não mexe comigo.
não mexe comigo,
que eu não ando só.
eu não ando só.
não mexe, não.
eu tenho zumbi
dos palmares, tenho besouro (lenda da capoeira), o chefe dos tupis.
sou tupinambá.
tenho os erês,
caboclo-boiadeiro, mãos-de-cura, morubixabas, cocares, arco-íris, zarabatanas,
curare, flechas & altares.
tenho a
velocidade da luz, o escuro da mata escura, o breu, o silêncio, a espera.
(o tempo sempre
a meu favor.)
todos os pajés
em minha companhia.
o menino deus
brinca & dorme nos meus sonhos, o poeta (português) me contou.
não misturo. não
me dobro.
rainha do mar
anda de mãos dadas comigo. me ensina o baile das ondas & canta canta canta
para mim.
é do ouro de
oxum que é feita a armadura que guarda o meu corpo, garante meu sangue, minha
garganta. o veneno do mal não acha passagem.
me sumo no
vento. cavalgo no raio de iansã. giro o mundo. viro, reviro. vôo entre as
estrelas.
vou além. me
recolho no esplendor das nebulosas, descanso nos vales, montanhas, durmo na
forja de ogum guerreiro.
rezo com as três
marias no céu.
mergulho no
calor da lava dos vulcões: corpo vivo de xangô.
não ando no breu
nem ando na treva.
medo não me
alcança.
no deserto
(sozinho, apenas comigo mesmo) me acho.
faço cobra
morder o rabo. faço escorpião virar pirilampo.
fulminar aquele
que é injusto, aquele que maltrata, aquele que transforma a vida nas mazelas a
que assistimos no dia-a-dia:
tu, pessoa
nefasta!
(eu não provo do
seu fel, eu não piso o seu chão, e para onde você for, pessoa nefasta, não leva
meu nome, não.)
onde vai,
“valente”?…
você, pessoa
nefasta, secou. seus olhos insones secaram. seus olhos não vêem brotar a relva que
cresce livre & verde, longe da sua cegueira. seus ouvidos se fecharam a
qualquer som. o próprio umbigo é a única coisa que interessa.
tu, pessoa
nefasta, estás tão mirrada, que nem o diabo te ambiciona: não tens alma. tu,
pessoa nefasta, pessoa que corrompe a vida, pessoa que coloca na boca dos seus
semelhantes o gosto de terra & sangue, és o oco do oco do oco do “sem fim”
do mundo. um nada.
(o que é teu,
pessoa nefasta, já está guardado. não sou eu quem vou te dar. é a vida &
sua reviravolta ante tantos maus tratos propagados por ti. trata-se da lei da
ação & re-ação.)
eu posso engolir
você, pessoa nefasta, só para cuspir depois.
minha fome é
matéria que você não alcança: desde o leite do peito de minha mãe, mulher
sempre linda & benvinda, até o sem fim dos versos versos versos que brotam
no poeta, versos versos versos que brotam em toda poesia.
se choro, e
quando choro & minha lágrima cai, é para regar o capim que alimenta a vida.
chorando, eu refaço as nascentes que você, pessoa nefasta, secou.
se desejo, o meu
desejo faz subir marés de sal & sortilégio.
vivo de cara
para o vento. na chuva. e quero me molhar.
sou como a haste
fina: qualquer brisa verga, mas nenhuma espada corta.
não mexe comigo.
não mexe comigo,
que eu não ando só.
eu não ando só.
não mexe, não.
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(Aos senhores,
uma das faixas do novo trabalho de Maria Bethânia, diva maior da minha vida,
canção do SOFISTICADO poeta-compositor Paulo César Pinheiro & texto —
narrado por entre os versos da canção — da própria Bethânia. Esta é a primeira
vez que a artista grava, em disco, um texto de sua própria autoria.
Me impressiona,
sempre & muito, o quanto me vejo traduzido por Bethânia.
Deliciem-se com
este mimo!
Beijo todos!
Paulo Sabino.)
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(do site:
Youtube. canção extraída do álbum: Oásis de Bethânia. artista: Maria Bethânia.
gravadora: Biscoito Fino. canção: Carta de amor. autor da canção: Paulo César
Pinheiro. autora do texto narrado: Maria Bethânia.)
Extraído de
https://prosaempoema.com/2012/04/05/carta-de-amor/
Em 05/09/2016
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