sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Teorias da Cultura

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
Disciplina: Teorias da Cultura
Professor: Ruben Oliven

Semestre 99/1















-   Notas  de  Aula   -  2o. Encontro: Crenças   


















Aluno: Jacques  Jacomini





-   Notas  de  Aula   -  2o. Encontro: Crenças   


É necessário acreditar, afirma o mega-empresário e apresentador de televisão, Sílvio Santos, ao apresentar um dos seus artigos de venda. Se não acreditar, nem comprem, ratifica o empresário com o “Título de Capitalização” denominado Tele-Sena nas mãos diante das câmaras de televisão do SBT. Milhões de brasileiros acreditam no seu produto e compram a Tele-Sena, confiando que ali pode estar uma oportunidade para “mudar de vida”. Alguns ganham, a grande maioria, apesar de Ter acreditado, não ganha qualquer importância em dinheiro e continua acreditando. Será que o povo brasileiro gosta de ser enganado mesmo ?  O empresário Silvio Santos é um pilantra e está enganando as pessoas ? Ou Será que este é apenas mais um jogo de azar e adere a ele quem bem entender e assim o decidir ?
Carlo Ginzburg chama a nossa reflexão para o que denominou de “Paradigma Indiciário”, afirmando que este é uma espécie de modelo epistemológico (ou paradigma) que surge no final do século XIX e para o qual ainda não se deu a devida atenção. Inicialmente, o autor cita Morelli que com um método particular (Método Morelliano) propõe investigar a originalidade das obras de arte, com base nos seus pormenores e nas especificidades que muitas vezes passam desapercebidas pela maioria das pessoas comuns. A dedicação e o afinco deste médico/crítico de arte era tanta que “qualquer museu estudado por Morelli adquire imediatamente o aspecto de um Museu Criminal” (Página 145). O seu método foi comparado ao trabalho de Sherlock Holmes: “O Conhecedor de arte é comparável ao detetive que descobre o autor do crime (do quadro) baseado em indícios imperceptíveis para a maioria.” (Página 145)
Sobre o método de Morelli, inicialmente destacaria que a sua proposta de catalogar detalhes das obras de arte que investigou remonta a uma prática bastante difundida desde Aristóteles A classificação filosófica de Aristóteles distribuiu as categorias em dez gêneros supremos:
1.      SUBSTANCIA - homem, cachorro, pedra, casa, ...
2.      QUALIDADE - azul, virtuosos, ...
3.      QUANTIDADE - grande, comprido, 2Kg, ...
4.      RELAÇÃO - mais pesado, escravo, duplo, mais barulhento, ...
5.      DURAÇÃO - ontem, 1970, de manhã, ...
6.      LUGAR - aqui, Brasil, no pátio, ...
7.      AÇÃO - correndo, cortando, falando, ...
8.      PAIXÃO OU SOFRIMENTO - derrotado, cortado, ...
9.      MANEIRA DE SER - saudável, febril, ...
10.  POSIÇÃO - horizontal, sentado, ...

No texto de Ginzburg é mencionada a semelhança de proposta metodológica entre Morelli e Freud e é destacada a influência de o primeiro provocou no segundo. Em função disto, Morelli ganha “um lugar especial na história da formação da psicanálise.” (Página 148)
Em seguida, parte dois, o autor lembra um pouco dos aspectos da relação do homem com o seu meio físico e social, desde os primórdios da civilização: “Aprendeu a farejar, registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de barba (...) Na falta de uma documentação verbal para se por ao lado das pinturas rupestres e dos artefatos, podemos recorrer às fábulas (...)” (Página 151)  Segue, falando da narração de fatos e acontecimentos vivenciados, destacando que “Talvez a própria idéia de narração tenha nascido pela primeira vez numa sociedade de caçadores (...)” (Página 152)
A invenção da escrita revoluciona as possibilidades de comunicação do homem, intervindo nas suas formas de interação social. Neste sentido, o autor destaca: “Notou-se, em particular, como a invenção da escrita modelou profundamente a arte divinatória mesopotâmica. Às divindades, de fato, era atribuída, entre outras prerrogativas dos soberanos, a de se comunicar com os súditos através de mensagens escritas.” (Página 153)
Na página 154, o autor amarra as sua idéias desenvolvidas no texto até este ponto: “Em suma, pode-se falar de paradigma indiciário ou divinatório, dirigido, segundo as formas de saber, para o passado, o presente ou o futuro. Para o futuro- e tinha-se a arte divinatória em sentido próprio -; para o passado, o presente e o futuro – e tinha-se a semiótica médica na sua dupla face, diagnóstica e prognóstica  -; para o passado – e tinha-se a jurisprudência. Mas por trás desse paradigma indiciário ou divinatório, entrevê-se o gesto talvez mais antigo da história intelectual do gênero humano: o do caçador agachado na lama, que escruta as pistas da presa.”
No ponto III, Carlo refere um tapete para reafirmar o paradigma que vem trabalhando neste texto: “Poderíamos comparar os fios que compõe esta pesquisa aos fios de um tapete. (...) O tapete é o paradigma que chamamos a cada vez, conforme os contextos, de venatório, divinatório, indiciário ou semiótico. Trata-se, como é claro, de adjetivos não-sinônimos, que no entanto remetem a um modelo epistemológico comum, articulado em disciplinas diferentes, muitas vezes ligadas entre si pelo empréstimo de métodos ou termos-chave.” (Página 170)
Mário Vargas Losa, em artigo denominado “A Mentira e a Verdade na ficção”, fala dos limites da verdade e da ficção em obras literárias, em especial nos romances. Para além dos limites, o autor chama a atenção para o poder imaginativo do ser humano de trabalhar o real, destacando: “De fato os romances mentem, mas esta é apenas uma parte da história. A outra é que, através da mentira, eles exprimem uma curiosa verdade que só pode ser expressa de um modo velado e escondido, disfarçando-se do que não é. (...) comecei com experiências ainda vividas em minha memória e estimulantes para a minha imaginação (...)”. Esta percepção do poder da imaginação é um tema essencialmente bachelardiano e, segundo o meu ponto de vista, deve ser assim encarado. Bachelard vai propor a fenomenologia da imaginação, conjugada com uma fenomenologia da imagem poética, destacando “a imagem vem antes do pensamento” (No sentido de uma arqueologia das imagens). Tomando a casa como exemplo, Bachelard mostra como a imaginação é capaz de sobrepujar as percepções do real: “Ao seu valor de proteção, que pode ser positivo, ligam-se também valores imaginados, e que logo se tornam dominantes.” (Página 19)
Outro aspecto bachelardiano que deve aqui ser associado ao texto de Vargas-Llosa é a questão da “Função do Real”, relacionada com a “Função do Irreal”: “Com sua atividade viva, a imaginação desprende-nos ao mesmo tempo do passado e da realidade. Abre-se para o futuro. A função do real, orientada pelo passado tal como mostra a psicologia clássica, é preciso acrescentar uma Função do irreal igualmente positiva, como procuramos estabelecer em obras anteriores. Uma enfermidade por parte da função do irreal entrava o psiquismo produtor. Como prever sem imaginar ?” (Página 18)
Várias passagens do texto de Vargas-Llosa ressaltam esta temática da imaginação:
“No âmago de toda a obra de ficção arde um protesto. Seus autores os criaram, já que somos incapazes de vivê-los, e seus leitores (e crentes) encontram nestas criaturas fantasmagóricas os rostos e aventuras necessárias para realçar as suas próprias vidas. (...)
As mentiras nos romances não são gratuitas – elas complementam as insuficiências da vida. Assim, quando a vida parece cheia e absoluta e os homens, por obra de fé absoluta, estão resignados com seus destinos, os romances não prestam nenhum serviço (...)
Ficção é um substituo temporário para a vida. A volta a realidade é quase um brutal empobrecimento, corroboração de que somos menos do que sonhamos (...)
Emergir de seu próprio Eu, ser outro, mesmo na ilusão, é uma maneira de ser menos escravo e de experimentar os riscos da liberdade.”
A descontinuidade do tempo é uma outra “grande sacada” de Vargas-Llosa (que também está relacionada com as concepções trabalhadas por Bachelard em “A Dialética da Duração): “Embora haja uma distância entre palavras e acontecimentos, há sempre um abismo entre tempo real e tempo de ficção. O tempo novelístico é um artifício criado para atingir certos efeitos psicológicos.”


                


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