LOUIS DUMONT
Sociólogo e
etnólogo francês, nascido em 1911. Doutor em Letras. Diretor de estudos à
L'EHESS.
Linha de Pesquisa:
Estudo comparativo do sistema de idéias e de valores característicos das
sociedades modernas.
O essencial dos
trabalhos de Louis Dumont tem por fulcro a sociedade indiana, e mais
particularmente, os problemas do parentesco, das castas, da religião e das
mudanças sociais.
A teoria da
hierarquia de Dumont nasce tanto do esforço de compreender o sistema de castas
indiano quanto compará-lo com o modelo de PESSOA da sociedade ocidental
moderna, a qual supõe culturalmente estruturada a partir do valor axial
INDIVÍDUO. A categoria “indivíduo” passa a ser posta em perspectiva a partir
deste estudo do sistema de castas hindu (H.H). Neste sistema, segundo Dumont, o
indivíduo (na acepção ocidental de sujeito moral, dotado dos atributos de
igualdade e livre autonomia da vontade)não tem um valor hierarquicamente
preeminente mas sim a totalidade social e cósmica em que os indivíduos
empíricos se inserem. Dumont conclui que subjaz ao sistema de castas hindu uma
lógica hierárquica em operação cuja face mais visível é o chamado holismo ou ideologia
da preeminência do todo sobre as partes e não uma lógica igualitária, cujo
modelo ideológico mais acabado coincide, a seu juízo, com o individualismo
ocidental moderno.
A hierarquia é a
operação lógica de juntar os diferentes, sendo lógica e ontológicamente
anterior aos modelos sociais concretos que a ilustram, estes comprometidos com
um plano descritivo remetido a uma ordem ideo-lógica (no sentido dumontiano de
uma lógica das idéias e não no sentido de falsa consciência, derivado da
tradição marxista).
Esta ontologia se
explicita numa espécie de lógica inconsciente de ordenação hierárquica da
relação entre o todo e as partes, para então funcionar como um modelo cuja
serventia é nortear as descrições e interpretações etnográficas.
Duarte aponta os dois
grandes núcleos polêmicos da reflexão de Dumont, a distinção
holismo/individualismo e a teoria da hierarquia.
Os três postulados:
1) Oposição entre
todo e parte: supõe uma relação básica entre pólo englobante e pólo englobado
da oposição.
2) Bidimensionalidade:
para haver hierarquia é preciso haver uma distinção mínima entre dois níveis, o
superior (unidade) e o inferior (distinção), sendo que os níveis só fazem
sentido no interior de uma totalidade.
3) Hierarquia de
níveis: cada totalidade só faz sentido no interior da vida social.
Contrariamente à
tradição aristotélica, em que os termos das oposições são dotados de igual
valor, a chamada oposição hierárquica prevê que os termos das oposições se
diferenciem justamente pelo valor, funcionando como pólos simbólicos
diferenciais no seio de uma totalidade determinada.
Exemplo: O mito
bíblico de Adão e Eva. Eva nasce de uma parte de Adão, fundando-se a oposição
entre masculino e feminino como hierárquica. Nesta totalidade a oposição
Adão/masculino X Eva/feminino (nível inferior-distinção) é englobada pelo nível
superior em que Adão/masculino se identifica com o conjunto da humanidade, ou
seja é o valor que representa a totalidade.
A preeminência do
todo sobre as partes, no âmbito desta dinâmica de níveis é complementada pelas
temáticas do valor e da situação. O valor representa o elemento simbólico que
funda a oposição hierárquica, em nome do qual se realiza o englobamento das
partes. Este tem seu modelo abstrato na preeminência hierárquica da totalidade
como valor no sistema de castas indiano, o qual desemboca na supracitada
ideologia holista. Não só o todo pode ser um valor mas também o Indivíduo, a
Família, o Trabalho, a Nação, a Revolução, etc. dependendo da contextualização
etnográfica em consideração.
Situação significa
que uma totalidade, assim como os próprios valores que a instauram, é acionada
em contextos determinados e, nesse sentido, que o próprio recorte do
antropólogo não escapa a esta propriedade de situação. Segundo Duarte, situação
se opõe à substância, servindo para dessubstantivar as totalidades vividas como
naturais ou substantivas pelos sujeitos sociais através da remessa analítica a
uma origem simbólico-valorativa. Desse modo, a “propriedade de situação”
implica que os objetos sociológicos eleitos para a análise (classes, grupos,
família, nações, e assim por diante) devam sua concretude mais a efeitos de
substantividade ensejados pelas atualizações de sistema simbólico-valorativos
que a algum tipo de realidade ontológica natural.
Para Dumont o
fenômeno hierárquico é universal. Mesmo em sociedades em que predomina a
configuração individualista de valores, o princípio hierárquico de ordenação é
predominante, ainda que inconsciente. Neste último caso, duas características
são ressaltadas por Dumont: uma, que a sociedade ocidental moderna é a única
que dissocia FATOS e VALORES, outra, que nesta sociedade se constata um
paradoxo: no plano de sua ideo-logia, a PARTE (indivíduo erigido em valor
axial) engloba o TODO (a sociedade como totalidade) fundando o que Dumont
denomina de ideologia anti-sociológica.
Louis Dumont
interpreta a sociedade indiana como fundamentalmente tributária da ideologia. É
na referência aos dados ideológicos, à religião, ao sistema de crenças, que se
organiza a vida social e se constitui os grupos. Neste sentido, Louis Dumont
opõem-se à explicação marxista pelo econômico. A sua obra la Civilisation indienne et nous (Paris, Colin, 1964) apresenta-se assim como um ensaio de refutação
da teoria de Marx que ele considera inadequada para entender a sociedade
indiana. A casta é aí definida não numa perspectiva econômica, mas enquanto
sistema de idéias e de valores.
Retomando os três
princípios de Célestin Bouglé que regem o sistema das castas - separação,
hierarquia e interdependência dos grupos sociais -, Dumont redu-los a um
princípio organizador geral: a oposição religiosa do puro e do impuro.
Semelhante discriminação, fundadora, no plano social, da desigualdade dos
grupos, não constitui estes num estilo antagônico que define para numerosos
sociólogos a natureza das sociedades industriais, mas no de uma
complementaridade funcional. A sociedade indiana é assim feita de duas metades
desiguais mas complementares. Com efeito, os intocáveis não estão situados fora
da sociedade religiosa na medida em que a execução das tarefas impuras por eles
levada a cabo é necessária à manutenção da pureza nas outras castas.
Ilustrando o método
de Lévi-Strauss aplicado ao estudo dos sistemas de parentesco, Dumont
estabelece igualmente o primeiro sistema de explicação do parentesco na Índia
Meridional cuja coerência quase matemática ele revela.
Esta abordagem
estruturalista estende-se à captação da sociedade indiana no seu todo: o puro e
o impuro dividem-na em castas, quer dizer, num grande número de grupos
permanentes que são ao mesmo tempo especializados, hierarquizados e separados
uns relativamente aos outros (em matéria de casamento, de alimentação, de
contato). Esta oposição fundamental segmenta-se indefinidamente constituindo
subcastas, mas a realidade conceptual do sistema reside na oposição em si mesma
e não nos grupos que ela opõe. Sendo assim, não se pode afirmar estar diante de
seres ou de essências, mas, em verdade, de sistema de relações.
CASTA: O termo
casta, de origem ibérica, é empregue pelos espanhóis no sentido de raça, pelos
portugueses no sentido de tribo, e designa "algo não misturado".
Littré mantém a mesma confusão definindo as castas indianas como "cada uma
das tribos nas quais a sociedade da Índia esta repartida". () A realidade
é mais complexa. Na Índia, a palavra casta designa varias coisas:
- as quatro
categorias (varnas) sobre as quais assenta a hierarquia tradicional: sacerdotes
(brâmanes), guerreiros (chátrias), mercadores e cultivadores (vaisias),
seroctores (sudras; artifices-operarios);
- os conjuntos de
indivíduos que se dedicam a uma mesma ocupação tradicional e são muitas vezes
nomeados pelo mesmo patronímico;
- os grupos
profissionais (muitos deles são modernos) que se consideram eles próprios como
castas;
- Enfim, os jati, castas no sentido próprio, também
chamados subcastas, que formam grupos hereditários, endógamos, localizados,
hierarquizados e se consagram a uma atividade definida. Bouglé foi um dos
primeiros a ter o mérito de caracterizar a noção de casta: "repulsão, hierarquia,
especialização hereditária, o espírito de casta reúne estas três tendências.
Convém retê-las todas se quisermos obter uma definição completa do regime das
castas. Diremos que uma sociedade se acha submetida a tal regime se ela estiver
dividida num grande número de grupos hereditariamente especializados,
hierarquicamente sobrepostos e mutuamente opostos, se ela não tolerar, em
principio, nem filhos da fortuna, nem mestiços, nem trânsfugas da profissão, se
ela se opuser ao mesmo tempo às misturas de sangue, às conquistas de posição e
às mudanças de ofícios".
Aplicam-se aos jati dois princípios de hierarquia. Por
um lado, eles ordenam-se segundo o seu grau de pureza ritual. A oposição 'puro'
(castas superiores), 'impuro' (castas inferiores) é efetivamente, segundo a
expressão de Dumont, "o principio ideológico do sistema"; a
hierarquia é portanto de natureza religiosa, não esquecendo, porém, que as
castas impuras são, além disso, reputadas 'bárbaras' e congregam pessoas sem
qualidade ("malnascidas"), sendo as castas superiores, ao invés, as
que agrupam indivíduos 'civilizados' e 'bem-nascidos'.
Por outro lado, os jati são classificados, em harmonia com
o seu estatuto político-econômico, segundo a ordem decrescente dos estatutos;
Leach distingue os grandes proprietários fundiários (inviasdar), os rendeiros
livres, os rendeiros adstritos à terra, os camponeses sem terra. Os camponeses
sem terra e os rendeiros adstritos recrutam-se sobretudo entre os intocáveis,
ao passo que os ricos proprietários pertencem às castas puras. Existe por
conseguinte uma certa correspondência entre os dois princípios de
estratificação.
Leach mostrou
igualmente que a distribuição das castas podia apreender-se através de um
esquema binário, principio de inclusäo-exclusäo (não é possível pertencer senão
a uma única casta); principio de superioridade (oposição dos superiores, ou
"duas vezes nascidos", e dos inferiores); principio de pureza
(oposição sacerdotes-laicos); principio de especialização funcional (oposição
principe-mercador)... A desigualdade inata e definitiva das castas, a aceitação
inevitável da vodaçäo de casta (britti),
a submissão ao destino (karma), fazem
deste sistema o modelo da pura hierarquia.
(AKOUN,A. Dic. Antropologia.
Lisboa, Verbo).
DUMONT,
Louis. O Individualismo
A sociedade ocidental moderna é a única que
dissocia FATOS E VALORES
nesta sociedade se constata um paradoxo: no
plano de sua ideo-logia a parte (o indivíduo erigido em valor axial) engloba o
todo (a sociedade como totalidade) fundando o que Dumont denomina de Ideologia
anti-sociológica.
TEORIA DA HIERARQUIA é um fenômeno universal
Dumont - influência na Antropologia
Brasileira: Da Matta, Gilberto Velho, Duarte
Estudo do sistema de castas hindu -
Indivíduo - não tem valor hierarquicamente preeminente mas sim a totalidade
social e cósmica em que os indivíduos empíricos se inserem. Subjaz uma lógica
hierárquica em operação.
Holismo - ideologia da preeminência do todo
sobre as partes
Modelo da pessoa na sociedade ocidental -
Indivíduo - sujeito moral do todo de atributos de igualdade e livre autonomia
da vontade - lógica igualitária - ideologia da sociedade moderna
DUMONT, Louis (1911)
Doutor em letras.
Diretor de estudos à EHESS
Estudo comparativo
do sistema de idéias e de valores característicos das sociedades modernas.
Sociólogo e
etnólogo francês, nascido em 1911. O essencial dos trabalhos de Louis Dumont
tem por fulcro a sociedade indiana e, mais particularmente, os problemas do
parentesco, das castas, da religião e das mudanças sociais.
Luis Dumont
interpreta a sociedade indiana como fundamentalmente tributária da ideologia. É
na referência aos dados ideológicos, à religião aos sistema de crenças, que se
organiza a vida social e se constituem os grupos. Neste sentido, Louis Dumont opõe
à explicação marxista pelo econômico. A sua obra la civilisation indienne et nous: esquisse de sociologi comparée
(Paris, Colin, 1964) apresenta-se assim como um ensaio de refutação da
teoria de Marx que ele considera inadequada para entender a sociedade indiana.
A casta é aí definida não numa perspectiva econômica, mas enquanto sistema de
idéias e de valores.
Retomando os três
princípios de Célestin Bouglé que regem o sistema das castas - separação,
hierarquia e interdependência dos grupos sociais -, Dumont redu-los a um
princípio organizador geral: a oposição religiosa do puro e do impuro.
Semelhante discriminação, fundadora, no plano social, da desigualdade dos
grupos, não constitui estes num estilo antagônico como essoutro que define para
numerosos sociólogos a natureza das sociedades industriais, mas no de uma
complementaridade funcional. A sociedade indiana é assim feita de "duas
metades desiguais mas complementares". Com efeito, os intocáveis (na
Índia, fora de casta, pária; o fato de o tocar constitui mácula) não estão
situados fora da sociedade religiosa na medida em que a execução das tarefas
impuras Po eles levada a cabo é necessária à manutenção da pureza nas outras
castas.
Ilustrando o método
de Lévi-Strauss aplicado ao estudo dos sistemas de parentesco, Dumont
restabelece igualmente o primeiro sistema de explicação do parentesco na Índia
Meridional cuja coerência quase matemática ele revela.
Esta abordagem
estruturalista estende-se à captação da sociedade indiana no seu todo: o puro e
o impuro dividem-na em castas, quer dizer, num grande número de grupos
permanentes que são ao mesmo passo especializados, hierarquizados e separados
uns relativamente aos outros (em matéria de casamento, de alimentação, de
contato...). Esta oposição fundamental segmenta-se indefinidamente constituindo
subcastas, mas a realidade conceptual do sistema reside na oposição em si mesma
e não nos grupos que ela opõe. Sendo assim, não se pode afirmar estar diante de
seres ou de essências, mas, em verdade, de sistemas de relações.
CASTA
O temo casta, de
origem ibérica, é empregue pelos espanhóis no sentido de raça, pelos
portugueses no sentido de tribo, e designa "algo não misturado".
Littré mantém a mesma confusão definindo as castas indianas como "cada uma
das tribos nas quais a sociedade da Índia esta repartida". () A realidade
é mais complexa. Na Índia, a palavra casta designa varias coisas:
- as quatro
categorias (varnas) sobre as quais assenta a hierarquia tradicional: sacerdotes
(brâmanes), guerreiros (chátrias), mercadores e cultivadores (vaisias),
seroctores (sudras; artifices-operarios);
- os conjuntos de
indivíduos que se dedicam a uma mesma ocupação tradicional e são muitas vezes
nomeados pelo mesmo patronímico;
- os grupos
profissionais (muitos deles são modernos) que se consideram eles próprios como
castas;
- Enfim, os jati, castas no sentido próprio, também
chamados subcastas, que formam grupos hereditários, endógamos, localizados,
hierarquizados e se consagram a uma atividade definida. Bouglé foi um dos
primeiros a ter o mérito de caracterizar a noção de casta: "repulsão,
hierarquia, especialização hereditária, o espirito de casta reúne estas três
tendências. Convém retê-las todas se quisermos obter uma definição completa do
regiem das castas. Diremos que uma sociedade se acha submetida a tal regime se
ela estiver dividida num grande número de grupos hereditariamente
especializados, hierarquicamente sobrepostos e mutuamente opostos, se ela não
tolerar, em principio, nem filhos da fortuna, nem mestiços, nem trânsfugas da
profissão, se ela se opuser ao mesmo tempo às misturas de sangue, às conquistas
de posição e às mudanças de ofícios".
Aplicam-se aos jati dois princípios de hierarquia. Por
um lado, eles ordenam-se segundo o seu grau de pureza ritual. A oposição 'puro'
(castas superiores), 'impuro' (castas inferiores) é efetivamente, segundo a
expressão de Dumont, "o principio ideológico do sistema"; a
hierarquia é portanto de natureza religiosa, não esquecendo, porém, que as
castas impuras são, além disso, reputadas 'bárbaras' e congregam pessoas sem
qualidade ("malnascidas"), sendo as castas superiores, ao invés, as
que agrupam indivíduos 'civilizados' e 'bem-nascidos'.
Por outro lado, os jati são classificados, em harmonia com
o seu estatuo politico-econômico, segundo a ordem decrescendo dos estatutos;
Leach distingue os grandes proprietários fundiários (inviasdar), os rendeiros
livres, os rendeiros adstritos à terra, os camponeses sem terra. Os camponeses
sem terá e os rendeiros adstritos recrutam-se sobretudo entre os intocáveis, ao
passo que os ricos proprietários pertencem às castas puras. Existe por
conseguinte uma certa correspondência entre os dois princípios de
estratificação.
Leach mostrou
igualmente que a distribuição das castas podia apreender-se através de um
esquema binário, principio de inclusäo-exclusäo (não é possível pertencer senão
a uma única casta); principio de superioridade (oposição dos superiores, ou
"duas vezes nascidos", e dos inferiores); principio de pureza (oposição
sacerdotes-laicos); principio de especialização funcional (oposição
principe-mercador)... A desigualdade inata e definitiva das castas, a aceitação
inevitável da vodaçäo de casta (britti),
a submissão ao destino (karma), fazem
deste sistema o modelo da pura hierarquia.
DA INDIA A AFRICA
Reencontramos o
sistema das castas, embora com uma sistematização menos aprofundada, em certas
populações da África Negra. Assim, o toucouleur do Senegal opõe os rimbe ou homens livres, que incluem os gorobbe (aristocracia religiosa), os jaawambe (cortesão, conselheiros,
comerciantes), os sebbe
(agricultores, criadores de gado), os subalbe
(pescadores), aos nyeenybe (ou
artífices, tecelões, sapateiros, ferreiros, ourives, trabalhadores da madeira)
e griots (cantadores, músicos, trovadores)
e aos jyaabe que agrupam os soottiibe libertos e os halfaabe ou dependentes (escravos,
servidores).
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