UM OLHAR
ETNOGRÁFICO SOBRE A
ATUAL DINÂMICA VIVENCIADA NO CAÍS
DO PORTO DA
CIDADE DE PORTO
ALEGRE: Caminhando pelo o que restou de um período de pujança e
desenvolvimento de uma cidade outrora voltada para o seu rio.
“(...)O Porto, em
que acreditávamos tanto, terminou em frustração, com o projeto de
transformar-se em área de lazer. Os barcos e os trens nos abandonaram, dando
lugar aos caminhões. A indústria fabril, depois de um ciclo de prosperidade,
migrou para outras paragens. O capital internacional não acha muitos atrativos
numa área de caminhos estrangulados e de comunicações roucas.(...)” (Franco, 1997)
A
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s palavras,
supra citadas, do historiador Sérgio da Costa Franco sobre Porto Alegre e, em especial, sobre o Caís do
Porto refletem um pouco do imaginário que os porto-alegrenses atualmente
constróem sobre a sua cidade, diante das inúmeras transformações ocorridas no
últimos anos. Neste imaginário encontramos
narrativas que constróem um misto de desesperança, regado com um pouco
nostalgia e uma porção de medo: medo do futuro, do novo milênio, da violência
ou até medo do medo [1],
enfim de uma verdadeira “Cultura do Medo”.
Recorremos
aqui à etnografia de rua, a fim de percebermos um pouco da base empírica destas
construções elaboradas e vivenciadas pelos porto-alegrenses. Passamos então a
enfrentar o desafio que se assemelha a “(...) tentar ler (no sentido de
‘construir uma leitura de’) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de
elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito
não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de
comportamento modelado.” (GEERTZ, 1978)
A
descrição da minha etnografia inicia a partir do momento que me aproximo do
Largo Glênio Peres e arredores do Mercado Público de Porto Alegre. Ao passar
pelo largo, observo muitas pessoas que circulam pelo local com toda a “pressa”
originária de um grande centro urbano. Apesar da “pressa” (ou aparente falta de
tempo), algumas pessoas param e ficam observando os “artistas” que atuam
naquele local. Destacaria o tradicional vendedor de remédios naturais que, com
recursos diversos (aparelho de som, animais exóticos como cobras, apelo teatral
e dramático), tenta vender os seus produtos no Largo e nas praças da cidade,
sendo assim já bastante conhecido da população; e um músico que tocava violino,
utilizando alguns recursos sonoros como caixas de som e amplificadores,
chamando bastante a atenção das pessoas que por ali passavam. Pude observar o
Mercado Público que, totalmente restaurado, estava enfeitado com painéis e
desenhos alusivos a Primeira Bienal do Mercosul, evento cultural que tem
mobilizado muitas pessoas na capital. Vencido o Largo, nos aproximamos da
Prefeitura Municipal de Porto Alegre, passo a me encomodar um pouco com o
grande fluxo de pessoas e procuro então me afastar das ruas mais centrais,
andando em direção a Avenida Mauá, onde se encontra o Caís do Porto, ponto
principal desta etnografia de rua. A tentativa de evitar o grande fluxo de
pessoas, afastando-me das ruas centrais, e caminhando pela Av. Mauá não foi
muito promissora, pois também ali o tráfego estava complicado, principalmente
em função de alguns caminhões que descarregavam cargas nas proximidades do
Prédio dos Correios e Telégrafos, prejudicando assim o trânsito de pedestres
naquele local. Passo a mapear os principais vizinhos do Caís do Porto, dentre
eles os Correios e Telégrafos, Secretaria da Fazenda, Delegacia Regional do
Trabalho, terminais de ônibus coletivos urbanos de Porto Alegre e grande Porto
Alegre (Viamão) e o Instituto Santa Marta (SUS).
A
travessia da Av. Mauá (em direção ao Cais do Porto) é, sem nenhuma dúvida, “uma
manobra bastante arriscada”. Neste local o trânsito de veículos é muito grande
e a velocidade média dos automóveis, caminhões e coletivos também é alta em
função da avenida ser extensa (uma grande reta), larga (com 3 faixas de rolagem) e não existir
nenhum dispositivo inibidor da velocidade (com exceção do semáforo). Existe uma
faixa de segurança e uma semáforo quase em frente a entrada principal do Caís
do Porto, o que, teoricamente, facilitaria a travessia dos pedestres, no
entanto nem sempre é bem assim. Os motoristas costumam aproveitar ao máximo o
tempo destinado para a sua travessia, transitando no momento em que o sinal
fica no amarelo e até nos primeiros instantes em que o sinal aponta a cor
vermelha, ou seja, propõe a sua parada e permite a passagem para o
pedestre. Portanto, o fato de o sinal
estar apontando a travessia para o pedestre (vermelho para os motoristas) não
representa uma situação de travessia segura para este. Uma outra situação que
representa bastante risco para o transeunte que decide atravessar a Avenida é
aquela em que o sinal muda quando o pedestre encontra-se no meio ou quase no
final da travessia da Avenida. Neste caso, a pessoa precisa correr ou pular a
fim de que não sege apanhada por um veículo, pois observei que os motoristas
decidem aproveitar ao máximo todos os segundos destinados a sua travessia, não
abrindo mão assim dos primeiros instantes da exposição do sinal verde, mesmo
que o pedestre ainda se encontre no meio da sua travessia. Em resumo,
atravessar uma avenida no centro da cidade não é uma tarefa muito fácil e nem
muito tranqüila, pois exige do pedestre bastante atenção e perspicácia para
perceber o momento exato que a travessia pode ser realizada sem nenhum risco
para a sua segurança pessoal. Esta situação pode ser bem mais problemática para
os idosos, crianças, gestantes e deficientes físicos por razões óbvias.
Vencida
a travessia da Avenida Mauá, entro no portão principal do Caís do Porto.
Entrando, a minha esquerda, encontro o posto da guarda portuária, onde um
funcionário faz a segurança no local. Decidi solicitar informações sobre como deveria
proceder para realizar a visitação naquele local. Fui informado que deveria me
dirigir ao prédio da administração do Porto, onde deveria solicitar uma
autorização (por escrito) para realizar a visita. Assim procedi, subindo ao
quarto andar do prédio apontado pelo guarda, onde em contanto com a funcionária
Dulce consegui a permissão, após ter me identificado e externado o objetivo da
minha visita. De posse da autorização, me dirigi ao portão de acesso do Caís,
apresentei a autorização para um outro guarda que a reteu, permitindo a minha
entrada e informando que eu poderia visitar todo o Caís em sua parte que estava a minha direita, e a parte que
ficava a minha esquerda não poderia ser acessada por ser “área operacional”,
palavras dos funcionários para referir a parte onde existe intensa atividade de
carregadores, guindastes, carga e descarga de containers, etc.
Neste
momento, já na beira do Rio, acontece o
meu primeiro contato com algo que me acompanharia, ou até me indicaria uma
determinada trajetória nesta visita ao Cais do Porto do Rio Guaíba: os trilhos utilizados para a locomoção de
algumas máquinas e / ou guindastes que
carregam e descarregam as cargas dos navios. Observo que estes trilhos estão
sendo usados pelos guindastes que estão a minha esquerda (lado operacional). Na
minha direita os trilhos continuam existindo, mas parecem não estar sendo
usados para o deslocamento dos guindastes observados a minha esquerda , fato
que me leva a supor uma provável restruturação físico-espacial deste local,
pois a existência dos trilhos no meu lado direito supõe a existência destes
mesmos guindastes operando em um outro momento (outra época e organização deste
espaço) anterior a este.
A
minha direita, tenho o Barco Cisne Branco ancorado com alguns homens no seu
interior, parece que trabalham e organizam algumas coisas no barco. Observando
o barco estão um grupo de alunos de uma escola que realizam uma visita ao Caís.
Fotografam e são fotografados, conversam com os seus professores sobre o barco,
sobre o rio, ... parecem estar gostando bastante do passeio, pois aparentam
muita satisfação, descontração e interesse por tudo o que vêem ao seu redor. De
fato, penso que nem poderia ser diferente, entre outros motivos, por estarmos
vivendo um dia muito ensolarado, com temperaturas altas, céu claro e uma brisa
gostosa a sombra.
O
Barco Cisne Branco traz um sistema do som que ligado, espalha pelo ambiente
músicas veiculadas por uma rádio local da cidade de Porto Alegre. Esta
sonoridade traz, segundo o meu entendimento, consigo uma sensação de
descontração para as pessoas que visitam o Caís.
Olhando
para o interior do rio, vejo a primeira embarcação que circula pelo local, ela
traz uma carga de areia e se desloca lentamente pelas águas calmas do Rio
Guaiba. Na mesma direção podemos observar o topo de prédio que se encontra na
Ilha do Presídio, ponto próximo ao Cais.
Ainda
a minha esquerda, após passar pelo barco Cisne Branco, encontro trabalhadores
que descarregam determinada carga de uma carreta estacionada neste local.
Vou
caminhando a fim de explorar a região que me foi permitida o acesso, ou seja,
lado direito de quem entra no portão principal do Caís do Porto. Após passar
pelo primeiro armazém B1 (no seu interior estão grande rolos de papel, e
pequenos pacotes também de papel), onde trabalhadores trabalhavam na descarga
de determinado produto, me encontro nos fundos do prédio da administração, onde
a bem pouco tempo estava solicitando a autorização para realizar esta
visitação. Após este prédio, passo por um outro armazém (B2) fechado e sem
nenhuma movimentação de pessoas.
Estacionado
neste local, duas grandes carretas com cargas que parecem ser grandes
transformadores de energia elétrica. Os caminhões que puxam a carreta são
caminhões do tipo “fora de estrada”,
realmente muito grandes e contam com sinalizações especiais que chamam a
atenção para o seu excesso de largura e comprimento (diante das dimensões
normais utilizadas pelos veículos tradicionais). Ao me aproximar de uma das
carretas, vejo que a altura das rodas
chegam próximo ao meu ombro. Como tenho 1,76 m de altura, a altura das rodas
chegam a, aproximadamente, 1,40 m, são, portanto bastante expressivas.
Após
as carretas, vejo mais três prováveis transformadores colocados em linha, os
quais suponho estarem esperando para serem carregados. Faixas estão colocadas
nestes transformadores estampando o nome da empresa de destino (ou de origem),
COENSA.
Olhando
a minha esquerda, avisto a Ponte do Rio Guaíba (em direção a cidade de Guaíba)
e algumas ilhas do mesmo rio. Na minha frente mais um prédio, onde leio
Fundação Nacional de Saúde (Vigilância Sanitária), local onde funciona algum
setor deste órgão.
Logo
a minha direita existe um portão que
encontra-se aberto e dá acesso ao Caís do Porto. Ao contrário do portão
principal, neste não existem guardas nem outro tipo de segurança que dificultem
o acesso. Esta observação leva ao entendimento que existe uma “ritualização”
envolvendo o Caís no que concerne ao seu acesso, de uma forma diferenciada para “os de fora” em ralação “aos de dentro”.
Pois “os de dentro”, conhecedores das barreiras, portões e cercas de
delimitação deste espaço, certamente usariam este portão para chegarem à beira
do rio e não o principal pelo qual entrei.
Passo pelo portão e começo a percorrer a rua que é paralela ao rio, no
interior do muro da Mauá, ou seja, entre o muro e o rio.
Percorrendo
esta rua, chego ao primeiro (de uma série) ancoradouro na seqüência de quem vem
do portão principal do Caís do Porto em direção a cidade de Canoas. O primeiro
é um ancoradouro onde encontramos apenas alguns barcos de pequeno porte. Neste
local existe uma placa onde leio: “Grêmio Náutico União, Estação Fluvial Nilton
Silveira Neto, Embarque, Sede Ilha do Pavão”. Nas proximidades do prédio do
Palácio do Comércio, me deparo com a estação dos bombeiros. Na parede está
estampada os símbolos e uma mensagem (ou lema) do 3o. grupo de
bombeiros da brigada militar : “Homem do salvamento, estar seguro, trabalhar
com segurança, produzir segurança, mais do que um lema, uma filosofia em ação.”
Passo
a perceber que, em verdade, o Caís do Porto possui toda uma cultura muita
própria e muito sua. Cada ancoradouro, cada espaço ou cada ator social que aqui
atua está inserido numa lógica e numa racionalidade que para ser percebida em
sua integralidade demandaria uma investigação muito mais minuciosa e elaborada
do que por ora realizo. É um pouco óbvio o que estou afirmando, no entanto é
interessante de registrar esta minha percepção de que somente um envolvimento e
uma interação maior com este local me permitiria perceber e reconstruir a
“subjetividade portuária”, fato que nos revelaria, em detalhes, a verdadeira
dinâmica, a real estruturação, organização e normalização deste “espaço não -
urbano” da cidade de Porto Alegre.
Voltando
a descrição físico-espacial do lugar, caminhando mais um pouco, me aproximo do
prédio C3, onde leio garagem e oficina APPA - Portão 01. Atento para a cobertura da rua que estou
percorrendo que é de pedras do tipo paralelepípedo. Caminho no sentido centro
bairro (no caso Centro de Porto Alegre - Canoas) e a minha direita tenho um
trilho (o mesmo que começou o seu traçado logo na entrada do Caís) que percorre
toda a rua, decido seguir a sua trajetória, pois percebo que, apesar de estar
atualmente em desuso, este trilho já representou uma determinada dinâmica de
trabalho do Caís do Porto. Seguí-lo, ou percorrê-lo é atitude óbvia para quem
tenta perceber o que este trilho e o que este chão podem estar querendo “falar”
para quem o “escuta” (ou quem com ele dialoga). Avisto o prédio C4 que tem as
portas abertas e máquinas no seu interior, no entanto não existe movimento de
trabalhadores neste momento (viria a saber, mais tarde que o que estava ali
acondicionado era sal). Uma placa estampa a mensagem “Proibida a entrada” ao
lado deste prédio (na verdade estas placas foram encontradas em vários locais
do Caís, denotando as estratégias de contenção e normalização deste espaço,
porém nem sempre elas pareceram atuais e operantes). Percorrendo mais um trecho
da rua, chego a um outro ancoradouro (2o.) onde estão atracados navios de
grande porte, Navio Taquari, Itapuã, ...
Fiquei tão impressionado com o tamanho das embarcações que passei a
tentar quantificar o seu tamanho: eles teriam, aproximadamente, uns 10 metros
de largura e uns 30 de comprimento. Neste mesmo ancoradouro, observo várias
outras embarcações de menor porte que as três anteriores, apresentando um
péssimo estado de conservação o que permite supor até que elas estão totalmente
fora de atividade.
Continuo
caminhando, em certo momento o capim esconde os trilhos e passo a pensar se
estou seguindo a trajetória dos trilhos ou são os trilhos que acompanham a
minha caminhada ? A resposta não é minha neste momento. Avisto um outro prédio
que está mal conservado e tem escrito em suas paredes anúncios de venda de
gelo.
Me
aproximando da Elevada da Conceição, olho para o muro que separa a cidade do
Rio e percebo a “força”[2]
deste muro. É realmente um aparelho delimitador espacial que remonta a
perspectiva da percepção “intra-muros” e “extra-muro” como a que já trabalhei
em casos de realidades institucionais do estilo manicomial. Em outras palavras,
a cidade está excluída deste espaço e vice-versa, o que nos coloca claramente a
necessidade de se separar o que é urbano do “não - urbano”, ou a lógica urbana
da lógica “não - urbana”. Esta proposta de delimitação passa a existir no
Brasil a partir do século passado e está intimamente relacionada com o
movimento que aqui já mencionamos: a higienização dos aparelhos públicos. Este é um ponto (espacialidade do Caís) de
análise deste local e desta lógica local que demandaria também um esforço maior
de análise e de interação, como já havia afirmado antes. Nas proximidades da
Elevada da Conceição, observo uma espécie de portão (na extensão do muro) que
parece não ser utilizado visto a suas características de conservação e dos
capins que o entornam.
Caminhando
mais um pouco, avisto um outro prédio onde leio: Centro Integrado de
Comercialização agrícola e, novamente, Venda de Gelo. Este prédio está
desocupado e desabitado, além de mal conservado como o anterior. Ao lado do
muro encontro bastante lixo neste trecho da caminhada, parece que na medida em
que nos afastamos do portão principal do Caís do Porto aumenta o desleixo, a
sujeira, a má conservação dos prédios, inexistência de atividades nos prédios,
etc. Ou seja, na medida em que nos afastamos do “centro” deste local o que era
belo, policiado e bem cuidado agora é o oposto de tudo isso.
Chego
ao terceiro ancoradouro e observo alguns
barcos de grande porte. Uma das embarcações é parecida com as que carregam
areia, não sei exatamente o nome específico. Posso perceber, então,
mais um bloco de prédios que é o (c6), onde observo algumas caixas
garrafas de bebidas sendo transportadas. O
prédio ao lado esta aparentemente sem atividade, não tem pessoas que
circulam ou que estão trabalhando neste local. Alguns carros passam por mim e
suponho que são funcionário que, nesse momento são 11:25, estão talvez indo para de almoço. Me encontrava
agora nas proximidades da rodoviária e da elevada da Conceição. Passo a
ter a impressão que esta estrada vai
mais longe do que eu imaginei, portanto seria necessário ter uma condução para
explorá-la em toda a sua extensão.
Tenho
a minha direita o terminal do Trensurb, onde pessoas aguardam a chegada do
trem. Me parece que este seria o terminal Estação Rodoviária. Vejo dois
caminhões velhos estacionados ao lado do referido prédio. O
Trensurb acaba de chegar no terminal e as pessoas que o aguardavam passam a
trafegar nele. Neste momento, passo por cima dos trilhos que eu
estava acompanhando, (ou dos trilhos que acabaram por definir a minha
trajetória, ou trilhos me trouxeram até aqui, ou ...) ou seja eles cruzaram a
rua em direção ao rio. Neste momento fico admirado com o que estou vendo: uma caminhão, do tipo tombadeira, estaciona
ao lado do prédio C6, operários colocam
caixas de garrafas de vidro neste caminhão e ficam quebrando as
garrafas. Parece que garrafas de
vidros realmente não são mais importante,
pois estão quebrando e colocando dentro da tombadeira. Hoje, a hegemonia dos
recipientes para acondicionamento de refrigerantes é do plástico.
Sinto
a necessidade e a curiosidade de adentrar e explorar mais essa estrada que
continua a minha frente, porém vou retornar, até porque os trilhos me trouxeram até aqui. Neste momento acontece
algo muito interessante: vejo um funcionário, um senhor de aproximadamente 60
anos, sair do prédio onde os operários quebravam as garrafas e decido passar a
caminhar ao seu lado conversando com ele (em direção ao portão principal do
Caís, ou seja, retornando), a fim de conhecê-lo e, ao mesmo tempo, conseguir
algumas informações sobre a dinâmica do Caís que até então se apresentavam como uma incógnita para mim. Foi
um diálogo curto, porém muito interessante, pois o contato direto com um ator
social local foi imprescindível para percebermos alguns detalhes da organização
e da espacialização do Caís.
Sanislau,
trabalhador do porto a mais de 30 anos, falou-me das suas percepções a cerca da
situação atual do Caís, da existência do Muro da Mauá, das lembranças da
enchente de 1941, entre outras coisas. Sobre a questão do muro, ele afirmou que
“o muro matou o caís, olha isso aí, tudo parado ! Antes o movimento era grande, havia muito
trabalho, (...)”.
Nas
suas palavras, são claras as construções mnemônicas sobre as transformações
negativas, segundo o seu ponto de vista, que a construção do muro da Mauá
trouxe para as dinâmicas do Caís do Porto, reportando e relacionando a situação
atual com um tempo de pujança e de
intensa atividade portuária, anterior à
construção do muro. Além disso, a sua fala traz um veio de esperança, no
sentido da possibilidade de que haja um retorno ao período áureo do Caís, a um
passado promissor que reconstrói na sua memória, verbalizando: “Parece que vão
derrubar isso daí (aponta para o muro)”.
Perguntado
sobre a enchente de 1941, Sanislau afirma: “Foi coisa feia meu filho. A água ia
lá na Rua da Praia. Eu estava aqui e vi tudo.”
Mas, quando questiono-o sobre a possibilidade da ocorrência de uma nova
enchente na cidade, semelhante a de 1941, a qual justificaria a existência do
muro como proteção, irônico ela afirma: “É, ‘eles’ estão esperando uma outra
enchente daquelas a mais de 50 anos.”
Externa assim uma posição pessoal clara sobre a não funcionalidade do
muro como proteção da cidade em caso de enchentes e sim como um dispositivo que
interrompeu o desenvolvimento das atividades portuárias.
Na
sua integra, foi uma conversa muito interessante de, aproximadamente, 20
minutos com seu Sanislau que, como outros antigos funcionários do Caís do
Porto, integra o grupo dos maiores guardiões da memória deste lugar tão
significativo para a constituição da cidade de Porto Alegre. Dentro do esforço
de um trabalho etnográfico, recuperar esta memória e reconstruir o “edifício
das memórias coletivas” (JEUDY, 1986) destes guardiões é a atividade que nos
possibilitará avançar no entendimento da relação dos porto-alegrenses com o seu
rio.
BIBLIOGRAFIA
1. COSTA,
Elmar Bones da. História Ilustrada de Porto Alegre. Porto Alegre : Ed. Já
Editores, 1997.
2.
ECKERT, Cornelia. Antropologia do Cotidiano e Estudo
das Sociabilidades a Partir das Feições do Medo e das Crises na Vida
Metropolitana. Porto Alegre: UFRGS. Projeto de Pesquisa, 1997.
3.
FRANCO, Sérgio da Costa. Guia Histórico de Porto
Alegre. Porto Alegre: Ed. da Universidade / PMPA, 1988.
4.
________ , ___________ . Porto Alegre e Seu Comércio.
Porto Alegre: Ed. Associação Comercial de Porto Alegre, 1983.
5.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de
Janeiro: Ed. Zahar, 1978.
6.
NORBERG-SCHULZ, Christian. Nuevos Caminhos De La
Arquitectura - Existencia, Espacio y Arquitectura. Barcelona: Ed. Blume, 1975.
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