terça-feira, 27 de outubro de 2015

Dumont

LOUIS DUMONT

Sociólogo e etnólogo francês, nascido em 1911. Doutor em Letras. Diretor de estudos à L'EHESS.
Linha de Pesquisa: Estudo comparativo do sistema de idéias e de valores característicos das sociedades modernas.
O essencial dos trabalhos de Louis Dumont tem por fulcro a sociedade indiana, e mais particularmente, os problemas do parentesco, das castas, da religião e das mudanças sociais.
A teoria da hierarquia de Dumont nasce tanto do esforço de compreender o sistema de castas indiano quanto compará-lo com o modelo de PESSOA da sociedade ocidental moderna, a qual supõe culturalmente estruturada a partir do valor axial INDIVÍDUO. A categoria “indivíduo” passa a ser posta em perspectiva a partir deste estudo do sistema de castas hindu (H.H). Neste sistema, segundo Dumont, o indivíduo (na acepção ocidental de sujeito moral, dotado dos atributos de igualdade e livre autonomia da vontade)não tem um valor hierarquicamente preeminente mas sim a totalidade social e cósmica em que os indivíduos empíricos se inserem. Dumont conclui que subjaz ao sistema de castas hindu uma lógica hierárquica em operação cuja face mais visível é o chamado holismo ou ideologia da preeminência do todo sobre as partes e não uma lógica igualitária, cujo modelo ideológico mais acabado coincide, a seu juízo, com o individualismo ocidental moderno.
A hierarquia é a operação lógica de juntar os diferentes, sendo lógica e ontológicamente anterior aos modelos sociais concretos que a ilustram, estes comprometidos com um plano descritivo remetido a uma ordem ideo-lógica (no sentido dumontiano de uma lógica das idéias e não no sentido de falsa consciência, derivado da tradição marxista).
Esta ontologia se explicita numa espécie de lógica inconsciente de ordenação hierárquica da relação entre o todo e as partes, para então funcionar como um modelo cuja serventia é nortear as descrições e interpretações etnográficas.
Duarte aponta os dois grandes núcleos polêmicos da reflexão de Dumont, a distinção holismo/individualismo e a teoria da hierarquia.
Os três postulados:
1) Oposição entre todo e parte: supõe uma relação básica entre pólo englobante e pólo englobado da oposição.
2) Bidimensionalidade: para haver hierarquia é preciso haver uma distinção mínima entre dois níveis, o superior (unidade) e o inferior (distinção), sendo que os níveis só fazem sentido no interior de uma totalidade.
3) Hierarquia de níveis: cada totalidade só faz sentido no interior da vida social.
Contrariamente à tradição aristotélica, em que os termos das oposições são dotados de igual valor, a chamada oposição hierárquica prevê que os termos das oposições se diferenciem justamente pelo valor, funcionando como pólos simbólicos diferenciais no seio de uma totalidade determinada.
Exemplo: O mito bíblico de Adão e Eva. Eva nasce de uma parte de Adão, fundando-se a oposição entre masculino e feminino como hierárquica. Nesta totalidade a oposição Adão/masculino X Eva/feminino (nível inferior-distinção) é englobada pelo nível superior em que Adão/masculino se identifica com o conjunto da humanidade, ou seja é o valor que representa a totalidade.
A preeminência do todo sobre as partes, no âmbito desta dinâmica de níveis é complementada pelas temáticas do valor e da situação. O valor representa o elemento simbólico que funda a oposição hierárquica, em nome do qual se realiza o englobamento das partes. Este tem seu modelo abstrato na preeminência hierárquica da totalidade como valor no sistema de castas indiano, o qual desemboca na supracitada ideologia holista. Não só o todo pode ser um valor mas também o Indivíduo, a Família, o Trabalho, a Nação, a Revolução, etc. dependendo da contextualização etnográfica em consideração.
Situação significa que uma totalidade, assim como os próprios valores que a instauram, é acionada em contextos determinados e, nesse sentido, que o próprio recorte do antropólogo não escapa a esta propriedade de situação. Segundo Duarte, situação se opõe à substância, servindo para dessubstantivar as totalidades vividas como naturais ou substantivas pelos sujeitos sociais através da remessa analítica a uma origem simbólico-valorativa. Desse modo, a “propriedade de situação” implica que os objetos sociológicos eleitos para a análise (classes, grupos, família, nações, e assim por diante) devam sua concretude mais a efeitos de substantividade ensejados pelas atualizações de sistema simbólico-valorativos que a algum tipo de realidade ontológica natural.
Para Dumont o fenômeno hierárquico é universal. Mesmo em sociedades em que predomina a configuração individualista de valores, o princípio hierárquico de ordenação é predominante, ainda que inconsciente. Neste último caso, duas características são ressaltadas por Dumont: uma, que a sociedade ocidental moderna é a única que dissocia FATOS e VALORES, outra, que nesta sociedade se constata um paradoxo: no plano de sua ideo-logia, a PARTE (indivíduo erigido em valor axial) engloba o TODO (a sociedade como totalidade) fundando o que Dumont denomina de ideologia anti-sociológica.
Louis Dumont interpreta a sociedade indiana como fundamentalmente tributária da ideologia. É na referência aos dados ideológicos, à religião, ao sistema de crenças, que se organiza a vida social e se constitui os grupos. Neste sentido, Louis Dumont opõem-se à explicação marxista pelo econômico. A sua obra la Civilisation indienne et nous (Paris, Colin, 1964) apresenta-se assim como um ensaio de refutação da teoria de Marx que ele considera inadequada para entender a sociedade indiana. A casta é aí definida não numa perspectiva econômica, mas enquanto sistema de idéias e de valores.
Retomando os três princípios de Célestin Bouglé que regem o sistema das castas - separação, hierarquia e interdependência dos grupos sociais -, Dumont redu-los a um princípio organizador geral: a oposição religiosa do puro e do impuro. Semelhante discriminação, fundadora, no plano social, da desigualdade dos grupos, não constitui estes num estilo antagônico que define para numerosos sociólogos a natureza das sociedades industriais, mas no de uma complementaridade funcional. A sociedade indiana é assim feita de duas metades desiguais mas complementares. Com efeito, os intocáveis não estão situados fora da sociedade religiosa na medida em que a execução das tarefas impuras por eles levada a cabo é necessária à manutenção da pureza nas outras castas.
Ilustrando o método de Lévi-Strauss aplicado ao estudo dos sistemas de parentesco, Dumont estabelece igualmente o primeiro sistema de explicação do parentesco na Índia Meridional cuja coerência quase matemática ele revela.
Esta abordagem estruturalista estende-se à captação da sociedade indiana no seu todo: o puro e o impuro dividem-na em castas, quer dizer, num grande número de grupos permanentes que são ao mesmo tempo especializados, hierarquizados e separados uns relativamente aos outros (em matéria de casamento, de alimentação, de contato). Esta oposição fundamental segmenta-se indefinidamente constituindo subcastas, mas a realidade conceptual do sistema reside na oposição em si mesma e não nos grupos que ela opõe. Sendo assim, não se pode afirmar estar diante de seres ou de essências, mas, em verdade, de sistema de relações.
CASTA: O termo casta, de origem ibérica, é empregue pelos espanhóis no sentido de raça, pelos portugueses no sentido de tribo, e designa "algo não misturado". Littré mantém a mesma confusão definindo as castas indianas como "cada uma das tribos nas quais a sociedade da Índia esta repartida". () A realidade é mais complexa. Na Índia, a palavra casta designa varias coisas:
- as quatro categorias (varnas) sobre as quais assenta a hierarquia tradicional: sacerdotes (brâmanes), guerreiros (chátrias), mercadores e cultivadores (vaisias), seroctores (sudras; artifices-operarios);
- os conjuntos de indivíduos que se dedicam a uma mesma ocupação tradicional e são muitas vezes nomeados pelo mesmo patronímico;
- os grupos profissionais (muitos deles são modernos) que se consideram eles próprios como castas;
- Enfim, os jati, castas no sentido próprio, também chamados subcastas, que formam grupos hereditários, endógamos, localizados, hierarquizados e se consagram a uma atividade definida. Bouglé foi um dos primeiros a ter o mérito de caracterizar a noção de casta: "repulsão, hierarquia, especialização hereditária, o espírito de casta reúne estas três tendências. Convém retê-las todas se quisermos obter uma definição completa do regime das castas. Diremos que uma sociedade se acha submetida a tal regime se ela estiver dividida num grande número de grupos hereditariamente especializados, hierarquicamente sobrepostos e mutuamente opostos, se ela não tolerar, em principio, nem filhos da fortuna, nem mestiços, nem trânsfugas da profissão, se ela se opuser ao mesmo tempo às misturas de sangue, às conquistas de posição e às mudanças de ofícios".
Aplicam-se aos jati dois princípios de hierarquia. Por um lado, eles ordenam-se segundo o seu grau de pureza ritual. A oposição 'puro' (castas superiores), 'impuro' (castas inferiores) é efetivamente, segundo a expressão de Dumont, "o principio ideológico do sistema"; a hierarquia é portanto de natureza religiosa, não esquecendo, porém, que as castas impuras são, além disso, reputadas 'bárbaras' e congregam pessoas sem qualidade ("malnascidas"), sendo as castas superiores, ao invés, as que agrupam indivíduos 'civilizados' e 'bem-nascidos'.
Por outro lado, os jati são classificados, em harmonia com o seu estatuto político-econômico, segundo a ordem decrescente dos estatutos; Leach distingue os grandes proprietários fundiários (inviasdar), os rendeiros livres, os rendeiros adstritos à terra, os camponeses sem terra. Os camponeses sem terra e os rendeiros adstritos recrutam-se sobretudo entre os intocáveis, ao passo que os ricos proprietários pertencem às castas puras. Existe por conseguinte uma certa correspondência entre os dois princípios de estratificação.
Leach mostrou igualmente que a distribuição das castas podia apreender-se através de um esquema binário, principio de inclusäo-exclusäo (não é possível pertencer senão a uma única casta); principio de superioridade (oposição dos superiores, ou "duas vezes nascidos", e dos inferiores); principio de pureza (oposição sacerdotes-laicos); principio de especialização funcional (oposição principe-mercador)... A desigualdade inata e definitiva das castas, a aceitação inevitável da vodaçäo de casta (britti), a submissão ao destino (karma), fazem deste sistema o modelo da pura hierarquia.     (AKOUN,A. Dic. Antropologia. Lisboa, Verbo).

DUMONT, Louis. O Individualismo

A sociedade ocidental moderna é a única que dissocia FATOS E VALORES
nesta sociedade se constata um paradoxo: no plano de sua ideo-logia a parte (o indivíduo erigido em valor axial) engloba o todo (a sociedade como totalidade) fundando o que Dumont denomina de Ideologia anti-sociológica.
TEORIA DA HIERARQUIA  é um fenômeno universal
Dumont - influência na Antropologia Brasileira: Da Matta, Gilberto Velho, Duarte
Estudo do sistema de castas hindu - Indivíduo - não tem valor hierarquicamente preeminente mas sim a totalidade social e cósmica em que os indivíduos empíricos se inserem. Subjaz uma lógica hierárquica em operação.
Holismo - ideologia da preeminência do todo sobre as partes
Modelo da pessoa na sociedade ocidental - Indivíduo - sujeito moral do todo de atributos de igualdade e livre autonomia da vontade - lógica igualitária - ideologia da sociedade moderna
DUMONT, Louis  (1911)
Doutor em letras. Diretor de estudos à EHESS
Estudo comparativo do sistema de idéias e de valores característicos das sociedades modernas.
Sociólogo e etnólogo francês, nascido em 1911. O essencial dos trabalhos de Louis Dumont tem por fulcro a sociedade indiana e, mais particularmente, os problemas do parentesco, das castas, da religião e das mudanças sociais.
Luis Dumont interpreta a sociedade indiana como fundamentalmente tributária da ideologia. É na referência aos dados ideológicos, à religião aos sistema de crenças, que se organiza a vida social e se constituem os grupos. Neste sentido, Louis Dumont opõe à explicação marxista pelo econômico. A sua obra la civilisation indienne et nous: esquisse de sociologi comparée (Paris, Colin, 1964) apresenta-se assim como um ensaio de refutação da teoria de Marx que ele considera inadequada para entender a sociedade indiana. A casta é aí definida não numa perspectiva econômica, mas enquanto sistema de idéias e de valores.
Retomando os três princípios de Célestin Bouglé que regem o sistema das castas - separação, hierarquia e interdependência dos grupos sociais -, Dumont redu-los a um princípio organizador geral: a oposição religiosa do puro e do impuro. Semelhante discriminação, fundadora, no plano social, da desigualdade dos grupos, não constitui estes num estilo antagônico como essoutro que define para numerosos sociólogos a natureza das sociedades industriais, mas no de uma complementaridade funcional. A sociedade indiana é assim feita de "duas metades desiguais mas complementares". Com efeito, os intocáveis (na Índia, fora de casta, pária; o fato de o tocar constitui mácula) não estão situados fora da sociedade religiosa na medida em que a execução das tarefas impuras Po eles levada a cabo é necessária à manutenção da pureza nas outras castas.
Ilustrando o método de Lévi-Strauss aplicado ao estudo dos sistemas de parentesco, Dumont restabelece igualmente o primeiro sistema de explicação do parentesco na Índia Meridional cuja coerência quase matemática ele revela.
Esta abordagem estruturalista estende-se à captação da sociedade indiana no seu todo: o puro e o impuro dividem-na em castas, quer dizer, num grande número de grupos permanentes que são ao mesmo passo especializados, hierarquizados e separados uns relativamente aos outros (em matéria de casamento, de alimentação, de contato...). Esta oposição fundamental segmenta-se indefinidamente constituindo subcastas, mas a realidade conceptual do sistema reside na oposição em si mesma e não nos grupos que ela opõe. Sendo assim, não se pode afirmar estar diante de seres ou de essências, mas, em verdade, de sistemas de relações.
CASTA
O temo casta, de origem ibérica, é empregue pelos espanhóis no sentido de raça, pelos portugueses no sentido de tribo, e designa "algo não misturado". Littré mantém a mesma confusão definindo as castas indianas como "cada uma das tribos nas quais a sociedade da Índia esta repartida". () A realidade é mais complexa. Na Índia, a palavra casta designa varias coisas:
- as quatro categorias (varnas) sobre as quais assenta a hierarquia tradicional: sacerdotes (brâmanes), guerreiros (chátrias), mercadores e cultivadores (vaisias), seroctores (sudras; artifices-operarios);
- os conjuntos de indivíduos que se dedicam a uma mesma ocupação tradicional e são muitas vezes nomeados pelo mesmo patronímico;
- os grupos profissionais (muitos deles são modernos) que se consideram eles próprios como castas;
- Enfim, os jati, castas no sentido próprio, também chamados subcastas, que formam grupos hereditários, endógamos, localizados, hierarquizados e se consagram a uma atividade definida. Bouglé foi um dos primeiros a ter o mérito de caracterizar a noção de casta: "repulsão, hierarquia, especialização hereditária, o espirito de casta reúne estas três tendências. Convém retê-las todas se quisermos obter uma definição completa do regiem das castas. Diremos que uma sociedade se acha submetida a tal regime se ela estiver dividida num grande número de grupos hereditariamente especializados, hierarquicamente sobrepostos e mutuamente opostos, se ela não tolerar, em principio, nem filhos da fortuna, nem mestiços, nem trânsfugas da profissão, se ela se opuser ao mesmo tempo às misturas de sangue, às conquistas de posição e às mudanças de ofícios".
Aplicam-se aos jati dois princípios de hierarquia. Por um lado, eles ordenam-se segundo o seu grau de pureza ritual. A oposição 'puro' (castas superiores), 'impuro' (castas inferiores) é efetivamente, segundo a expressão de Dumont, "o principio ideológico do sistema"; a hierarquia é portanto de natureza religiosa, não esquecendo, porém, que as castas impuras são, além disso, reputadas 'bárbaras' e congregam pessoas sem qualidade ("malnascidas"), sendo as castas superiores, ao invés, as que agrupam indivíduos 'civilizados' e 'bem-nascidos'.
Por outro lado, os jati são classificados, em harmonia com o seu estatuo politico-econômico, segundo a ordem decrescendo dos estatutos; Leach distingue os grandes proprietários fundiários (inviasdar), os rendeiros livres, os rendeiros adstritos à terra, os camponeses sem terra. Os camponeses sem terá e os rendeiros adstritos recrutam-se sobretudo entre os intocáveis, ao passo que os ricos proprietários pertencem às castas puras. Existe por conseguinte uma certa correspondência entre os dois princípios de estratificação.
Leach mostrou igualmente que a distribuição das castas podia apreender-se através de um esquema binário, principio de inclusäo-exclusäo (não é possível pertencer senão a uma única casta); principio de superioridade (oposição dos superiores, ou "duas vezes nascidos", e dos inferiores); principio de pureza (oposição sacerdotes-laicos); principio de especialização funcional (oposição principe-mercador)... A desigualdade inata e definitiva das castas, a aceitação inevitável da vodaçäo de casta (britti), a submissão ao destino (karma), fazem deste sistema o modelo da pura hierarquia.
DA INDIA A AFRICA
Reencontramos o sistema das castas, embora com uma sistematização menos aprofundada, em certas populações da África Negra. Assim, o toucouleur do Senegal opõe os rimbe ou homens livres, que incluem os gorobbe (aristocracia religiosa), os jaawambe (cortesão, conselheiros, comerciantes), os sebbe (agricultores, criadores de gado), os subalbe (pescadores), aos nyeenybe (ou artífices, tecelões, sapateiros, ferreiros, ourives, trabalhadores da madeira) e griots (cantadores, músicos, trovadores) e aos jyaabe que agrupam os soottiibe libertos e os halfaabe ou dependentes (escravos, servidores).


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