Nome do Autor: JACQUES JACOMINI
OS PRIMÓRDIOS
DE UMA CIVILIZAÇÃO
NOTADAMENTE MARCADA PELA
FLUVIALIDADE LOCAL.
A
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relacao dos
habitantes de Porto Alegre com o Rio Guaíba remonta um período histórico que
antecede a configuração de uma cidade propriamente dita. Alguns historiadores,
arqueólogos e antropólogos propõe pensar a região sobre a qual viria se formar
a cidade de Porto Alegre desde o ano 3.000 a C. para falar dos “habitantes da
região do Grande Lago.” Neste período é marcante a presença dos Povos Guaranis
que com a sua cultura e a sua busca incessante da “terra sem males” deixam
gravadas aqui as suas tradições as quais penetrariam na constituição da cidade
de Porto Alegre, bem como na relação dos seus habitantes com o “grande lago”. São
lendas, mitos e crenças, além de toda uma cosmovisão transmitidas por um
arsenal histórico e cultural que simbolicamente falam o tempo todo para as
novas gerações de porto-alegrenses.
Neste
trabalho, propomos analisar um pouco desta relação dos habitantes da cidade com
o seu rio (ou lago) [1],
tentando perceber como ela acontece em determinados períodos históricos.
Realizamos assim uma incursão pela espacialidade de alguns perímetros
citadinos, quando, por exemplo, pensamos na lógica que determina a construção
de um muro que vai dividir dois espaços urbanos: Caís do Porto e perímetro
urbano ou espaço intra-muros e espaço extra-muros. Assim procedemos, pois
acreditamos que “el interés del hombre pur el espacio tiene raíces
existenciales: deriva de una necessidad de adquirir relaciones vitales en el
ambiente que le rodea para aportar sentido y ordem a um mundo de acontecimentos
y acciones.” (Norberg-Schulz, 1975)
Dentro
da análise que aqui propomos, destacaremos qual a relação das construções
subjetivas e simbólicas dos porto-alegrenses com as construções
institucionais-legais acerca da necessidade (ou não) de um dispositivo de
delimitação (ou proteção) cidade X rio. Trata-se da tentativa de mapear os
contornos de uma Porto Alegre antiga, que guarda as lembranças de grandes
enchentes, como a de 1941, justificando
a existência de um muro de proteção em contraste com uma Porto Alegre moderna
que incorpora ao seu imaginário as “feições de crise e de medo” (Eckert, 1997)
, oriundas de uma dinâmica citadina urbana contemporânea.
OS
PRIMEIROS PILARES DE
UMA CIDADE NOTADAMENTE
FLUVIAL: CONTEXTO E
ASPECTOS DA CONSTITUIÇÃO
DA PORTO ALEGRE
ANTIGA (1752 - 1911)
“(...) O Porto,
em que acreditávamos tanto, terminou em frustração, com o projeto de
transformar-se em área de lazer. Os barcos e os tens nos abandonaram, dando
lugar aos caminhões. A indústria fabril, depois de um ciclo de prosperidade,
migrou para outras paragens. O capital internacional não acha muitos atrativos
numa área de caminhos estrangulados e de comunicações roucas.” (Franco, 1997)
A
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chegada
dos casais açorianos em 1752 marca o início da colonização do então Porto de
Viamão (nome dado a um ancoradouro nos fundos da Sesmaria de Jerônimo de
Ornellas, onde está agora a Praça da Alfândega). Instalados em casas de palha
no local onde encontramos hoje a atual Praça da Alfândega, os casais vindos das
Ilhas dos Açores inauguravam o que viria a ser “um arraial bastante fértil”. [2]
Neste período, a relação dos primeiros habitantes com o Rio
Guaíba é bastante intensa especialmente por duas razões. Em primeiro lugar,
pelo fato de terem chegado até aqui navegando pelas suas águas, portanto em um
primeiro contato bastante emocional com o rio. Em segundo lugar, em razão de
terem as suas primeiras sociabilidades definidas por um contato diário e intimo
com o rio, pois as suas primeiras casas foram construídas nas suas margens.
Neste local, passam a se desenvolver atividades econômicas voltadas para a
dinâmica fluvial do Rio Guaíba como a construção de barcos e a comercialização
de bens de consumo. A instalação da Alfândega em 1804 e a abertura dos portos
em 1808 veio a incrementar estas atividades comerciais e a transformar Porto
Alegre em um importante centro comercial. O crescimento do vilarejo,
impulsionado pelas atividades econômicas locais, traz a necessidade de se
ampliar o perímetro que circundava o centro comercial de Porto Alegre. Isto
acontece pela primeira vez em 1850, quando o aterro proporciona a abertura de
mais uma rua no centro comercial da cidade, atual rua Sete de Setembro. Este
avanço sobre as águas só vai terminar em 1978, quando um outro grande aterro
propicia a construção de dois grandes parques na cidade, Parque Marinha do
Brasil e o Parque Maurício Sirotski Sobrinho.
Com o crescimento da cidade vieram os primeiros problemas
ambientais observados já em 1866. Nesta época foi proibida a coleta de água no
canal do Guaíba que começava a ter as suas margens poluídas pelos excrementos
da população depositados diariamente pelos “cubeiros”[3]
e por outros dejetos produzidos a partir das inúmeras atividades ribeirinhas.
Juntamente com estes problemas ambientais, surgem as primeiras ocorrências de
doenças contagiosas e pestes, como a epidemia de cólera que se abateu sobre a
cidade entre 1875 e 1876. Assim passam a ser pensadas alternativas que
colaborassem para o saneamento e a melhoria das condições de higiene do rio e
das suas ribeiras.
Em 1911 surge uma alternativa entendida na época como uma
proposta ideal para estas necessidades de melhoramento e saneamento do local, a
construção do Caís do Porto. Assim, no mesmo ano, começa a ser construído o
atual Caís do Porto de Porto Alegre que tinha dois objetivos em especial:
Unificar a porta de entrada da cidade, melhorando o aspecto para quem aportava
em Porto Alegre e higienizar / normalizar [4]
as atividades econômicas locais, uma vez que nesta época, por volta de 1900,
existiam mais de 30 trapiches na área central da cidade, onde eram
desenvolvidas inúmeras atividades comerciais
Ao ser concluído, o novo porto, além de melhorar o escoamento da
produção industrial crescente, enfim podia ser considerado como uma nova e
ampliada porta de entrada da cidade que se construía e se pretendia grande e
desenvolvida.
Em 1914, durante a
implantação do Plano de Melhoramentos da Capital, elaborado pelo arquiteto João
Maciel, Otávio Rocha dá mais uma passo decisivo em direção a esta preocupação
da higienização da cidade criando um órgão público com este objetivo
específico, a Diretoria de Higiene [5].
Na década de 20 a cidade havia crescido bastante,
incrementado suas atividades industriais e comerciais, e o seu crescimento
trazia mais um desafio a ser encarado pelos porto-alegrenses: aumentar a
produção de energia elétrica que era insuficiente para atender a demanda
crescente da cidade. Neste momento, mais uma vez o Rio Guaíba viria a fornecer
e possibilitar as condições necessárias ao enfrentamento deste problema.
Cederia as suas águas para duas atividades essenciais ao funcionamento da Usina
Termelétrica do Gasômetro: por elas
embarcações trariam o carvão a ser ali processado e, ao mesmo tempo, as suas
águas eram usadas para refrigerar os condensadores da usina, atividade que
exigia uma grande quantidade de água.
A relação do porto-alegrense, especialmente o morador do
centro da cidade, com o Caís do Porto e com o Rio Guaíba viria a se transformar
bastante a partir de 1971. A intima relação e a extensa interação dos moradores
da cidade com o “Grande Lago”, observados desde os seus primórdios, passa a ser
cerceada pela construção de um extenso muro de concreto na Avenida Mauá [6].
Concluído em 1974, gestão do prefeito Telmo Thompson Flores, o muro abre uma
série de questionamentos e debates a cerca da sua funcionalidade e necessidade
travados entre os porto-alegrenses desde então. O principal questionamento que
está colocado no imaginário dos moradores mais antigos passa pelas lembranças e
pela percepção de uma cidade antiga voltada para o seu rio e uma cidade moderna
que renegou o seu passado fluvial e assumiu uma dinâmica citadina moderna,
delineada pela velocidade dos automóveis.
Os depoimentos de
alguns moradores remontam lembranças dos estragos provocados pela enchente de
1941 [7],
mas não a transformam estas lembranças em uma razão lógica para a existência do
muro que viria, supostamente, proteger a cidade de outras inundações
semelhantes a ocorrida em 1941.
Na tentativa de ultrapassar um pouco a narrativa estritamente
histórica e documental e perceber outros aspectos que estes documentos não nos
possibilitam acessar, passaremos a descrever uma etnografia de rua que
realizamos no Caís do Porto. Caminhando, etnografando e explorando os atuais
atores sociais do atual Caís do Porto, levantamos alguns dados ainda inéditos
neste esforço de mapear a relação do porto-alegrense com o seu rio, segundo a
evolução e desenvolvimento de uma cidade notadamente marcada por uma dinâmica
fluvial.
UM OLHAR
ETNOGRÁFICO SOBRE A
ATUAL DINÂMICA VIVENCIADA NO CAÍS
DO PORTO DA
CIDADE DE PORTO
ALEGRE: Caminhando pelo o que restou de um período de pujança e
desenvolvimento de uma cidade outrora voltada para o seu rio.
A
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minha observação inicio a partir do momento
que me aproximo do Largo Glênio Peres e arredores do Mercado Público de Porto
Alegre. Ao passar pelo largo, observo muitas pessoas que circulam pelo local
com toda a “pressa” originária de um grande centro urbano. Apesar da “pressa”
(ou aparente falta de tempo), algumas pessoas param e ficam observando os
“artistas” que atuam naquele local. Destacaria o tradicional vendedor de
remédios naturais que, com recursos diversos (aparelho de som, animais exóticos
como cobras, apelo teatral e dramático), tenta vender os seus produtos no Largo
e nas praças da cidade, sendo assim já bastante conhecido da população; e um
músico que tocava violino, utilizando alguns recursos sonoros como caixas de
som e amplificadores, chamando bastante a atenção das pessoas que por ali
passavam. Pude observar o Mercado Público que, totalmente restaurado, estava
enfeitado com painéis e desenhos alusivos a Primeira Bienal do Mercosul, evento
cultural que tem mobilizado muitas pessoas na capital. Vencido o Largo, nos
aproximamos da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, passo a me encomodar um
pouco com o grande fluxo de pessoas e procuro então me afastar das ruas mais
centrais, andando em direção a Avenida Mauá, onde se encontra o Caís do Porto,
ponto que escolhemos para iniciar a nossa etnografia de rua. A tentativa de
evitar o grande fluxo de pessoas, afastando-me das ruas centrais, e caminhando
pela Av. Mauá não foi muito promissora, pois também ali o tráfego estava
complicado, principalmente em função de alguns caminhões que descarregavam
cargas nas proximidades do Prédio dos Correios e Telégrafos prejudicando assim
o trânsito de pedestres naquele local. Passo a mapear os principais vizinhos do
Caís do Porto, dentre eles os Correios e Telégrafos, Secretaria da Fazenda,
Delegacia Regional do Trabalho, terminais de ônibus coletivos urbanos de Porto
Alegre e grande Porto Alegre (Viamão) e o Instituto Santa Marta (SUS).
A
travessia da Av. Mauá (em direção ao Cais do Porto) é, sem nenhuma dúvida, “uma
manobra bastante arriscada”. Neste local o trânsito de veículos é muito grande
e a velocidade média dos automóveis, caminhões e coletivos também é alta em
função da avenida ser extensa (uma grande reta), larga (com 3 faixas de rolagem) e não existir
nenhum dispositivo inibidor da velocidade (com exceção do semáforo). Existe uma
faixa de segurança e uma semáforo quase em frente a entrada principal do Caís
do Porto, o que, teoricamente, facilitaria a travessia dos pedestres, no
entanto nem sempre é bem assim. Os motoristas costumam aproveitar ao máximo o
tempo destinado para a sua travessia, transitando no momento em que o sinal fica
no amarelo e até nos primeiros instantes em que o sinal aponta a cor vermelha,
ou seja, propõe a sua parada e permite a passagem para o pedestre. Portanto, o fato de o sinal estar apontando a
travessia para o pedestre (vermelho para os motoristas) não representa uma
situação de travessia segura para este. Uma outra situação que representa
bastante risco para o transeunte que decide atravessar a Avenida é aquela em
que o sinal muda quando o pedestre encontra-se no meio ou quase no final da
travessia da Avenida. Neste caso, a pessoa precisa correr ou pular a fim de que
não sege apanhada por um veículo, pois observei que os motoristas decidem
aproveitar ao máximo todos os segundos destinados a sua travessia, não abrindo
mão assim dos primeiros instantes da exposição do sinal verde, mesmo que o
pedestre ainda se encontre no meio da sua travessia. Em resumo, atravessar uma
avenida no centro da cidade não é uma tarefa muito fácil e nem muito tranqüila,
pois exige do pedestre bastante atenção e perspicácia para perceber o momento
exato que a travessia pode ser realizada sem nenhum risco para a sua segurança
pessoal. Esta situação pode ser bem mais problemática para os idosos, crianças,
gestantes e deficientes físicos por razões óbvias.
Vencida
a travessia da Avenida Mauá, entro no portão principal do Caís do Porto.
Entrando, a minha esquerda, encontro o posto da guarda portuária, onde um
cidadão faz a segurança no local. Decidi solicitar informações sobre como
deveria proceder para realizar a visitação naquele local. Fui informado que
deveria me dirigir ao prédio da administração do Porto, onde deveria solicitar
uma autorização (por escrito) para realizar a visita. Assim procedi, subindo ao
quarto andar do prédio apontado pelo guarda, onde em contanto com a funcionária
Dulce consegui a permissão, após ter me identificado e externado o objetivo da
minha visita naquele local. De posse da autorização, me dirigi ao portão de
acesso do Caís, apresentei a autorização para um outro guarda que a reteu,
permitindo a minha entrada e informando que eu poderia visitar todo o Caís em
sua parte em que estava a minha direita, e a parte que ficava a minha esquerda
não poderia ser acessada por ser “área operacional”, palavras dos funcionários
para referir a parte onde existe intensa atividade de carregadores, guindastes,
carga e descarga de containers, etc.
Neste
momento, já na beira do Rio, acontece o
meu primeiro contato com algo que me acompanharia, ou até me indicaria uma
determinada trajetória nesta visita ao Cais do Porto do Rio Guaíba, os trilhos
utilizados para a locomoção de algumas
máquinas e/ou guindastes que não saberia precisar em detalhes neste
momento. Observo que estes trilhos estão sendo usados pelos guindastes que
estão a minha esquerda (lado Operacional). Na minha direita os trilhos
continuam existindo, mas parecem não estar sendo usados para o deslocamento dos
guindastes observados a minha esquerda , fato que me leva a supor uma provável
restruturação físico-espacial deste local, pois a existência dos trilhos no meu
lado direito supõe a existência destes mesmos guindastes operando em um outro
momento (outra época e organização deste espaço) anterior a este.
A
minha direita, tenho o Barco Cisne Branco ancorado com alguns homens no seu
interior, parece que trabalham e organizam algumas coisas no barco. Observando
o barco estão um grupo de alunos de uma escola que realizam uma visita ao Caís.
Fotografam e são fotografados, conversam com os seus professores sobre o barco,
sobre o rio, ... parecem estar gostando bastante do passeio, pois aparentam
muita satisfação, descontração e interesse por tudo o que vêem ao seu redor. De
fato, penso que nem poderia ser diferente, entre outros motivos, por estarmos
vivendo um dia muito ensolarado, com temperaturas altas, céu claro e uma brisa
gostosa a sombra.
O
Barco Cisne Branco traz um sistema do som que ligado, espalha pelo ambiente
músicas veiculadas por uma rádio local da cidade de Porto Alegre. Esta
sonoridade traz, segundo o meu entendimento, consigo uma sensação de
descontração para as pessoas que visitam o local.
Olhando
para o interior do rio, vejo a primeira embarcação que circula pelo local, ela
traz uma carga de areia e se desloca lentamente pelas águas calmas do Rio
Guaiba. Na mesma direção podemos observar o topo de prédio que se encontra na
Ilha do Presídio, ponto próximo ao Cais.
Ainda
a minha esquerda, após passar pelo barco Cisne Branco, encontro trabalhadores
que descarregam determinada carga de uma carreta estacionada neste local.
Vou
caminhando a fim de explorar a região que me foi permitida o acesso, ou seja,
lado direito de quem entra no portão principal do Caís do Porto. Após passar
pelo primeiro armazém B1 (no seu interior estão grande rolos de papel, e
pequenos pacotes também de papel), onde trabalhadores trabalhavam na descarga
de determinado produto, me encontro nos fundos do prédio da administração onde
a bem pouco tempo estava solicitando a autorização para realizar esta
visitação. Após este prédio, passo por um outro armazém B2 fechado e sem
nenhuma movimentação de pessoas.
Estacionado
neste local duas grandes carretas com cargas que parecem ser grandes
transformadores de energia elétrica. Os caminhões que puxam a carreta são
caminhões do tipo “fora de estrada”,
realmente muito grandes e contam com sinalizações especiais que chamam a
atenção para o seu excesso de largura e comprimento (diante das dimensões
normais utilizadas pelos veículos tradicionais). Ao me aproximar de uma das
carretas, vejo que a altura das rodas
chegam próximo ao meu ombro. Como tenho 1,76 m de altura, a altura das rodas
chegam a, aproximadamente, 1,40 m, são, portanto bastante expressivas.
Após
as carretas, vejo mais três supostos transformadores colocados em linha, os
quais suponho estarem esperando para serem carregados. Faixas estão colocadas
nestes transformadores estampando o nome da empresa de destino (ou de origem),
COENSA.
Olhando
a minha esquerda, avisto a Ponte do Rio Guaíba (em direção a cidade de Guaíba)
e algumas ilhas do mesmo rio. Na minha frente mais um prédio, onde leio
Fundação Nacional de Saúde (Vigilância Sanitária), local onde funciona algum
setor deste órgão.
Logo
a minha direita existe um portão que
encontra-se aberto e dá acesso ao Caís do Porto. Ao contrário do portão
principal, neste não existem guardas nem outro tipo de segurança que dificultem
o acesso. Passo pelo portão e começo a percorrer a rua que é paralela ao rio,
no interior do muro da Mauá, ou seja, entre o muro e o rio.
Percorrendo
esta rua chego ao primeiro (de uma série) ancoradouro na seqüência de quem vem
do portão principal do Caís do Porto em direção a cidade de Canoas. O primeiro
é um ancoradouro onde encontramos apenas alguns barcos de pequeno porte. Neste
local existe uma placa onde leio: “Grêmio Náutico União, Estação Fluvial Nilton
Silveira Neto, Embarque, Sede Ilha do Pavão”. Nas proximidades do prédio do
Palácio do Comércio, me deparo coma estação dos bombeiros. Na parede está
estampada os símbolos e uma mensagem (ou lema) do 3o. grupo de
bombeiros da brigada militar : “Homem do salvamento, estar seguro, trabalhar
com segurança, produzir segurança, mais do que um lema, uma filosofia em ação.”
Passo
a perceber que, em verdade, o Caís do Porto possui toda uma cultura muita
própria e muito sua. Cada ancoradouro, cada espaço ou cada ator social que aqui
atua está inserido numa lógica e numa racionalidade que para ser percebida em
sua integralidade demandaria uma investigação muito mais minuciosa e elaborada
do que por ora realizo. É um pouco óbvio o que estou afirmando, no entanto é interessante
de registrar esta minha percepção de que somente um envolvimento e uma
interação maior com este local me permitiria perceber e reconstruir a
“subjetividade portuária”, fato que nos revelaria em detalhes a verdadeira dinâmica, a real
estruturação, organização e normalização deste “espaço não - urbano” da cidade
de Porto Alegre.
Voltando
a descrição físico-espacial do lugar, me aproximo do prédio C3, onde leio
garagem e oficina APPA - Portão 01.
Atento para a cobertura da rua que estou percorrendo que é de pedras do
tipo paralelepípedo. Caminho no sentido centro bairro (no caso Centro de Porto
Alegre - Canoas) e a minha direita tenho um trilho (o mesmo que começou o seu
traçado logo na entrada do Caís) que percorre toda a rua, decido seguir a sua
trajetória, pois percebo que ,apesar de estar atualmente em desuso, este trilho
já representou uma determinada dinâmica de trabalho do Caís do Porto. Seguí-lo,
ou percorrê-lo é atitude óbvia para quem tenta perceber o que este trilho e o
que este chão podem estar querendo “falar” para quem o “escuta” (ou quem com
ele dialoga). Avisto o prédio C4 que tem as portas abertas e máquinas no seu
interior, no entanto não existe movimento de trabalhadores neste momento (viria
a saber, mais tarde que o que estava aqui acondicionado era sal). Uma placa
estampa a mensagem “Proibida a entrada” ao lado deste prédio (na verdade estas
placas foram encontradas em vários locais do Caís, denotando as estratégias de
contenção e normalização deste espaço, porém nem sempre elas pareceram atuais e
operantes). Percorrendo mais um trecho da rua chegou a um outro ancoradouro
(02) onde estão atracados navios de grande porte, Navio Taquari, Itapuã,
... Fiquei tão impressionado com o
tamanho das embarcações que passei a tentar quantificar o seu tamanho: eles
teriam, aproximadamente, uns 10 metros de largura e uns 30 de comprimento.
Neste mesmo ancoradouro, observo várias outras embarcações de menor porte que
as três anteriores, apresentando um péssimo estado de conservação o que permite
suprimir até que elas estão totalmente fora de atividade.
Continuo
caminhando, em certo momento o capim esconde os trilhos e passo a pensar se
estou seguindo a trajetória dos trilhos ou são os trilhos que acompanham a
minha caminhada ? A resposta não é minha neste momento. Avisto um outro prédio
que está mal conservado e tem escrito em suas paredes anúncios de venda de
gelo.
Me
aproximando da Elevada da Conceição, olho para o muro que separa a cidade do
Rio e percebo a “força” deste muro. É realmente um aparelho delimitador
espacial que remonta a perspectiva da percepção “intra-muros” e “extra-muro”
como a que já trabalhei em casos de realidades institucionais do estilo
manicomial. Em outras palavras, a cidade está excluída deste espaço e
vice-versa, o que nos coloca claramente a necessidade de se separar o que é
urbano do “não - urbano”, ou a lógica urbana da lógica “não - urbana”. Este é
um ponto (espacialidade do Caís) de análise deste local e desta lógica local
que demandaria também um esforço maior de análise e de interação, como já havia
afirmado antes. Nas proximidades da Elevada da Conceição observo uma espécie de
portão (na extensão do muro) que parece não ser utilizado visto a suas
características de conservação e dos capins que o entornam.
Caminhando
mais um pouco avisto um outro prédio onde leio: Centro Integrado de
Comercialização agrícola e, novamente, Venda de Gelo. Este prédio está
desocupado e desabitado, além de mal conservado como o anterior. Ao lado do
muro encontro bastante lixo neste trecho da caminhada, parece que na medida em
que nos afastamos do portão principal do Caís do Porto aumenta o desleixo, a
sujeira, a má conservação dos prédios, inexistência de atividades nos prédios,
etc. Ou seja, na medida em que nos afastamos do “centro” deste local o que era
belo, policiado e bem cuidado agora é o oposto de tudo isso.
Chego ao
terceiro ancoradouro e observo alguns
barcos de grande porte. Uma das embarcações é parecida com as que carregam
areia, não sei exatamente o nome específico. Posso perceber, então,
mais um bloco de prédios que é o (c6), onde observo algumas caixas
garrafas de bebidas sendo transportadas. O
prédio ao lado esta aparentemente sem atividade, não tem pessoas que
circulam ou que estão trabalhando neste local. Alguns carros passam por mim e
suponho que são funcionário que, nesse momento são 11:25, estão talvez indo para de almoço. Me
encontrava agora nas proximidades da rodoviária e da elevada da Conceição.
Passo a ter a impressão que esta estrada
vai mais longe do que eu imaginei, portanto seria necessário ter uma condução
para explorá-la em toda a sua extensão.
Tenho a
minha direita o terminal do trensurb pessoas onde aguardam a chegada do trem.
Me parece que este seria o terminal Estação Rodoviária. Vejo dois
caminhões velhos estacionados ao lado do referido prédio. O
Trensurb acaba de chegar no terminal e as pessoas que o aguardavam passam a
trafegar nele. Neste momento, passo por cima dos trilhos que me eu estava acompanhando, (ou dos
trilhos que acabaram por definir a minha trajetória, ou trilhos me trouxeram
até aqui, ou ...) ou seja eles cruzaram a rua em direção ao rio. Neste momento
fico admirado com o que estou vendo: uma
caminhão, do tipo tombadeira, estaciona ao lado do prédio C6 e operários
colocam caixas de garrafas de vidro
neste caminhão e ficam quebrando as garrafas.
Parece que garrafas de vidros
realmente não são mais importante, pois estão quebrando e colocando
dentro da tombadeira.
Sinto a
necessidade curiosidade de adentrar e explorar mais essa estrada que continua a
minha frente, porém vou retornar, até porque os trilhos me trouxeram até aqui. Neste momento acontece
algo muito interessante: vejo um senhor sair do prédio onde os operários
quebravam as garrafas e decido passar a caminhar ao seu lado conversando com
ele (em direção ao portão principal do Caís, ou seja, retornando), a fim de
conhecê-lo e, ao mesmo tempo, conseguir algumas informações sobre a dinâmica do
Caís que se apresentavam como uma incógnita para mim. O diálogo foi mais ou menos
este que passo a transcrever:
Jaques: Bom
dia, tudo bem?
Sanislau:
Tudo bem
J - O
Senhor trabalha aqui?
S - Sim,
sou vigia. Há muitos anos.
J - Antes
do Trensurb já tinha o muro ?
S - Estão
para derrubar, isso deixa a cidade feia.
J - afastou
as pessoas do rio?
J - Claro,
vê só, isso ai está tudo parado (aponta para os barcos atracados), não trabalha
mais, de dois em dois anos tem que fazer vistoria, pintura nova, trocar a
chapa.
J - Como
faz para pintar, tem que tirar da água, onde é feito isso ?
S - no estaleiro Só, na Ilha da Pintada. Se
derrubassem esse muro voltava as pessoas a conhecer mais, ... Tem um projeto
para ser derrubado
J - Devem
ter medo de dar um enchente que possa inundar a cidade ? Em 1941 o senhor
estava aqui ?
S - Lá na
rua da praia tinha água.
J - Até
hoje estão com medo, quanto tempo faz?
(...)
S - Esses
bombeiros atende mais é salvamento. Esses barquinhos pequenos são para passeio
o para os pescador
(...)
S- São de pescador
J - Esses
caminhões recolhem o peixe ?
S -Levam
para o mercado
J - Será
que da peixe bom, e pode pescar ?
S - pode
tem que ter a licença.
J - Aquela
ilha que se vê é a ilha do presidio?
S - era uma deposito de pólvora
J - Foi ali
que prenderam os presos políticos em 64?
J -
Guardava armamento, e o senhor estava indo para onde ?
J - E estes
trilhos ?
S - Buscavam as cargas dentro do armazém.
Foi uma
conversa muito interessante de, aproximadamente, 20 minutos com um cidadão de
aparentemente 60 anos que me deu informações preciosas sobre o Caís do Porto e
parte de sua dinâmica. Após a esta caminhada de retorno, encerrei a minha
observação.
[1] Segundo
denominação geográfica, lago pois une dois grandes volumes de águas navegáveis,
o Rio Jacuí e a Lagoa dos Patos. O Jacuí desce em turbulência de sua nascente
localizada no Planalto, cerca de 400 metros acima do nível do mar. Ao atingir a
Depressão Central, a 100 metros de altitude, suas águas correm para o leste e
vão diminuindo a velocidade, de acordo com o suave declive da planície. No
trajeto final, próximo a Porto Alegre, o Jacuí recebe as águas do Taquari, do
Caí, do Sinos e do Gravatai, formando um delta, uma enorme bacia de decantação
onde se acumula a terra arrancada das encostas do Planalto. Essas águas calmas
e barrentas são despejadas no Guaíba, apenas cinco metros acima do nível do
mar. O Guaiba desemboca na Lagoa dos Patos que lança suas águas no Oceano
Atlântico, 250 Km ao sul.
[2]
Expressão usada na primeira referencia registrada em documento sobre a povoação
que se formava no então Porto de Viamão, a qual se desenvolvia rapidamente para
os padrões da época.
[3] Cubeiros
- indivíduos que carregavam e limpavam os “Cubos”, recipientes onde eram
armazenados os excrementos das residências mais abastadas. Uma vez cheios, eram
levados até as margens do rio pelos escravos (e depois pelos funcionários da
prefeitura que assumiram este serviço) e ali descarregados e lavados para
voltarem a ser utilizados nas residências.
[4] Um
relatório da época dizia: “É preciso melhorar o porto tanto do ponto de vista
econômico como estético e sobretudo higiênico.”
[5] O
princípio de “isolar espacial e temporalmente implica reunir ordenadamente”,
difundido pelo movimento que se conhece como “medicalização (ou normalização /
higienização) das cidades” observados no Brasil durante a segunda metade do
século passado é abordado de uma forma bastante interessante pur Roberto
Machado Et All em “Danação da Norma : Medicina Social e
Constituição da Psiquiatria no Brasil”.
[6] Alguns
historiadores sustentan que de 1773 a 1778 teria sido construído uma grande
muralha na cidade, com o objetivo de proteger os seus habitantes dos invasores
espanhóis. O suposto muro percorreria as atuais ruas Washington Luís, Riachuelo
e Pinto Bandeira, com começo e fim à beira d’ água. O portão desse muro ficaria
ao lado do lugar onde agora está o Viaduto Loureiro da Silva.
[7] A maior
enchente da história da cidade de Porto Alegre que trouxe muitos danos e
transtornos para os moradores e para os seus patrimônios pessoais.
O primeiro
registro de enchente em Porto Alegre é de 1833. Outras aconteceram em 1841,
1847 e 1850, mas nenhuma delas foi como a de 1873 que desabrigou famílias às
margens do Guaíba e do Riacho. Mais sete aconteceram em 1897, 1898, 1905 e três
em 1912 e se chega então a maior de todas, a de 1941, considerada uma
catástrofe como definida pelos jornais da época. Na enchente de 1926 começaram
as medições. Naquele ano a precipitação foi de 313,7 mm; na de 1928 foi de
225,5 mm; na de 1936 foi de 316 mm e na de 1941 foi de 619,4 mm, a maior de
todas.
Um comentário:
Praticamente uma monografia.
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