UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO
DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO
DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
Disciplina:
Teorias da Cultura
Professor:
Ruben Oliven
Semestre 99/1
- Notas
de Aula - 2o.
Encontro: Crenças
Aluno:
Jacques Jacomini
- Notas
de Aula - 2o.
Encontro: Crenças
É necessário acreditar, afirma o mega-empresário e
apresentador de televisão, Sílvio Santos, ao apresentar um dos seus artigos de
venda. Se não acreditar, nem comprem, ratifica o empresário com o “Título de
Capitalização” denominado Tele-Sena nas mãos diante das câmaras de televisão do
SBT. Milhões de brasileiros acreditam no seu produto e compram a Tele-Sena,
confiando que ali pode estar uma oportunidade para “mudar de vida”. Alguns
ganham, a grande maioria, apesar de Ter acreditado, não ganha qualquer
importância em dinheiro e continua acreditando. Será que o povo brasileiro
gosta de ser enganado mesmo ? O empresário
Silvio Santos é um pilantra e está enganando as pessoas ? Ou Será que este é
apenas mais um jogo de azar e adere a ele quem bem entender e assim o decidir ?
Carlo Ginzburg chama a nossa reflexão para o que denominou de
“Paradigma Indiciário”, afirmando que este é uma espécie de modelo epistemológico
(ou paradigma) que surge no final do século XIX e para o qual ainda não se deu
a devida atenção. Inicialmente, o autor cita Morelli que com um método
particular (Método Morelliano) propõe investigar a originalidade das obras de
arte, com base nos seus pormenores e nas especificidades que muitas vezes
passam desapercebidas pela maioria das pessoas comuns. A dedicação e o afinco
deste médico/crítico de arte era tanta que “qualquer museu estudado por Morelli
adquire imediatamente o aspecto de um Museu Criminal” (Página 145). O seu
método foi comparado ao trabalho de Sherlock Holmes: “O Conhecedor de arte é
comparável ao detetive que descobre o autor do crime (do quadro) baseado em
indícios imperceptíveis para a maioria.” (Página 145)
Sobre o método de Morelli, inicialmente destacaria que a sua
proposta de catalogar detalhes das obras de arte que investigou remonta a uma
prática bastante difundida desde Aristóteles A classificação filosófica de
Aristóteles distribuiu as categorias em dez gêneros supremos:
1.
SUBSTANCIA - homem, cachorro, pedra, casa, ...
2.
QUALIDADE - azul, virtuosos, ...
3.
QUANTIDADE - grande, comprido, 2Kg, ...
4.
RELAÇÃO - mais pesado, escravo, duplo, mais barulhento,
...
5.
DURAÇÃO - ontem, 1970, de manhã, ...
6.
LUGAR - aqui, Brasil, no pátio, ...
7.
AÇÃO - correndo, cortando, falando, ...
8.
PAIXÃO OU SOFRIMENTO - derrotado, cortado, ...
9.
MANEIRA DE SER - saudável, febril, ...
10. POSIÇÃO
- horizontal, sentado, ...
No texto de Ginzburg é mencionada a semelhança de proposta
metodológica entre Morelli e Freud e é destacada a influência de o primeiro
provocou no segundo. Em função disto, Morelli ganha “um lugar especial na
história da formação da psicanálise.” (Página 148)
Em seguida, parte dois, o autor lembra um pouco dos aspectos
da relação do homem com o seu meio físico e social, desde os primórdios da
civilização: “Aprendeu a farejar, registrar, interpretar e classificar pistas
infinitesimais como fios de barba (...) Na falta de uma documentação verbal
para se por ao lado das pinturas rupestres e dos artefatos, podemos recorrer às
fábulas (...)” (Página 151) Segue,
falando da narração de fatos e acontecimentos vivenciados, destacando que
“Talvez a própria idéia de narração tenha nascido pela primeira vez numa
sociedade de caçadores (...)” (Página 152)
A invenção da escrita revoluciona as possibilidades de
comunicação do homem, intervindo nas suas formas de interação social. Neste
sentido, o autor destaca: “Notou-se, em particular, como a invenção da escrita
modelou profundamente a arte divinatória mesopotâmica. Às divindades, de fato,
era atribuída, entre outras prerrogativas dos soberanos, a de se comunicar com
os súditos através de mensagens escritas.” (Página 153)
Na página 154, o autor amarra as sua idéias desenvolvidas no
texto até este ponto: “Em suma, pode-se falar de paradigma indiciário ou
divinatório, dirigido, segundo as formas de saber, para o passado, o presente
ou o futuro. Para o futuro- e tinha-se a arte divinatória em sentido próprio -;
para o passado, o presente e o futuro – e tinha-se a semiótica médica na sua
dupla face, diagnóstica e prognóstica -;
para o passado – e tinha-se a jurisprudência. Mas por trás desse paradigma
indiciário ou divinatório, entrevê-se o gesto talvez mais antigo da história
intelectual do gênero humano: o do caçador agachado na lama, que escruta as
pistas da presa.”
No ponto III, Carlo refere um tapete para reafirmar o
paradigma que vem trabalhando neste texto: “Poderíamos comparar os fios que
compõe esta pesquisa aos fios de um tapete. (...) O tapete é o paradigma que chamamos
a cada vez, conforme os contextos, de venatório, divinatório, indiciário ou
semiótico. Trata-se, como é claro, de adjetivos não-sinônimos, que no entanto
remetem a um modelo epistemológico comum, articulado em disciplinas diferentes,
muitas vezes ligadas entre si pelo empréstimo de métodos ou termos-chave.”
(Página 170)
Mário Vargas Losa, em artigo denominado “A Mentira e a
Verdade na ficção”, fala dos limites da verdade e da ficção em obras
literárias, em especial nos romances. Para além dos limites, o autor chama a
atenção para o poder imaginativo do ser humano de trabalhar o real, destacando:
“De fato os romances mentem, mas esta é apenas uma parte da história. A outra é
que, através da mentira, eles exprimem uma curiosa verdade que só pode ser expressa
de um modo velado e escondido, disfarçando-se do que não é. (...) comecei com
experiências ainda vividas em minha memória e estimulantes para a minha
imaginação (...)”. Esta percepção do poder da imaginação é um tema
essencialmente bachelardiano e, segundo o meu ponto de vista, deve ser assim
encarado. Bachelard vai propor a fenomenologia da imaginação, conjugada com uma
fenomenologia da imagem poética, destacando “a imagem vem antes do pensamento”
(No sentido de uma arqueologia das imagens). Tomando a casa como exemplo,
Bachelard mostra como a imaginação é capaz de sobrepujar as percepções do real:
“Ao seu valor de proteção, que pode ser positivo, ligam-se também valores
imaginados, e que logo se tornam dominantes.” (Página 19)
Outro aspecto bachelardiano que deve aqui ser associado ao
texto de Vargas-Llosa é a questão da “Função do Real”, relacionada com a
“Função do Irreal”: “Com sua atividade viva, a imaginação desprende-nos ao
mesmo tempo do passado e da realidade. Abre-se para o futuro. A função do real,
orientada pelo passado tal como mostra a psicologia clássica, é preciso
acrescentar uma Função do irreal igualmente positiva, como procuramos
estabelecer em obras anteriores. Uma enfermidade por parte da função do irreal
entrava o psiquismo produtor. Como prever sem imaginar ?” (Página 18)
Várias passagens do texto de Vargas-Llosa ressaltam esta
temática da imaginação:
“No âmago de toda a obra de ficção arde um protesto. Seus
autores os criaram, já que somos incapazes de vivê-los, e seus leitores (e
crentes) encontram nestas criaturas fantasmagóricas os rostos e aventuras
necessárias para realçar as suas próprias vidas. (...)
As mentiras nos romances não são gratuitas – elas
complementam as insuficiências da vida. Assim, quando a vida parece cheia e
absoluta e os homens, por obra de fé absoluta, estão resignados com seus
destinos, os romances não prestam nenhum serviço (...)
Ficção é um substituo temporário para a vida. A volta a
realidade é quase um brutal empobrecimento, corroboração de que somos menos do
que sonhamos (...)
Emergir de seu próprio Eu, ser outro, mesmo na ilusão, é uma
maneira de ser menos escravo e de experimentar os riscos da liberdade.”
A descontinuidade do tempo é uma outra “grande sacada” de
Vargas-Llosa (que também está relacionada com as concepções trabalhadas por
Bachelard em “A Dialética da Duração): “Embora haja uma distância entre
palavras e acontecimentos, há sempre um abismo entre tempo real e tempo de
ficção. O tempo novelístico é um artifício criado para atingir certos efeitos
psicológicos.”
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