A Deusa
A Deusa foi a primeira divindade cultuada pelo homem pré-histórico. As
suas inúmeras imagens encontradas em vários sítios históricos e arqueológicos
do mundo inteiro representavam a fertilidade - da mulher e da Terra. Por ser
a mulher a doadora da vida atribuiu-se à Fonte Criadora Universal a condição
feminina e a Mãe Terra tornou-se o primeiro contato da raça humana com o
divino.
Quem é A Deusa?
Só o fato de termos que fazer essa pergunta demonstra o quanto nossa
sociedade ocidental formada sob a égide da mitologia judaico-cristã se
afastou de nossas origens. Fomos criados condicionados por uma cosmologia
desprovida de símbolos do Sagrado Feminino, a não ser Maria, Mãe Divina, que
não tem os atributos divinos, que são reconhecidos apenas ao Pai e ao Filho e
é substituída na Trindade pelo conceito de Espírito Santo.
Maria é, quando muito, a intermediária para a atuação dos poderes do
Deus... "peça à Mãe que o Filho concede..." Mas Maria não é a
Deusa, senão um de seus aspectos mais aceitos pela sociedade patriarcal, de
coadjuvante do Deus, reproduzindo o fenômeno social do patriarcado em que a
mulher auxilia o homem, mas sempre lhe é inferior e, por isso, deve
submeter-se à sua autoridade.
Constata-se que a ausência de uma Deusa nas mitologias pós-cristãs se
deve ao franco predomínio do patriarcado. Predomínio esse que nos trouxe, ao
final do século XX, a uma sociedade norteada pelos valores da competição
selvagem, da sobrevivência do mais forte, da violência ao invés da
convivência, do predomínio da razão sobre a emoção. Mas a Deusa está
ressurgindo. Desde a década de 60, reafirmando-se nas últimas, a descoberta
da Terra como valor mais alto a preservar sob pena de não mais haver espécie
humana fez decolar a consciência ecológica e o renascimento dos valores
ligados à Deusa: a paz, a convivência na diversidade, a cultura, as artes, o
respeito a outras formas de vida no planeta.
Cultuar a Deusa hoje significa reconsagrar o Sagrado Feminino,
curando, assim, a Terra e a essência humana. Quer sejamos homens ou mulheres,
sabemos que nossa psique contém aspectos masculinos e femininos. Aceitar e
respeitar a Deusa como polaridade complementar do Deus é o primeiro passo
para a cura de nossa fragmentação dualística interior.
A Deusa é cultuada como Mãe Terra, representando a plenitude da Terra,
sua sacralidade. Sobre a Terra existimos e, ao fazê-lo, estamos pisando o
corpo Onipotente e distante, que vive nos céus... A Deusa é a Terra que
pisamos, nossos irmãos animais e plantas, a água que bebemos, o ar que
respiramos, o fogo do centro dos vulcões, os rios, as cores do arco-íris, o
meu corpo, o seu corpo... A Deusa está em todas as coisas... Ela é Aquela que
Canta na Natureza... O Deus Cornífero seu consorte, segue sua música e é
Aquele que Dança a Vida...
Cultuar a Deusa não significa substituir o Deus ou rejeitá-lo. Ambos,
Deus e Deusa são as expressões da polaridade que permitiu que o Grande
Espírito, o UNO, se manifestasse no universo... São os dois lados de uma
mesma moeda... as duas faces do Todo, ou sua divisão primeira. Assim, crer na
Deusa e no Deus ainda é crer em um Ser Supremo que, ao se bipartir, criou o
princípio masculino e o princípio feminino, o Yin e o yang, o homem e a
mulher.
A Deusa também é a Senhora da Lua e, mais uma vez, a explicação desse
fato remonta às cavernas em que já vivemos. O homem pré-histórico desconhecia
o papel do homem na reprodução, mas conhecia muito bem o papel da mulher. E
ainda considerava a mulher envolta em uma aura mística, porque sangrava todo
mês e não morria, ao passo que para qualquer dos homens sangrar significava
morte. Portanto, a mulher devia ser muito poderosa, ainda mais que conhecia o
"segredo" de ter bebês... É fácil entender porque a mulher era
identificada com a Deusa, ou, melhor dizendo, porque a primeira divindade
conhecida tinha que ter caracteres femininos... Ainda mais quando as pessoas
descobriram que a gravidez durava 10 lunações e a colheita e o suceder das
estações seguia um ciclo de 13 meses lunares. O primeiro calendário do homem
pré-histórico foi mostrado nas mãos da famosa estatueta da Vênus de Laussel,
que segura em sua mão um chifre em forma de crescente, com 13 talhos que
representam as lunações.
Por sua conexão com a Lua e a mulher, a Deusa é cultuada em 3
aspectos: a Donzela, que corresponde à Lua Crescente, a Mãe representada na
Lua Cheia e a Anciã, simbolizada na Lua Decrescente, ou seja, Minguante e
Nova.
Na tradição da Deusa a Donzela é representada pela cor branca e
significa os inícios, tudo o que vai crescer, o apogeu da juventude, as
sementes plantadas que começam a germinar, a Primavera, os animais no cio e
seu acasalamento. Ela e a Virgem, não só aquela que é fisicamente virgem, mas
a mulher que se basta, independente e auto-suficiente.
Como Mãe a Deusa está em sua plenitude. Sua cor é o vermelho, sua
época o verão. Significa abundância, proteção, procriação, nutrição, os
animais parindo e amamentando, as espigas maduras, a prosperidade, a idade
adulta. Ela é a Senhora da Vida, a face mais acolhedora da Deusa.
Por fim, a Deusa é a Anciã, que é a Mulher Sábia, aquela que atingiu a
menopausa e não mais verte seu sangue, tornando-se assim mais poderosa por
isso. Simboliza a paciência, a sabedoria, a velhice, o anoitecer, a cor
preta. A Anciã também é a Deusa em sua face Negra da Ceifeira, a Senhora da
Morte. Aquela que precisa agir para que o eterno ciclo dos renascimentos seja
perpetuado. Esta é o aspecto com que mais dificilmente nos conectamos, porém,
a Senhora da Sombra, a Guardiã das Trevas e Condutora das Almas é essencial
em nossos processos vitais. Que seria de nós se não existisse a morte? Não
poderíamos renascer, recomeçar...
Desta forma, é fácil compreendermos porque a Religião da Deusa postula
a reencarnação. Se fazemos parte de um universo em constante mutação, que
sentido haveria em crermos que somos os únicos a não participar do processo
interminável da vida-morte-renascimento? Essa realidade existe no microcosmo
do ciclo das estações, da colheita que tem que ser feita para que se reúnam
as sementes e haja novo plantio. É justamente por isso que aqueles que seguem
o Caminho da Deusa celebram a chamada Roda do Ano, constituida pelos 8
Sabbats celtas que marcam a passagem das estações. Ao celebrar os Sabbats
cremos que estamos ajudando no giro da Roda da Vida, participando assim de um
processo de co-criação do mundo.
Por tudo o que dissemos fica fácil entender porque os caminhos, cultos
e tradições centrados na Deusa são religiões naturais, fundamentadas nos
ciclos da natureza e no entendimento de seus elementos e ritmos. Estas
práticas de magia natural usam a conexão e correlação dos elementos da
natureza - Água, Terra, Fogo e Ar, as correspondências astrológicas (signos
zodiacais, influências planetárias, dias e horários propícios, pedras
minerais, plantas, essências, cores, sons) e a sintonia com os seres
elementais (Devas Guardiões dos lugares, Gnomos, Silfos, Ondinas,
Salamandras, Duendes e Fadas).
A Deusa e o Deus
"Todas as Deusas são uma só Deusa, todos os Deuses são um só
Deus."
Conquanto a Deusa presida a pulsação vital constante do Universo, é
imprescindível que entendamos o papel do Deus. Ela é a Senhora da Vida, mas
Ele é o Portador da Luz; Ela é o ventre, Ele o falo ereto; Ela gera a vida,
Ele é a faísca que inicia o processo, em plena harmonia, sem predomínios nem
competições, mas pela completa união... Ambos parceiros no desenrolar da
música e dança que criam e recriam o universo ainda hoje... Na Primavera Ela
é a Donzela, Ele o Deus Azul do Amor... No verão ela é a Mãe, grávida, ele o
Galhudo, o Deus da Vegetação e dos Animais, Cernnunnos... No outono ele desce
para o Mundo Subterrâneo, como o Deus Negro do Mundo Inferior, do sacrifício
e da Morte e Ela a Anciã que abre os portais e o acolhe durante sua
transmutação. No inverno ele renasce do próprio ventre escuro da Deusa, que
quase torna, assim, a um só tempo, sua consorte e sua mãe...
Os últimos anos têm assistido o fenômeno chamado "Renascer da
Deusa", ou seja, o ressurgimento do arquétipo do divino feminino na
cultura, nas artes, na ciência e no psiquismo das pessoas. Fazem parte desse
renascimento a preocupação ecológica, as manifestações pela paz, o
ressurgimento de religiões baseadas na natureza, pondo em relevo valores
femininos: o respeito à Mãe Terra, o reconhecimento dos seres humanos como
irmãos dos demais seres, a ênfase na conciliação dos sexos e das pessoas, ao
invés da competição, a paz ao invés dos conflitos, as terapias naturais
respeitando o corpo e a Terra, a volta dos oráculos (runas, tarot, geomancia)
e das práticas xamânicas.
Dentro dessa nova mentalidade, o culto à Grande Mãe pode ser feito em
diversos caminhos espirituais. De certa maneira, a própria Igreja Católica
participa dessa tendência de várias maneiras, colocando em relevo depois de
muitos anos a figura de Maria. As religiões centradas na Deusa geralmente têm
em comum o reconhecimento da natureza como a própria e, por isso, são
designadas como Cultos ou Tradições Naturais, muitos deles oriundos ou
aplicando os princípios do xamanismo. Os cultos à Deusa são religiões
xamânicas, no sentido de reunirem prática de magia natural e contatos com
outras realidades, além de se basearem na interação dos quatro elementos:
Fogo, Água, Terra e Ar, unidos pela quitessência que é o Espírito.
Atualmente existem inúmeros cultos que poderíamos chamar de
"centrados na Deusa", ou "A Religião da Deusa". Mas o
mais conhecido deles hoje, sem dúvida, é a Tradição Wicca, que influencia de
muitas formas todos os demais.
Wicca é uma religião pagã (usada esta palavra tanto no sentido comum
de "não cristã", como no sentido etimológico de "oriunda do
campo", por ser uma religião de origem rural) que cultua a Deusa
Tríplice e seu consoante o Deus Cornífero. Ambos são expressões em
polaridades do Ser Supremo, a Divindade, chamado pelos nativos norte
americanos de Grande Espírito ou o Grande Mistério, O UNO ou a Fonte
Criadora, que se manifesta na realidade concreta nas representações da Deusa
e do Deus.
A palavra WICCA se origina do inglês arcaico wicce, significando wise
(sábio) e o verbo moldar, dobrar. Portanto, um Wiccan (como são chamados seus
adeptos) é um moldador, alguém que dá outra feição à realidade que o cerca.
A Wicca surgiu na primeira metade do século XX, do estudo de alguns
pioneiros como Margaret Murray e Gerald Gardner, que procuraram resgatar as
raízes da witchcraft (bruxaria) praticada na Inglaterra rural e na Toscana
(norte da Itália). Essas práticas eram, na origem, a expressão popular da
religião celta, que dominou a Europa Ocidental por séculos. A Wicca, pois, se
propõe a ser a versão moderna da Antiga Religião.
Na Tradição Wicca existem diversas vertentes, desde as mais
rigidamente estruturadas, seguindo normas e rituais fixos, até aquelas que
são predominantemente ecléticas, com adaptações regionais ou pessoais. Entre
as mais tradicionais se encontram a Gardeneriana, Alexandrina, Diânica,
Celta, Georgiana etc. A Wicca pode ser praticada em grupos chamados covens ou
por solitários.
Todas as Deusas são uma única Deusa", múltiplas manifestações da
Grande Mãe. Cultuar a Grande Deusa pode se manifestar no culto a um ou mais
dos arquétipos que a representem nas diversas culturas do mundo. Assim, sejam
as Lilith e a Shequinah judaicas, a babilônia Inanna, a havaiana Pele, a
chinesa Kwan-In, a japonesa Amaterasu, a inca Ixchel, as africanas Yemanjá e
Oyá, ou as hindus Sarasvati e Kali, sempre se estará prestando culto à mesma
e única Deusa. As diferentes mitologias enumeram milhares de nomes de Deusas,
correspondendo a aspectos ou atributos diversos. Assim, se escolhemos nos
conectar com as Deusas Afrodite ou Ishtar ao procurarmos trabalhar a energia
do amor, o fazemos porque essas formas do arquétipos, por disposição de
milênios, mais se aproximam dessa energia. Se precisamos tratar de estudos ou
escrita, criatividade nas artes, invocamos Atena ou Saravasti, por exemplo.
Muitas bruxas costumam se conectar com Deusas de diferentes
mitologias, conforme a necessidade de seus trabalhos. Outras se atém a um
panteão determinado e só cultuam as Deusas e Deuses daquela cultura. Ambas as
formas de expressão fazem parte dos Caminhos da Deusa. Algumas bruxas
preferem se conectar com as Deusas em sua forma mais primitiva, como Mãe
Terra, daí utilizarem símbolos das chamadas Vênus pré-históricas, como de
Laussel, Willendorf, Deusa serpente de Creta, Deusa do Nilo.
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Acessado em 15/04/2011
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