A Vida nas Cidades Pós-Modernas e a Construção das
Novas Formas de Sociabilidades Urbanas.
“Não é mais necessário deixar a
casa, entrar na fila e se instalar em meio a estranhos para viver uma experiência
comunitária, ou seja, social”. Wim
Wender[1]
Acabamos de discutir algumas
concepções teóricas sobre a noção temporal modernidade e pós-modernidade, proponho agora a reflexão sobre as cidades
que se originaram desta lógica do tempo pós-moderno e das novas sociabilidades
que estão sendo elaboradas neste novo contexto social.
Para esta reflexão, chamaria
algumas elaborações, quase poéticas, que Wim Wenders constroe no artigo “A paisagem urbana”, publicado em “La Verité, Des Images, Paris,
L` Arche , 1992. Trata-se de um cineasta
falando da cidade de uma forma muito antropológica e arqueológica. No final do
artigo, no qual privilegia o debate da imagem, enquanto elemento de uma nova
lógica e de uma nova estética urbana, fazendo analogias com o seu campo de
atuação profissional, o cinema, Wenders afirma:
“Em muitas cidades não se pode
mais tocar a terra, nem sentir a pedra. Se pusesse um aborígine numa dessas
cidades, ele morreria. As cidades estão lotadas, elas varreram o essencial,
elas ficaram vazias. Por outro lado, o
deserto e tão vazio que está
completamente pleno do essencial.” [2]
O artigo, no seu todo, é muito interessante,
especialmente pelo seu viés antropológico, mas centrando sobre estas poucas
frases, já e possível perceber a contemporaneidade e a cientificidade das
reflexos deste importante cineasta sobre as cidades urbanas contemporâneas.
O distanciamento dos
indivíduos de seus ambientes, até então, naturais - não se pode mais tocar a terra, nem sentir
a pedra - e a conseqüente inserção em novos ambientes (cidades urbanas) com
outras formas, cores, texturas e natureza é uma tendência da
pós-modernidade.
A mudança do locus de
sociabilidade e interatividade com o meio ambiente nos remetem à formação das
novas texturas sociais (onde temos as cidades lotadas de pessoas e vazias de
subjetividade como afirma Wenders) onde está sendo encenado [3]
(e, posteriormente reencenado) o
contexto social das cidades urbanas, a exemplo de Porto Alegre, universo da
nossa pesquisa, onde observamos que as
feições do medo e das crises e as sociabilidades urbanas estão mostrando que o
“viver na cidade infere sobre formas culturais dinamizadas igualmente por
sentimentos de medo, insegurança, solidão, mapeando a cidade como um grande
depositário de vítimas de um contexto urbano ameaçado pelas crises, violência,
fragmentações, esquecimentos, etc.” [4].
Dentre os inúmeros tipos e
contornos do medo pós-moderno, estão os medos vivenciado pelas pessoas, em
função da simples condição de atores sociais do novo locus urbano
contemporâneo, as metrópoles ou cidades urbanas de grande porte. Dentre eles, “O Medo do Medo” [5]
(Rossi, 1995) que está relacionado com estados de ansiedade, fobias e pânico, podendo ser de origem associativa a
lugares e situações que produzem medo ou aprendido através de experiências
pessoais; Ou ainda, medo de não poder mais tocar a terra, medo de não poder
mais sentir a pedra, ou ainda medo de
não dispor de uma quantidade suficiente de água potável para saciar a sua sede,
ou mesmo, o medo, mais tragicamente pensado,
de não dispor de oxigênio em quantidade e qualidade suficiente par a
perpetuação da espécie humana, dado o avanço da degradação do ar e do meio
ambiente que atemoriza as grandes cidades urbanas. São medos colocados dentro de um campo da pós-modernidade que conhecemos como
tecnociência [6]
que já foi aqui referido anteriormente.
Campo de intervenção
cientifica capaz de, por vezes, contabilizar, esclarecer ou diminuir estes
medos, apresentando sugestões e alternativas práticas para os problemas,
duvidas e incertezas deste novo mundo (mundo pós-moderno), a tecnociência pode
trabalhar para um efeito contrário a este. Ou seja, a mesma tecnociência é
capaz de fomentar estes mesmo medos, através da divulgação de estudos
incipientes ou inacabados, ou ainda mal intencionados que acabam por
reproduzir, aumentar e propagar os medos, apreensões e ansiedades coletivos
contemporâneos. Basicamente, poderíamos afirmar que estes aspectos do
reordenamento do capital científico são produzidos, entre outros motivos, pelo
fato de que “a tecnociência não visa mais a conhecer o real, espelhando-o em
números e leis, mas atende antes a acelerar informações para a indústria e os
serviços produzirem novas realidades a um ritmo mais rápido e a um custo mais
baixo.” [7]
Sobre um outro aspecto,
neste artigo de Wenders encontramos uma outra discussão que é central para o
estudo e análise da nossa
contemporaneidade. Refiro-me a tendência pós-moderna de privilegiar o imagético em detrimento do físico ou real.
Jair Ferreira dos Santos [8]
sugere um exemplo bem interresante para este debate do simulacro (simulações
através de imagens e / ou recursos informáticos) como uma forte tendência
social da pós-modernidade. O autor cita o caso de Roberto Close / Luís Roberto:
“Mas recentemente fulgurou na
Belindia uma verdadeira diva pós-moderna: o travesti Roberta Close. Pôr que pós
moderna? Primeiro porque ela, para nos, é informação: só passou a existir
depois de produzida pelo mass media. Depois, porque ela é um ardil bem sucedido
de simulação: a bioestética, com o silicone, fez dela uma hipermulher (repare
como close, um simulacro, é mais mulher que as mulheres), e o referente Luís
Roberto dançou.” [9]
Voltando ao Wenders,
profissional da área da imagem, é interessante ressaltar a forma como ele
mapeia a evolução desta escalada da imagem a partir da invenção da fotografia.
A invenção da fotografia
inaugura uma nova era da relação entre a realidade e a sua representação, pois a partir de
então, temos a “realidade de segunda mão.” [10]
Em um segundo momento, “as imagens fotográficas apreenderam a andar” [11]
e surgia então o filme, imagem em movimento. Trinta ou quarenta anos mais tarde
o filme e a fotografia ganhavam um forte concorrente, a imagem eletrônica, ou
seja, a televisão (Visão a distância).
“A televisão instaurou ao mesmo
tempo uma proximidade e uma distância. Suas imagens eram frias, menos emotivas
que as do cinema; e além disso ela nos afastou da idéia de que uma imagem
pudesse possuir uma ligação direta com a ‘realidade’. Não há mais uma ‘imagem
única’, um negativo único, como no procedimento fotográfico.” [12]
Para esta discussão de
realidade e virtualidade, os limites do real e do virtual, Pierre Lévy (1996)
traz significativas contribuições. Em “O Que é o Virtual ? ”, Lévy tematiza o
que denomina de “um movimento geral de virtualização”, onde debate com autores
como Jean Baudrillard e Paul Virílio sobre as tendências possíveis deste
movimento de virtualização. Para este artigo, no entanto, gostaria de centrar
sobre a denominação de Virtual trabalhada por
Lévy no capítulo 1 - “O Que é Virtualização” (Lévy, 1996).
O autor destaca o perigo das
armadilhas de noções de senso comum, ao delimitarmos o real do virtual,
salietando que a palavra Virtual vem do latim medieval “Virtualis”, derivada
por sua vez de “Virtus” que significa força e potência.
“Na filosofia escolástica, é
virtual o que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se,
sem ter passado, no entanto à concretização efetiva ou formal. A árvore está
virtualmente presente na semente. Em termos rigorosamente filosóficos, o
virtual não se opõe ao real mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas
duas maneiras de ser diferentes.” [13]
Realizadas
estas breves reflexões a cerca das cidades e das sociabilidades contemporâneas,
universo de estudo do projeto de pesquisa no qual estou inserido, passarei a contemplar uma outra dimensão
deste novo locus urbano, a construção do conhecimento e a interatividade homem /
informação na cultura imagética digital. Dessa
forma, encaminho este artigo para a sua parte final onde tento
elaborar algumas reflexões sobre a parte
da pesquisa antropológica na qual estou mais envolvido neste momento: a
construção de Bancos de Dados e Banco de Imagens.
[2] Idem.
[3] Conceito
como é trabalhado por Henri-Pierre Jeudy em “Memórias do Social”.
[4] ECKERT,
Cornelia. ( 1997, p. 3)
[5] ROSSI,
Ana Maria. O Medo do Medo. Zero Hora, 29 de dezembro de 95.
[6] Jair
Ferreira dos Santos vai enfatizar o caráter performativo da tecnociência, em
detrimento da tendência anterior (ciência moderna) da busca da verdade
[7] SANTOS,
Jair Ferreira dos. (1991, p. 83)
[8] Idem
[9] Ibidem, p. 31
[10] WENDERS, Wim. (1992, p. 182)
[11] Idem.
[12] Idem,
p. 183.
[13] LÉVY,
Pierre. (1996, p. 15)
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