quarta-feira, 6 de julho de 2016

Mulato conclusão





Prezados Colegas

Gostaria de chamar a vossa atenção para o fato que estamos concluindo esta série editorial. Mas antes de considerar a publicação de hoje, conclusão da monografia, quero fazer um registro.
Vejam o que encontrei na boca da Tiuca. Um texto dos tempos idos com o título "Saúde e Reprodução Social". As pessoas estão enviando mensagens perguntando sobre a Tiuca. Trata-se de um animal canino que está abrigado no CESAJO. Ela me acompanha nos trabalhos de arquivo e, quando menos espero, lá vem a Tiuca com algo inusitado na boca. O nosso acervo é muito grande e situações deste tipo ocorrem. Graças aos deuses, pois trabalho bem acompanhado. 
Quero aproveitar a oportunidade para destacar a autora da obra citada: Dra. Maria Assunta Campilongo. Pesquisadora de alto quilate, integra, honesta e muito agradável. Foi uma das melhores professoras que tive no curso de Ciências Sociais. No meu currículo fica a grata satisfação de ter trabalhado com profissionais extremamente qualificados, mas também atenciosos e respeitadores com os seus subordinados. Obrigado professora por ter contribuído com a minha formação profissional. 
Ser intelectual não é sinônimo de ambição e busca de poder a qualquer custo. Foi um dos seus ensinamentos. Obrigado






E então a conclusão.
Devo ainda publicar a bibliografia na próxima página.
Fico a disposição para qualquer tipo de crítica e contribuição dos egrégios colegas e amigos que acompanharam esta série sobre o "Mulato cor de rosa".
Boa leitura!
Namastê

O B S.: A imagem acima é do Tio Marino (Fundador da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel).




Conclusão

“O Cativo rejeitava no dia a dia o trabalho: mostrava-se inábil, preguiçoso, irresponsável. Sabotava os meios de trabalho. Sob os olhos ou às espaldas dos amos e capatazes, realizava pequenos furtos para minorar a ingente miséria material e moral em que vivia”.
Mário Maestri

Neste momento final da monografia, gostaria de retomar algumas questões já desenvolvidas no corpo desta, bem como inserir novas idéias que ainda não foram apresentadas anteriormente, mas que cabe ser referidas no fechamento do mesmo.
Em primeiro lugar é fundamental informar que a atividade analítica prevista para acontecer a partir do vídeo etnográfico Mestre Borel – a ancestralidade negra em Porto Alegre não foi levada a termo final, conforme o pré-projeto enviado para o avaliador da disciplina. O objetivo era fazer uma reflexão e análise do mesmo a partir de original. Como eu não recebi retorno do procedimento formal, via protocolo geral da universidade, de registro de solicitação ao BIEV de acesso a obra a atividade ficou prejudicada. Nego-me a trabalhar com uma cópia apócrifa publicada sem autorização dos seus autores na internet. E no meu currículo agrego mais um “Não” da elite branca. Contudo, aqui é necessário registrar um detalhe importante que é o seguinte. Na oportunidade em que fiz o contato pessoal com a equipe de pesquisadores do BIEV senti que a demanda que se apresentava era muito maior que poderia prever, pois se tratava de uma vontade da alteridade que administra o senso de justiça no pantheon dos orixás (conforme estabelece a cosmologia afro-brasileira). Negar que se faça a vontade da referida alteridade é uma decisão que, muito provavelmente, apresentará desdobramentos ainda não mensurados por este pesquisador. Esta é a dinâmica que os estudos de religiosidade de matriz africana têm apresentado para os antropólogos desde os tempos idos. Assumo a responsabilidade, no que tange a minha esfera de poder acadêmico que não abrange as esferas de poder superior envolvidas nesta decisão tomada pela “equipe dirigente” (Erving Goffman, 1979).    
Em segundo lugar é necessário retomar alguns aspectos ainda ausentes, agora já em tom conclusivo, sobre a discussão que versa na linha da “Arte Popular”. A arte popular representa, entre outras coisas, a resistência cultural de uma camada da população posta em condição marginal pelo sistema sócio-econômico vigente. Quando trabalhei com “Arte Indígena” afirmei: A moderna e ampliada divulgação dos princípios estéticos e artísticos dos “povos civilizados” (ou modernos) não consegui anular e extinguir algumas expressões artísticas dos “povos não civilizados” (ou primitivos). Aqui acontece algo muito parecido, pois os valores eurocentrados negam a vitalidade e originalidade da arte do índio e do negro.
A minha contribuição para que esta cena de resistência se fortaleça é presente na esfera acadêmica e também fora desta esfera. Demonstrei toda esta trajetória pessoal de trabalho na defesa dos valores comuns a comunidade de afro-descentes da Vila Isabel. Desde a publicação do livro “Os Primórdios da História da Santa Isabel” que ocorreu em 1999 (Ver Anexo 08). Posteriormente, passei por uma fase mais lúdico-criativa onde produzi peças mais livres e instintivas como às mandalas, a exemplo da imagem exposta no anexo de número 09. Passando pela criação dos blogs “a cidade de santa Isabel”, onde apresento o potencial da minha comunidade para o mundo e do blog “JacquesJa”, onde reflito sobre os assuntos da academia, apresento um pouco da minha trajetória acadêmica e elaboro questões teóricas acerca de temas antropológicos e sociológicos. Fotografo, edito textos e imagens, crio pequenos vídeos, entre outras peças artísticas sempre destacando a minha origem étnico-social, a necessidade da afirmação dos nossos valores enquanto grupo explorado pela classe dirigente eurocentrada que nega o nosso brilho e a nossa capacidade de auto-gestão (A esse respeito ver imagem símbolo do blog no anexo 10).
Dentro da academia também aprendi a resistir. A sala estava lotada, o calor incomodava e não havia assento para todos. Tomei por estratégia chegar cedo para não ter que buscar cadeira nas outras salas de aula (situação vexatória e desconfortável). Enquanto isso a professora dizia com sarcasmo: “muitos vão sumir com a chegada do outono”. Chegou o outono e depois o inverno e eu ali presente, participando da cena de labuta intelectual. Dei prova que sou forte e resisti, sinto pelos que caíram diante da arrogância da elite branca que ousou até a não honrar os Deuses. Neste ínterim, gostaria de citar uma grande socióloga que afirmou recentemente: "Sempre há uma resistência neste longo processo de consolidação da sociedade capitalista e industrial. Houve sempre um embate muito grande entre uma forma de organizar o trabalho e uma resistência a esta forma". A frase é de autoria da professora Dra. Lorena Holzmann, com a qual tive o prazer de trabalhar durante o curso de licenciatura em Ciências Sociais/IFCH/UFRGS (1992-1998).
O tradicional suporte gráfico exigido como prova das atividades realizadas, deve ser completado, sempre que possível, com ilustrações, fotografias, mapas e recursos iconográficos. Assim acredito e assim tenho laborado no transcurso da minha trajetória acadêmica desde o meu ingresso na universidade que ocorreu no século passado (1992). Neste sentido é que encaro os registros fotográficos e alguns desenhos. O trabalho realizado através da criação dos desenhos técnicos ilustrativos agregados em apoio ao conteúdo gráfico da pesquisa cientifica hora apresentada iniciaram nesta época. Um dos exemplares foi realizado a partir da análise da obra denominada “Um Lírico no Auge do Capitalismo” de Walter Benjamin. A partir da leitura de parte da obra (páginas 117-118) avalio a questão dos estímulos na relação com o processo criativo visto pelo autor como uma espécie de esgrima onde esta surge como a imagem da resistência ao choque (esgrimindo com o lápis). Trata-se de uma obra muito instigante e está relacionada com “A Dialética da Duração” de Gaston Bachelard, sobre a qual também realizei desenho esquemático especializado com o recurso de texto colorido para auxiliar o entendimento da discussão teórica exposta (Ver imagens anexas – Anexo 12).
Em terceiro lugar, necessito retomar um debate básico, porém fundamental em antropologia: as diferenças entre natureza e cultura. A citação do etnólogo Sérgio Baptista é fundamental neste momento, pois aponta o caminho que a minha reflexão necessita externar nesta conclusão: “A clássica oposição entre natureza e cultura, presente no ocidente euroreferenciado, não faz nenhum sentido para o pensamento ameríndio  existente entre os coletivos indígenas das terras baixas americanas” (Silva, 2010). Ali Batista sinaliza o norte, ou seja, destaca a idéia fundamental do debate sempre atual sobre os limites (e/ou oposições) entre natureza e cultura. Ao escrever “Viamão”, obra já mencionada no transcurso desta monografia, também me ocupei do tema, dedicando um artigo sobre. Ali afirmei: A noção ou conceito de Cultura é algo que não pode ser resolvido ou definido em poucas linhas, porém não dá para reduzir a questão a um dualismo ingênuo, defendendo a idéia de que, numa relação entre Cultura e Natureza, tudo o que não é natural é cultural. Na área das Ciências Humanas, a disciplina que se origina pelo estudo da Cultura é a Antropologia. A própria Antropologia, enquanto ciência, só surgiu a partir da definição de cultura que um cidadão chamado TYLOR elaborou. No seu original de 1871 ele afirma: “La cultura o civilizición, en sentido etnográfico amplio, es aquel todo complejo que inclye el conocimiento, las creencias, el arte, la moral, el derecho, las costumbres y cualesquiera otros hábitos y capacidades adquiridos por el hombre en cuanto miembro de la sociedad.” Preste atenção que neste conceito Cultura é entendido como sinônimo de civilização e que o autor fala em cultura no singular, como se na humanidade existisse um único todo ordenado que se chama cultura. Atualmente, não se adota mais este conceito, pois acreditamos que temos na humanidade CulturaS diversas oriundas dos mais diferentes sistemas sociais que o homem conseguiu organizar e não uma Cultura humana única (no singular) que represente a elaboração criativa total do homem moderno. A principal característica da Antropologia é o seu esforço de “Relativização” dos sistemas sociais, dos conceitos das ciências humanas, enfim de tudo que se perceba como possível de ser relativizado. Neste contexto, a maior bandeira antropológica é a negação de todo e qualquer “Etnocentrismo”, que, grosso modo, pode ser denominado como a exaltação absoluta e irrevogável de determinada etnia, grupo social ou tribo urbana. Digo isso, para lembrar que “Absolutizar” o conceito de cultura entre duas categorias estáticas, a própria e a natureza, é algo como estar trabalhando contra algo que por si só não admite nenhum tipo de dualismo ingênuo, as inúmeras culturas humanas existentes no globo. No universo da Cultura existe todo um arcabouço real ou imaginado de natureza, como também na Natureza existe todo um contexto dado e não dado que é cultural (Jacomini, 2003).
Remeto para a fala de Mestre Borel no vídeo etnográfico já citado, quando referi o “Bará do Mercado”. Com muita propriedade ele cita as diversas tentativas dos gestores públicos locais e da classe dirigente de “desenterrar o Bará do Mercado Público de Porto Alegre” como se essa fosse uma mera atividade mecânica ou de simples engenharia8. Anexado a esta observação vem um comentário necessário. Após a produção deste primeiro documentário (A Ancestralidade Negra em Porto Alegre), a mesma equipe de pesquisadores produziu obra análoga a esta denominada “A Tradição do Bará do Mercado”. Mestre Borel foi uma das personalidades do meio afro-umbandista que traz o relato de matriz africana sobre o fundamento afro-religioso chamado O Bará do Mercado Público11. Da mesma forma deve ser apreciado o universo hídrico da Santa Isabel (Viamão/RS) aqui já citado no decorrer da monografia final da disciplina. A água da bica, por exemplo, não é um simples recurso natural da localidade mencionada. Existe todo um universo cosmológico em torno deste sítio onde se encontra atualmente a Praça da Bica e a Sede da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel. Os isabelenses não buscam apenas saciar a sua sede, quando deslocam até o verte douro que emerge das camadas subterrâneas do solo. Mais do que isso, conforme demonstrado no texto final do meu trabalho de conclusão de curso (TCC), quando desenvolvi a temática da cosmo gênese e antropogênese Guarani demonstrei que o perímetro urbano entre as Fontes da Lascy, Fonte do Jarí e a Praça da Bica compõe compõem um sistema hídrico relacionado ao culto de alteridades denominadas pelos Mybiá Guarani como “a nossa própria Mãe”. Em se tratando da cosmologia afro-brasileira a referencia que se faz é ao orixá denominado Iansã que se comunica diretamente a outro orixá muito reverenciado por toda as casas de culto africano que chama-se Yemanjá. Ou seja, a proposta da atual administração pública do Município de Viamão de transladar a sede da Escola de Samba “Unidos de Vila Isabel” para as imediações do Residencial Três Figueiras exige um estudo prévio muito bem elaborado, inclusive, segundo o meu ponto de vista, deveria agregar um laudo antropológico sobre o impacto sócio-cultural que esta mudança vai provocar.
Finalmente, quero retomar a questão que vai fixada no próprio título da monografia. Ou seja, do processo de pertencimento étnico estudado e pesquisado, a partir das vivencias e reflexões teóricas propostas pela disciplina Afro-descendencia e Cidadania no Brasil Contemporâneo. Eu explico o caminho trilhado que percorri até chegar nesta resposta sobre o meu próprio enquadramento étnico-social. As concepções de cunho positivista e evolucionista surgem ainda hoje de forma predominante na historiografia oficial. Ainda hoje existe uma espécie de desdobramento da concepção burguesa e euro-centrada que enquadra os “Não-Brancos” como indolentes, incapazes e meras máquinas de produção. Dentro desta “cosmologia branca”, pseudos-especialistas “enquadram” a atividade intelectual do “Não-Branco” como produto de segunda classe. Assim como ao ler a obra de Gilberto Freyre encontrei uma referência ao Teatro Santa Isabel do Recife que muito me compraz (Ver Anexo 11) deixo a página que segue registrada nos anais desta universidade ainda tão pobre de uma negritude consciente da sua real condição sócio-cultural. Aqueles que me sucederão, haverão de encontrar reminiscência destes escritos que servirão de novo ânimo para o fortalecimento do movimento de resistência negra dentro e fora do universo acadêmico:

“Mulato Cor-de-Rosa

‘Nunca vou ser o que os outros querem’
Gonzaguinha.


A minha comunidade está reunida na quadra, cantando a sua cultura. A Lua é Nova. Encantado. São os ares setembrinos soprando no Belo Monte.
Eu gostaria de iniciar com uma dedicatória. Tenho uma amiga que é filha única e sempre que escuto “Trem das Onze”, lembro dela. Com carinho, eu inicio este com a dedicatória para ela que é uma apreciadora da minha obra literária e acompanha a construção deste espaço. Adoniram Barbosa é uma daquelas grandes personalidades da música popular brasileira e pessoas assim nunca morrem, pois se perpetuam na sua obra. E por falar em grandes personalidades do campo das artes, tenho ao meu lado, nada mais nada menos do que, Gilberto Freyre (Ensaista, sociólogo, antropólogo, literato, enfim um grande brasileiro).
Eu já falei aqui sobre a minha caminhada em chão antropológico, portanto não vou retomar isto para não cançá-los. Também já devo ter dito que se você tem interesse em estudar antropologia física não deve ir para o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pois lá isso não existe (não é ensinado e não consta das grades curriculares academicas).  Disse também que esta foi a grande lacuna que ficou na minha formação como cientista social, mas o bom aluno vai além e busca aquilo que não é oferecido (age com intuição de quem garimpa saber). Foi o que ocorreu comigo. Eu busquei e encontrei um tipo humano, denominado de ‘Mulato Cor de Rosa’.
Eu sempre soube que não era branco. Descobri-me um afro-descendente recentemente. Contudo, ainda faltava algumas variáveis para fechar esta “fórmula étnica” (nascida na sensação de um pertencimento étnico, conforme foi  trabalhado por POUTIGNAT, Philippe e STREIFF FERNART, Jocelyne na obra Teorias da Etnicidade). Pois não é que consegui tal intento. Isso mesmo, eu consegui pelas mãos, ou melhor, pelas letras de Gilberto Freyre. Lendo o capítulo sete do livro “Sobrados e Mucambos” que versa sobre a ascenção do Caboclo e do Bacharel, encontrei o elo que faltava para sacramentar a minha ligação definitiva com o meu povo. Está tudo ali, vale a pena ler (leitura indicada para brancos e não brancos). O autor detalha não só os aspectos humanos e antropológicos da  tipologia física, bem como as características sociológicas e psicológicas desta etnia. A mulata, o típico produto nacional, já foi muito comentada e referida na literatura, mas o mulato possui certamente menos referencias. Mas está tudo lá na obra de Gilberto Freyre, autor tão pouco explorado pelos antropólogos contemporâneos, devido a diversos ransos ideológicos que estreitam o espectro de trabalho em ciências sociais.
Eu que já sou da Vila faz tempo, sinto a alma lavada no estudo e análise do nosso povo e da nossa gente, onde estou inserido e vivo plenamente este setembro de início de século. Adjetivações recebo diversas pelas vias literárias e não literárias. Na sua grande maioria, de cunho pouco cordial e até caluniosas e difamatórias. Mas estou super tranqüilo, pois Freyre elucida até aquilo que vem dos terrenos mais pantanosos da existência humana: a psique e os traços comportamentais típicos do mulato cor-de-rosa. Leia, por favor. Leiam antes de tecer a crítica ácida e desleal que me remetem.
Eu não vou ser o que os outros querem, disse Gonzaguinha, em determinado momento da sua vida (linda e iluminada vida). Eu quero concluir este breve texto, com mais uma frase de grande impacto no nosso ideário elucubrativo recente: A Vida dedicada a ganhar dinheiro é vivida sob compulsão, e obviamente ela não é o bem que estamos procurando. Aristóteles, o pai da filosofia do direito, teria dito esta frase, registrada no livro Ética a Nicômaco (pag 122 da ed. Série os pensadores – Ed. Nova Cultural). Eu quero agradecer: muito obrigado! Agradeço a vossa atenção nesta leitura.
Namaste.

Texto extraído de publicação do Blog A Cidade de Santa Isabel.
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