partir de reportagem do Jornal “Zero Hora”  de 27/07/97.
[4] Informação trabalhada a partir de reportagem do Jornal “Zero Hora”  de 17/08/97.
[5] Brinquedo eletrônico inventado por engenheiros japoneses.  Quando comprado, o Tamagotchi é um ovo. Assim que o brinquedo é acionado, começa a  crescer lentamente. Cada dia corresponde a um ano de vida do “bichinho”. Para satisfazer as suas necessidades, basta combinar três botões. O da esquerda seleciona qual a função será aplicada (alimentar, remédio, etc.), o do meio ativa esta função e o da direita retorna ao menu principal. Para crescer com saúde, o “animalzinho eletrônico” deve ser limpo e alimentado, tomar remédios, brincar, ser disciplinado e, para que ele durma, as luzes devem ser apagadas. Os Tamagotchi com maior longevidade chegam a “viver” cerca de um mês, mas o período de vida varia conforme os cuidados que ele recebe. Maltratado, morre em poucos dias. Um botão atrás do aparelho reinicia o ciclo de vida do “bichinho”.  Tamago é ovo em japonês. “Tchi” é um sufixo informal, uma gíria para identificar o diminutivo. Tamagotchi, se traduzido seria “ovo pequeno”.
[6] Declaração à reportagem do Jornal já referido.
[7] Formada em Pedagogia e em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Doutora pela Universidade de São Paulo (USP); Diretora Científica do Laboratório de Estudos Cognitivos do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
[8] FAGUNDES, Léa. A Escola é Reacionária. In. GONZATTO, Marcelo e STEFANELLI, Ricardo. O Mascote Virtual Tirou os Pais do Sério. Jornal Zero Hora de agosto de 1997. Pag. 36-38
[9] WOLK, Sue. (1994, p.1)
[10] SILVA, Antonio Paulo de Andrade e. Vantagens e Benefícios dos Discos Ópticos. In. AVEDON, Don M. Discos Ópticos e Imagens Eletrônicas - Conceitos e Tecnologias.
1.    [11]
[12] A menção a obra de Mills não é motivada por uma filiação a teoria sociológica desenvolvida por este autor, mas a sua singular riqueza de elaborações no campo da documentação pessoal.
[13] Os procedimentos ensinados por Mills para a organização e utilização do arquivo pessoal são muito interessantes e deveriam ser conhecidos por todo o cientista social empenhado em desenvolver um trabalho rigorosamente científico.
[14] Para definição de Hipertexto ver Pierre Lévy. As Tecnologias da Inteligência.
[15] Considerações interessantes a este respeito encontramos em : LOUREIROS. Marcos Dantas. Terá Marx Algo a Dizer Sobre a Informatização da Sociedade ?
[16] Lévy. 1996, p. 194
[17] Esta discussão que tento resumir em poucas linhas é altamente densa e complexa, portanto sobre ela seria necessário não só uma pequena reflexão, como a aqui empenhada,  mas várias elucubrações que originariam inúmeros escritos.

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