quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Wim Wenders






A Vida nas Cidades Pós-Modernas e a Construção das Novas Formas de Sociabilidades Urbanas.

“Não é mais necessário deixar a casa, entrar na fila e se instalar em meio a estranhos para viver uma experiência comunitária, ou seja, social”.   Wim Wender[1]

Acabamos de discutir algumas concepções teóricas sobre a noção temporal modernidade e pós-modernidade,  proponho agora a reflexão sobre as cidades que se originaram desta lógica do tempo pós-moderno e das novas sociabilidades que estão sendo elaboradas neste novo contexto social.
Para esta reflexão, chamaria algumas elaborações, quase poéticas, que Wim Wenders constroe no  artigo “A paisagem urbana”,  publicado em “La Verité, Des Images, Paris, L` Arche , 1992.  Trata-se de um cineasta falando da cidade de uma forma muito antropológica e arqueológica. No final do artigo, no qual privilegia o debate da imagem, enquanto elemento de uma nova lógica e de uma nova estética urbana, fazendo analogias com o seu campo de atuação profissional, o cinema, Wenders afirma:

“Em muitas cidades não se pode mais tocar a terra, nem sentir a pedra. Se pusesse um aborígine numa dessas cidades, ele morreria. As cidades estão lotadas, elas varreram o essencial, elas ficaram vazias. Por  outro lado, o deserto e tão vazio que está  completamente pleno do essencial.” [2]

 O artigo, no seu todo, é muito interessante, especialmente pelo seu viés antropológico, mas centrando sobre estas poucas frases, já e possível perceber a contemporaneidade e a cientificidade das reflexos deste importante cineasta sobre as cidades urbanas contemporâneas.
O distanciamento dos indivíduos de seus ambientes, até então, naturais  - não se pode mais tocar a terra, nem sentir a pedra - e a conseqüente inserção em novos ambientes (cidades urbanas) com outras formas, cores, texturas e natureza é uma tendência da pós-modernidade.  
A mudança do locus de sociabilidade e interatividade com o meio ambiente nos remetem à formação das novas texturas sociais (onde temos as cidades lotadas de pessoas e vazias de subjetividade como afirma Wenders) onde está sendo encenado [3] (e, posteriormente  reencenado) o contexto social das cidades urbanas, a exemplo de Porto Alegre, universo da nossa pesquisa, onde observamos que  as feições do medo e das crises e as sociabilidades urbanas estão mostrando que o “viver na cidade infere sobre formas culturais dinamizadas igualmente por sentimentos de medo, insegurança, solidão, mapeando a cidade como um grande depositário de vítimas de um contexto urbano ameaçado pelas crises, violência, fragmentações, esquecimentos, etc.” [4].
Dentre os inúmeros tipos e contornos do medo pós-moderno, estão os medos vivenciado pelas pessoas, em função da simples condição de atores sociais do novo locus urbano contemporâneo, as metrópoles ou cidades urbanas de grande porte.  Dentre eles, “O Medo do Medo” [5] (Rossi, 1995) que está relacionado com estados de ansiedade, fobias  e pânico, podendo ser de origem associativa a lugares e situações que produzem medo ou aprendido através de experiências pessoais; Ou ainda, medo de não poder mais tocar a terra, medo de não poder mais  sentir a pedra, ou ainda medo de não dispor de uma quantidade suficiente de água potável para saciar a sua sede, ou mesmo, o medo, mais tragicamente pensado,  de não dispor de oxigênio em quantidade e qualidade suficiente par a perpetuação da espécie humana, dado o avanço da degradação do ar e do meio ambiente que atemoriza as grandes cidades urbanas.  São medos colocados dentro de um campo  da pós-modernidade que conhecemos como tecnociência [6] que já foi aqui referido anteriormente. 
Campo de intervenção cientifica capaz de, por vezes, contabilizar, esclarecer ou diminuir estes medos, apresentando sugestões e alternativas práticas para os problemas, duvidas e incertezas deste novo mundo (mundo pós-moderno), a tecnociência pode trabalhar para um efeito contrário a este. Ou seja, a mesma tecnociência é capaz de fomentar estes mesmo medos, através da divulgação de estudos incipientes ou inacabados, ou ainda mal intencionados que acabam por reproduzir, aumentar e propagar os medos, apreensões e ansiedades coletivos contemporâneos. Basicamente, poderíamos afirmar que estes aspectos do reordenamento do capital científico são produzidos, entre outros motivos, pelo fato de que “a tecnociência não visa mais a conhecer o real, espelhando-o em números e leis, mas atende antes a acelerar informações para a indústria e os serviços produzirem novas realidades a um ritmo mais rápido e a um custo mais baixo.” [7]
Sobre um outro aspecto, neste artigo de Wenders encontramos uma outra discussão que é central para o estudo e análise da  nossa contemporaneidade. Refiro-me a tendência pós-moderna de privilegiar o imagético  em detrimento do físico ou real.
Jair Ferreira dos Santos [8] sugere um exemplo bem interresante para este debate do simulacro (simulações através de imagens e / ou recursos informáticos) como uma forte tendência social da pós-modernidade. O autor cita o caso de Roberto Close / Luís Roberto:

“Mas recentemente fulgurou na Belindia uma verdadeira diva pós-moderna: o travesti Roberta Close. Pôr que pós moderna? Primeiro porque ela, para nos, é informação: só passou a existir depois de produzida pelo mass media. Depois, porque ela é um ardil bem sucedido de simulação: a bioestética, com o silicone, fez dela uma hipermulher (repare como close, um simulacro, é mais mulher que as mulheres), e o referente Luís Roberto dançou.” [9]  

Voltando ao Wenders, profissional da área da imagem, é interessante ressaltar a forma como ele mapeia a evolução desta escalada da imagem a partir da invenção da fotografia.
A invenção da fotografia inaugura uma nova era da relação entre a realidade  e a sua representação, pois a partir de então, temos a “realidade de segunda mão.” [10] Em um segundo momento, “as imagens fotográficas apreenderam a andar” [11] e surgia então o filme, imagem em movimento. Trinta ou quarenta anos mais tarde o filme e a fotografia ganhavam um forte concorrente, a imagem eletrônica, ou seja, a televisão (Visão a distância).

“A televisão instaurou ao mesmo tempo uma proximidade e uma distância. Suas imagens eram frias, menos emotivas que as do cinema; e além disso ela nos afastou da idéia de que uma imagem pudesse possuir uma ligação direta com a ‘realidade’. Não há mais uma ‘imagem única’, um negativo único, como no procedimento fotográfico.” [12]
  
Para esta discussão de realidade e virtualidade, os limites do real e do virtual, Pierre Lévy (1996) traz significativas contribuições. Em “O Que é o Virtual ? ”, Lévy tematiza o que denomina de “um movimento geral de virtualização”, onde debate com autores como Jean Baudrillard e Paul Virílio sobre as tendências possíveis deste movimento de virtualização. Para este artigo, no entanto, gostaria de centrar sobre a denominação de Virtual trabalhada por  Lévy no capítulo 1 - “O Que é Virtualização” (Lévy, 1996).
O autor destaca o perigo das armadilhas de noções de senso comum, ao delimitarmos o real do virtual, salietando que a palavra Virtual vem do latim medieval “Virtualis”, derivada por sua vez de “Virtus” que significa força e potência.

“Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado, no entanto à concretização efetiva ou formal. A árvore está virtualmente presente na semente. Em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes.” [13]

Realizadas estas breves reflexões a cerca das cidades e das sociabilidades contemporâneas, universo de estudo do projeto de pesquisa no qual estou inserido,  passarei a contemplar uma outra dimensão deste novo locus urbano, a construção do conhecimento e a interatividade homem / informação na cultura imagética digital. Dessa  forma, encaminho este artigo para a sua parte final onde tento elaborar  algumas reflexões sobre a parte da pesquisa antropológica na qual estou mais envolvido neste momento: a construção de Bancos de Dados e Banco de Imagens.




[1] Artigo publicado na Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

[2] Idem.
[3] Conceito como é trabalhado por Henri-Pierre Jeudy em “Memórias do Social”.
[4] ECKERT, Cornelia. ( 1997, p. 3)
[5] ROSSI, Ana Maria. O Medo do Medo. Zero Hora, 29 de dezembro de 95.
[6] Jair Ferreira dos Santos vai enfatizar o caráter performativo da tecnociência, em detrimento da tendência anterior (ciência moderna) da busca da verdade
[7] SANTOS, Jair Ferreira dos. (1991, p. 83)
[8] Idem
[9] Ibidem, p. 31
[10] WENDERS, Wim. (1992, p. 182)
[11] Idem.
[12] Idem, p. 183.
[13] LÉVY, Pierre. (1996, p. 15)

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