Prezados Amigos Leitores
Mais uma linda noite de (ainda) inverno, quando me preparo para realizar uma viagem, gostaria de convidá-los à acompanhar mais uma aventura antropológica de jacquesja.
Mais uma linda noite de (ainda) inverno, quando me preparo para realizar uma viagem, gostaria de convidá-los à acompanhar mais uma aventura antropológica de jacquesja.
Penso que a palavra aventura
é muito apropriada, pois ir a campo, entrevistar “informantes”, entrar em novas
“aldeias” é sempre uma atividade interessante. Nunca sabemos o que vamos
encontrar e, quando voltamos, não somos mais os mesmos (quando da partida). A
antropologia é uma ciência muito instigante.
Havia informado que publicaria somente textos autorais, mas é necessário trabalhar com algumas transcrições, pois a ignorância é muito grande sobre alguns temas como “Cidades Intraterrenas” (Lemúria e congêneres). Fique atento. Desligue a televisão e embarque na emoção de ler jacquesja. Mais um pouco do trabalho denominado:
ESTUDO ANTROPOLÓGICO SOBRE A CONSTRUÇÃO DAS INDIVIDUALIDADES, TRAJETÓRIAS E ITINERANÇAS DE UM GRUPO DE “FLANELAS” DA CIDADE DE PORTO ALEGRE -
ORGANIZAÇÃO DO
ESPAÇO URBANO: Uma reflexão sobre o desenvolvimento da
cidade de Porto Alegre, através da análise do traçado das suas ruas e a relação
desta organização com o trabalho dos “flanelas”.
A
cidade de Porto Alegre está no rol das grandes metrópoles brasileiras, a
exemplo de São Paulo, Belo Horizonte e Recife. Em conseqüência disto, aqui se
observa os principais problemas urbanos, sociais e econômicos que estão
presentes em outras metrópoles como, por exemplo, o desemprego, a poluição, a
violência urbana, o caos no trânsito e o crescimento desordenado de vilas
populares. Entretanto, em Porto Alegre acontece um fenômeno, no mínimo,
interessante, pois no mesmo momento que alguns índices estatísticos apontam
para uma cidade com problemas nitidamente de estágio subdesenvolvido,
observamos outros índices que reafirmam a tendência do senso comum de perceber
a cidade como a “Europa Brasileira” [1].
Só para citarmos alguns números indicativos do “bom” nível das condições de
vida da população porto-alegrense, destacamos que pesquisas realizadas
recentemente apontam para um crescimento econômico de 13,46 % observado no ano
de 1996. O PIB per capita no mesmo período foi de US$ 6.035,56. O salário médio
dos chefes de família ficou em US$ 809,12 (ano base 1996). O número total de
veículos (ano base 1994) observado
foi de 613.621, tínhamos portanto 3,39 habitantes por veículo [2]. Dentre estes dados, destacaríamos dois, o
número de habitantes por veículo e a renda média dos chefes de família. Se
atualizarmos estes números, através de inferência estatística, teremos
atualmente um salário médio do chefe da família em torno dos R$ 1.000,00 (renda
considerada suficiente para a aquisição de um automóvel novo, segundo
posicionamento dos revendedores de automóveis no Brasil) e um total de,
aproximadamente, 816.729 automóveis na cidade, o que significa dizer que
estamos próximos do número de dois habitantes por veículos automotores. Se
somarmos a estas estimativas os esforços do governo gaúcho para trazer grandes
mondadoras de automóveis para a Região Metropolitana de Porto Alegre, bem como
as condições econômicas brasileiras de estabilidade da moeda e facilidade de
financiamentos para a aquisição de bens duráveis como os automóveis, surge uma
preocupação muito presente no imaginário dos
porto-alegrenses hoje: Como será o trânsito de Porto Alegre dentro de 2
ou 3 anos ? Quais serão as condições de
trafegabilidade para pedestres e para usuários de veículos na cidade ? Como e a
que custo estará organizado o espaço urbano, a fim de comportar o crescimento
esperado para os próximos anos ? [3] Mais do que respostas, nos interessa colocar
estas questões para afirmarmos uma opção de estruturação deste trabalho que,
estudando os guardadores de carros (ou flanelas), pretende tentar perceber um
pouco da dinâmica desta cidade e do seu desenvolvimento. Pois entendemos que situar
a cidade neste contexto nacional de grandes metrópoles, destacando algumas de
suas características, como aqui fizemos, significa dizer que reconhecemos este
mapeamento como necessário ao se trabalhar com um ator social tão urbano e tão
contemporâneo quanto o “flanela”. Entendemos ainda que o “flanela” surge na
esteira de um Brasil que encontrou no desenvolvimento da indústria
automobilística uma maneira de incrementar e fomentar a sua economia
nacional.
Desde
já, percebemos que o “flanela” passa a atuar socialmente, a partir do momento
em que a urbanidade e a dinâmica da cidade o permite e o solicita atuar.
Historicamente, poderíamos dizer que isso só passa a ser possível de acontecer
na cidade de Porto Alegre a partir do início deste século, quando chegam aqui
os primeiros automóveis. Em uma referência mais exata, podemos afirmar que foi
o ano de 1906 o marco referencial para a existência do guardador de carros na
cidade, pois é nesse ano que aqui chegam e começam a circular os primeiros
automóveis. Contudo, a produção de automóveis em escala industrial, bem como o
incremento nas vendas dos veículos, dado através de subsídios do poder público,
é acelerado especialmente a partir da década de 70, ou seja, no período que
conhecemos como “milagre econômico brasileiro”. É a partir de então que as
cidades brasileiras são tomadas pelos veículos automotores e os espaços urbanos
começam a ser pensados e organizados para uma nova dinâmica citadina, a
dinâmica da velocidade, da alta mobilidade, do poder mecânico de locomoção,
enfim a dinâmica dos automóveis. Surge, então, a necessidade de se abrir novas
avenidas e ruas, redimensionar e alargar as já existentes, de se construir elevadas, viadutos e túneis em função desta
nova dinâmica urbana [4].
Como
vimos, pensar o “flanela” como um ator social urbano contemporâneo é pensar a
cidade urbana contemporânea em que ele atua, se insere e se articula. Ao passo
que pensar esta cidade é mapear as suas prioridades e características, como ela
se organiza e se estrutura socialmente, economicamente e especialmente.
Portanto, propomos uma incursão na cronologia histórica da cidade de Porto
Alegre, reportando um tempo bastante longínquo, o ano de 1772.
Escolhemos
dar inicio a esta “viagem” histórica pelo ano de 1772 pelo fato de ser desta
época o primeiro traçado das ruas de Porto Alegre. Era uma época de lutas pela
posse e delimitação de terras e propriedade onde tínhamos no Porto de São
Francisco dos Casais (nome dado a cidade na época) apenas três ruas. A Rua da
Praia, que seria a primeira aberta dentre as três, paralela a ela tínhamos a
Rua do Cotovelo (atual Riachuelo) e a Rua Formosa (atual Duque de Caxias) .
Temos então ai já definido o local do atual coração de Porto Alegre, com as
suas ruas mais tradicionais. (Ver anexo 01)
Avançando
um pouco no tempo, chegamos ao ano de 1803, marcado por movimentos que visavam
transformar a Freguesia da Madre de Deus de Porto Alegre em vila. Considerando
apenas as ruas que possuíam edificações, teríamos 7 ruas. Tínhamos a Rua da Praia, a Rua da Ponte (Atual
Riachuelo), Rua Formosa (Atual Duque de Caxias), Rua de Bragança (Atual
Marechal Floriano), Rua do Ouvidor (Atual General Câmara), Rua Clara (Atual
João Manoel) e a Rua do Arroio (Atual Bento Martins) que na época era chamada
ironicamente de rua dos pecados mortais ou rua das virtudes. Além destas ruas,
tínhamos inúmeros becos e caminhos onde não haviam edificações. (Anexo 02)
Em
seus primeiros anos como cidade, Porto Alegre consolidou a urbanização do
núcleo inicial e começou a traçar as “varetas do leque” (Franco, 1975) que
apontaria os rumos do crescimento definitivo. Teríamos ao norte o Caminho Novo
que seguia a margem do Delta do Jacuí e começaria a se interligar com o
arranchamento dos inimigos alemães no futuro bairro Navegantes. Margeando a
Várzea (Campo da Redenção), havia duas estradas. O Caminho do Meio (Atual
Osvaldo Aranha) que dava acesso a Viamão e a Estrada da Azenha (Atual João
Pessoa) se bifurcava depois da ponte: pela esquerda se chegava a Viamão, pela
direita seguia-se para as estancias de Belém Velho e Itapu. Pela margem do
Guaíba, cruzando a ponte de madeira sobre o Riacho, estava o Caminho de Belas,
que recebeu esse nome provavelmente em referencia à figura e à propriedade de
Antônio Rodrigues Belas que atuou Por muitos anos como encarregado da aferição
de pesos e medidas. A cidade viria a se expandir tendo como linhas mestras
esses caminhos. Nesta época, não havia planos de arruamento fora da zona
urbana, onde só havia chácaras. Mas aos poucos começavam a se formar núcleos de
casas junto a capelas, olarias ou moinhos. (Ver anexo 03)
Depois
da Guerra dos Farrapos, a expansão da área urbana de Porto Alegre, já
determinada pela geografia, segui os velhos caminhos do tempo dos
desbravadores. Para o sul, o Caminho de Belas, para o norte, o Caminho Novo e
ao centro, margeando a Várzea (atual Parque Farroupilha), o Caminho do Meio
(Atual Osvaldo Aranha) e a Estrada da Azenha (Atual João Pessoa). Por fim,
sobre a lombada que se estende desde a ponta da península, a Estrada dos Moinhos
(Atual Independência). (Ver anexo 3A)
Em
1914 o arquiteto João Maiel elaborou o Plano de Melhoramentos da Capital, no
qual estabelecia o marco das transformações pelas quais a cidade desembocaria
em um novo tempo de modernidade. Seu plano antevia a Redenção como grande área
de lazer integrada ao centro, a criação de um teatro municipal, armazéns no
Porto e a nova Alfândega, a retificação do Arroio Dilúvio como forma de sanear
a parte baixa da cidade e até a avenida Beira Rio. Maciel demonstrou bastante
perspicácia e arrojo em seus projetos,
porém como estavam sendo pensados em 1914 algumas de suas obras só foram
implantadas na década de 80. (Ver anexo 04)
O
primeiro Plano Diretor da cidade data de 1959, tinha como principais objetivos
controlar o crescimento desordenado da cidade e impedir a sua desfiguração. A
partir de então, Porto Alegre já começa a ter o seu traçado muito semelhante ao
que conhecemos atualmente (Ver anexo 05). Neste final de século, a cidade se
prepara para receber o seu 3o. Plano Diretor para com ele adentrar e
enfrentar os desafios do século XXI. Este plano altera o histórico traçado
viário de radiais e perimetrais e triplica o número de eixos, num desenho
xadrez destinado a facilitar as ligações entre bairros. Contém um capítulo
especial sobre “habitação de interesse social”, prevê a regularização de
loteamentos irregulares e clandestinos, que hoje compõe aproximadmente 30 % da
cidade. É o que os técnicos chamam de cidade “real”, a ser progressivamente
incorporada pela cidade “formal”. Maiores detalhes desta proposta para a
urbanização e organização da cidade de Porto Alegre pode ser acompanhada na
iconografia anexa a este trabalho. (Ver anexo 06)
Realizada esta “viagem histórica” pelas ruas
e traçados de Porto Alegre, nos interessa destacar qual a relação de todas
estas informações como o estudo que desenvolvemos sobre os “flanelas”.
Enfatizaremos, basicamente 3 aspectos: I - No quadrilátero analisado neste
trabalho, percebemos que a Rua Osvaldo Aranha (Antigo Caminho do Meio) e o
Parque da Redenção (Antiga Várzea) são, respectivamente, uma das ruas e um dos locais mais antigos e de maior
tradição na história da cidade, pois a sua existência e o seu traçado remontam
o século passado; II - A Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, instituição que permeia e é permeada pelo
trabalho dos “flanelas” estudados, tem a sua história contada a partir do
começo do século (1908-1909), quando passa a funcionar a Faculdade de Direito
na Avenida João Pessoa. Portanto, também é uma das instituições de ensino mais
antigas e mais tradicionais no cenário da educação na cidade de Porto
Alegre; III - É no início deste século
(1910 - 1920) que a região da cidade onde realizamos o nosso trabalho passa a
ter uma dinâmica e um desenvolvimento mais acelerado. Isto acontece
especialmente pelo aumento da população da cidade, pela chegada do automóvel e
pelo funcionamento das instituições de saúde e ensino [5]
que passam a desenvolver as suas atividades neste local, movimentando um grande
número de pessoas e redefinindo a organização deste espaço urbano. (Ver anexo
07)
[1]
Expressão utilizada para referir as semelhanças entre os níveis de qualidade de
vida observadas em Porto Alegre, quando comparados com alguns países da Europa.
O Nosso clima colabora para este entendimento.
[2]
Dados do anuário estatístico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística)
[3]
Estas questões surgiram nas entrevistas realizadas com os “usuários” dos
estacionamentos pesquisados, quando perguntados sobre a questão do futuro de
suas vidas na cidade e na organização do espaço urbano em um futuro próximo.
[4] É
no período de 1970 a 1982 que acontecem a construção dos principais viadutos,
elevadas e túneis que conhecemos hoje em Porto Alegre. Em 24 de junho de 1970 é
inaugurado o Viaduto Loureiro da Silva sobre a Avenida Salgado Filho. Em 24 de
abril de 1972 é inaugurado o Viaduto D. Pedro I, sobre a 2a.
Perimetral. Em 7 de agosto de 1972 é inaugurado o túnel e a elevada da
Conceição.. Em 30 de outubro de 1972 é inaugurado o Viaduto Tiradentes, sobre a
Rua Silva Só. Em 31 de julho de 1973 é inaugurado o Viaduto dos Açorianos sobre
a 1a. Perimetral. Em 1975 é inaugurado o Viaduto Obirici sobre a
Avenida Plinio Brasil Milano. Em 27 de julho de 1982 é inaugurado o Viaduto
Ildo Meneghetti, sobre a Rua Vasco da Gama.
[5]
Neste perímetro, já nesta época, temos a Santa Casa de Misericórdia, a Beneficência
Portuguesa, a Escola Complementar, o Colégio Militar, a Escola de Medicina, o
Observatório Astronômico, o Observatório Meteorológico, o Instituto
Eletrotécnico, o Instituto Técnico Profissional, a Escola de Engenharia e a
Escola de Direito funcionando no local.
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