sexta-feira, 22 de julho de 2016

Flanelas 3

Prezados Leitores

Vejam os senhores, se eu chegar ali no dia de amanhã, montar banca na praça da Santa Isabel e fazer uma enquete. Qual será o resultado? Vou perguntar para os transeuntes sobre o significado da palavra "Lemúria". De dez entrevistados, quantos saberão responder com precisão o significado da palavra?
Zero
Portanto, o trabalho que realizo aqui vai neste sentido de esclarecer "as mentes novelescas globais" sobre temas de interesse dos cultos.
E se a pergunta fosse a seguinte:
Você sabe o que faz um antropólogo?
Quantos responderiam com precisão a questão?

Um dos maiores problemas da atualidade: Estão queimando os livros. Buscam tudo na internet. Eu conheço uma professora que vendeu uma biblioteca inteira no galpão da reciclagem. O que fazer diante de tal quadro desolador?
Sabe aquele papel higiênico bem barato que você encontra no supermercado? Dá uma olhada com atenção antes de usar. Você vai enxergar umas letrinhas ali. Pois então! Ele já foi um livro impresso.

Vamos mais um pouco de flanelas?
Antropologia urbana no Centro Histórico de Porto Alegre.
JacquesJa na área teclando e oferecendo mais esta página para o amigo leitor (para a amiga leitora)









2. MAPEANDO  O  CAMPO  PESQUISADO

“É pelo espaço, é no espaço que encontramos os belos fósseis de duração concretizados por longas permanências.”  (Bachelard, 1993)

Para situar o nosso leitor no campo pesquisado, passaremos a abordar os aspectos geo-espaciais e de localização  do entorno de ruas do centro da cidade de Porto Alegre que elegemos para realizar o presente trabalho.
Inicialmente, pensamos em permanecer estudando apenas um grupo de “flanelas” que desenvolve as suas atividades na Av. Osvaldo Aranha, trecho compreendido entre a Avenida João Pessoa e a Rua Sarmento Leite, área central de Porto Alegre, proximidades da Praça Argentina e da UFRGS. Porém, durante a realização da primeira fase da pesquisa de campo, observamos a necessidade de fazer um mapeamento não só deste trecho, mas de praticamente todo o entorno do Campus Central da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Procedemos então a ampliação deste traçado inicial e partimos para o estudo do quadrilátero compreendido pela rua Eng. Luís Englert, Av. João Pessoa, Av. Osvaldo Aranha e Av. Paulo Gama. [1] Esta decisão foi tomada principalmente pelo fato de percebermos que existe uma dinâmica de trabalho dos “flanelas” muito parecidas nestas várias ruas e avenidas. Além disto, a organização do espaço, a tipologia do usuário deste estacionamento, o fluxo de pessoas e automóveis é muito semelhante em todo este entorno, portanto, sobre o nosso ponto de vista, esta ampliação era realmente necessária.
Este espaço é marcado  por um intenso fluxo de automóveis, caminhões e conduções de transporte coletivo, fato que ocasiona uma grande quantidade de emissão de gases expelidos pelos escapamentos destes veículos, ou seja, poluição do ar e ainda um alto grau de poluição sonora devido a mesma causa [2]. O movimento de pedestres também é muito grande, principalmente dos passageiros de ônibus, vindos de vários bairros de Porto Alegre e das cidades da região metropolitana, em especial Viamão, que desembarcam nas proximidades do Parque Farroupilha e da UFRGS no seu deslocamento diário ao centro da cidade de Porto Alegre. Dentre os pedestres que circulam neste perímetro, destacam-se os alunos e funcionários da UFRGS que são maioria em determinados horários e dias da semana. Observamos que estes caracterizam-se em especial pela vestimenta (roupa de estudante: calça de brim e camiseta que as vezes traz o logotipo da própria universidade, tênis ou chinelo, ...), utensílios (pastas, mochilas, materiais escolares característicamente universitários como os de desenho carregados pelos alunos da arquitetura, ...) e maneira descontraída de se comunicar e de se locomover (grupos de amigos que se encontram na rua, se abraçam, conversam amigavelmente nas esquinas, trocam informações, ...).
Em resumo, caberia destacar que este campo geográfico-espacial estudado é marcado por três fortes características:
I - Intenso tráfego de veículos e pessoas durante quase todo o dia;
II - Sociabilidades marcadas por três campos distintos: intelectual (Observadas a partir das inúmeras atividades acadêmicas realizadas na UFRGS); econômico (vendedores ambulantes e camelos que atuam no local, bem como das pessoas que, em trânsito, deslocam-se para os seus locais de trabalho no comércio do centro de Porto Alegre, principalmente das Ruas Salgado Filho, Borges de Medeiros, dos Andradas e Voluntários da Pátria)   e de lazer (observadas pelas inúmeras pessoas que utilizam o Parque Farroupilha para realizarem exercícios físicos diários - caminhar, correr e andar de bicicleta - passear com seus animaizinhos de estimação, namorar, ...);
III - Necessidade de adequação e normalização do espaço físico local, bem como necessidade de segurança diante da quantidade de automóveis e de pessoas movimentadas por todas estas atividades citadas anteriormente (observamos que os espaços destinados ao estacionamento dos automóveis é insuficiente para atender a demanda de usuários, então entra em cena o “flanela” que auxilia neste processo quase caótico de propiciar a utilização dos espaços disponíveis, de uma forma mais organizada, disciplinada e segura).
Durante as nossas atividades de campo, podemos perceber que “o espaço convida à ação, e antes da ação a imaginação trabalha” (Bachelard, 1993). Estão aqui colocadas duas questões especiais do nosso trabalho com os “flanelas”: I - a importância de tentar perceber as características e especificidades do campo trabalhado, bem como dos atores sociais e da dinâmica social colocada neste campo, a partir de  um “olhar vibrátil” (Rolnik, 1997) sobre o espaço e as relações de espacialidade que envolvem, delimitam e, porque não dizer, definem este universo simbólico e cultural trabalhados;  II - a importância da pesquisa qualitativa e, em especial, do método etnográfico e etnológico, nos estudos de ciências sociais voltados a pesquisa de sociedades complexas do tipo urbano-contemporaneo-capitalista. No meu entendimento, é através deste tipo de trabalho que podemos desenvolver a “ação” e a “imaginação” de que Bachelard nos falou em seus escritos.
As questões relativas aos limites (geográficos) de atuação dos diversos “flanelas” entrevistados, dentro de quadrilátero citado aqui, podem ser observadas nos anexos 8, 9 e 10. Sobre a dominação e exploração deste espaço pelo trabalho dos “flanelas”, destacaríamos três observações mais centrais, das várias colhidas na pesquisa de campo: I - Os limites de atuação do “flanela”, ou seja, onde começa  o espaço explorado pelo “flanela A” e onde termina o seu espaço, começando a área de atuação do “Flanela B” é delimitado pelos próprios “flanelas”, segundo uma negociação e uma normalização dada a partir de seus próprios critérios subjetivos; II - Esta negociação pode ser tranqüila e equilibrada entre aqueles que desejam “explorar um determinado local de trabalho” [3], mas também pode ser violenta e litigiosa, pois trata-se de um embate em torno da “dominação de um determinado território” [4];  III - As noções de público e privado percebidas pelos “flanelas” são diferentes das noções de público e privado da maioria dos “usuários”. O “usuário” entende a rua como um espaço público, onde, portanto pode estacionar o seu veículo sem, necessariamente, contribuir com nenhum tipo de retribuição econômica e financeira para as pessoas que permanecem no local e afirmam estar cuidando dos seus carros. A principal afirmativa do usuário vai no sentido de que ele é um cidadão honesto, trabalhador, decente e contribui com os seus impostos regularmente, situação que o isenta de qualquer outro tipo de contribuição a qualquer outra pessoa ou entidade; O “flanela” entende a rua como um espaço privado [5], ou seja, “o seu espaço de atuação profissional”,  onde tem o seu “ponto de trabalho” (ou local de trabalho) que pode ser passado de pai para filho, pode ser trocado Por um outro local ou bem, ou mesmo pode ser comprado Por cinqüenta reais. [6]  As principais afirmativas dos “flanelas” é de que “feio é roubar”, “estamos trabalhando”,  “dá dinheiro quem quer” e que os usuários não são justos ao permanecerem o dia todo com o carro estacionado na rua X e ao retornar não colaborarem com nenhuma retribuição ao flanela. Discursam sobre a relação Custo X Benefício entre estacionamentos pagos (ou regulares) e os estacionamentos realizados nas ruas,  para defender que nos estacionamentos pagos (ou regulares) é cobrado cinco reais para cada duas horas de permanência  e no estacionamento realizado nas ruas o “usuário” pode permanecer o dia todo e pagar um real, cinqüenta centavos de real ou mesmo não retribuir com nenhuma importância, situação injusta segundo o ponto de vista dos “flanelas”.
Passaremos a enfocar, a seguir, o principal ator social deste trabalho, o “flanela”, tentando demonstrar quem ele é, como atua, enfim as suas principais características observadas em campo.



[1] Todos  estes detalhes de localização podem ser acompanhados nos mapas ilustrativos que encontram-se nos anexos deste trabalho.
[2] Esta poluição sonora prejudicou bastante o trabalho de entrevistas com o uso do gravador. O ruído externo muito grande prejudicou a transcrição de alguns trechos das fitas gravadas em campo.
[3] Grifo para destacar o entendimento que os “flanelas” tem do espaço público urbano que são usados para estacionamentos de veículos no centro da cidade.
[4] Idem a anterior.
[5] Esta noção não foi verbalizada pelos “flanelas”, mas percebida pelos pesquisadores através das atividades de campo.
[6] Fato relatado Por um “flanela” que entrevistamos e afirmava ter comprado aquele local de trabalho. Confirmava a sua compra através de uma declaração Por escrito de um “flanela” que atuava anteriormente naquele lugar e decidiu “vender” para o seu colega, pelo valor de R$ 50,00, “o direito de exploração da rua em que trabalhava”.

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