quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Andrei Tarkovski

Trechos do livro “Esculpir o Tempo”, de Andrei Tarkovski

1)Cartas escritas pelos espectadores de “O Espelho”: a opinião do público
Devo confessar que lia com a máxima atenção e grande interesse — em alguns momentos com tristeza, mas, em outros com extraordinário entusiasmo — as cartas de pessoas que haviam visto os meus filmes; nos anos em que trabalhei na União Soviética, essas cartas vieram a constituir uma coleção impressionante e variada de coisas que as pessoas desejavam saber, ou que se sentiam incapazes de compreender.
Gostaria de citar aqui algumas das cartas mais características,  para ilustrar o tipo de contato — às vezes de absoluta incompreensão — que eu mantinha com o meu público.
Uma engenheira civil de Leningrado escreveu: "Vi seu filme, 0 Espelho. Assisti até o fim, apesar da grande dor de cabeça que me foi provocada na primeira meia hora pelas tentativas de analisá-lo, ou de ao menos compreender alguma coisa do que nele se passava, alguma relação entre os personagens, os acontecimentos e as recordações. ... Nós, pobres espectadores, vemos filmes que são bons, maus, muito maus, banais ou extremamente originais. Porém, no caso de qualquer um desses filmes, podemos sempre entender, ficar entusiasmados ou entediados, conforme o caso, mas... o que dizer do seu filme?! ... ."
Um engenheiro de equipamentos de Kalinin também ficou terrivelmente indignado: "Faz meia hora que saí do cinema, onde assisti ao seu filme, 0 Espelho. Pois muito bem, camarada diretor!! Também o viu? A impressão que tenho é a de que há algo de doentio nesse filme ... Desejo-lhe todo o sucesso em sua carreira,mas asseguro-lhe que não precisamos de filmes assim."
Quanto a mim, ao receber cartas como essa, costumava desesperar-me: afinal, para quem eu estava trabalhando, e por quê? O que me reconfortava um pouco era um outro tipo de espectador, com suas cartas cheias de incompreensão, mas em que ao menos se percebia o desejo verdadeiro de compreender a minha maneira de ver as coisas. Por exemplo: "Certamente não sou o primeiro, nem serei o último, a escrever-lhe completamente desnorteado, pedindo ajuda para entender 0 Espelho. Em si, os episódios são muito bons, mas como ligá-los entre si?" De Leningrado, outra mulher escreveu: "O filme é tão diferente de tudo o que já vi, que não estou preparada para entendê-lo, tanto no que diz respeito à forma quanto ao conteúdo. Você poderia explicá-lo? Não que se possa dizer que eu nada entenda de cinema em termos gerais... Vi os seus filmes anteriores, A Infância de Ivan e Andrei Rublev, e os entendi bem. Mas, quanto a  O Espelho... Antes da projeção do filme, seria necessário preparar os espectadores através de algum tipo de introdução. Depois de vê-lo, ficamos irritados com a nossa impotência e a nossa obtusidade. Com todo respeito, Andrei, se não lhe for  possível  responder detalhadamente a minha carta, diga-me ao menos onde posso ler alguma coisa sobre o filme."
Infelizmente, não havia quaisquer leituras que eu pudesse recomendar a esses correspondentes; não existiam publicações de nenhum tipo sobre 0 Espelho, a menos que se considere como tal a condenação pública do meu filme como inadmissivelmente "elitista", feita pelos meus colegas numa reunião do Instituto de Cinematografia do Estado e do Sindicato dos Cineastas, e publicada na revista Arte do Cinema.
O que me impediu de desistir de tudo, porém, foi a convicção,  c ada vez maior, de que havia pessoas interessadas no meu trabalho, e que na verdade esperavam ansiosamente pelos meus filmes. O único problema, aparentemente, era que ninguém estava interessado em promover esse contato com o meu público.
Um dos membros do Instituto de Física da Academia de Ciências enviou-me uma nota publicada no jornal mural doInstituto: "O aparecimento do filme de Tarkovski, 0 EspeIho, despertou grande interesse no IFAC, como, de resto, em toda a Moscou. Nenhum de nós pode entender como Tarkovski conseguiu, através dos recursos oferecidos pelo cinema, criar uma obra de tal profundidade filosófica. Habituado ao fato de que cinema é sempre história, ação, personagens, e o costumeiro happy end,  o público também tenta encontrar esses componentes no filme de Tarkovski e, não os encontrando, sente-se freqüentemente desapontado. De que fala esse filme? De um homem. Não daquele homem em particular, cuja voz ressoa por trás da tela, representado por Innokenti Smoktunovsky. É um filme sobre você, o seu pai, o seu avô, sobre alguém que viverá depois de você, e que, ainda assim, será 'você'. Sobre um homem que vive na terra, que é parte da terra, a qual, por sua vez, é parte dele, sobre o fato de que um homem responde com a vida tanto ao passado quanto ao futuro. Deve-se ver esse filme com simplicidade e ouvir a música de Bach e os poemas de Arseni Tarkovski; vê-lo da mesma maneira como  olha para as estrelas ou para o mar, ou, ainda, como se admira uma paisagem. Não há, aqui, nenhuma lógica matemática, pois esta não é capaz de explicar o que é o homem ou em que consiste o sentido de sua vida."
Devo admitir que, mesmo quando críticos profissionais elogiavam o meu trabalho, eu ficava muitas vezes insatisfeitocom as suas idéias e os seus comentários — pelo menos, era
bastante comum que eu sentisse que esses críticos eram indiferentes ao meu trabalho, ou então que não tinham competência para julgá-lo: recorriam excessivamente a clichês jornalísticos nas suas formulações, em vez de falarem sobre o efeito íntimo e direto que o filme exercia sobre o público.
Mas então eu encontrava pessoas que se haviam deixado impressionar  pelo meu filme, ou recebia cartas que me pareciam uma espécie de confissão sobre as suas vidas, e começava a compreender qual era o objetivo do meu trabalho e a ter consciência da minha vocação: deveres e responsabilidades para com as pessoas, se assim o preferirem. (Na verdade, nunca pude convencer-me de que um artista, sabendo que sua obra não era necessária para ninguém, conseguisse trabalhar apenas para si próprio...).
Uma espectadora de Gorki escreveu: "Obrigado por 0 Espelho. Tive uma infância exatamente assim. ... Mas você...como pôde saber disso? Havia o mesmo vento, e a mesma tempestade... 'Galka, ponha o gato para fora', gritava a minha avó. ... O quarto estava escuro... E a lamparina a querosene também se apagou, e o sentimento da volta de minha mãe enchia-me a alma... E com que beleza você mostra o despertar da consciência de uma criança, dos seus pensamentos! ... E, meu Deus, como é verdadeiro ... nós de fato não conhecemos o rosto das nossas mães. E como é simples... Você sabe, no escuro daquele cinema, olhando para aquele pedaço de tela iluminado pelo seu talento, senti pela primeira vez na vida que não estava sozinha... ."
Um professor de Novosibirsk escreveu: "Nunca escrevi a nenhum autor  para dizer o que sinto sobre um livro ou filme. Este, porém, é um caso especial: o filme livra o homem do encantamento do silêncio, permite que ele liberte o espírito das ansiedades e das coisas vãs que o oprimem. Participei de um debate sobre o filme. Tanto os "físicos"quanto os "líricos" foram unânimes: o filme é profundamente humano, honesto e relevante — tudo isso se deve ao seu autor. E todos os que falaram, disseram: 'Este filme fala de mim.' "
Uma operária de Novosibirsk escreveu: "Na semana passada, vi o seu filme quatro vezes. E não fui ao cinema simplesmente para vê-lo, mas, também, para passar algumas horas vivendo uma vida real, com artistas e seres humanos verdadeiros. ... Todas as coisas que me atormentam, tudo o que não tenho e desejaria ter, que me deixa indignada, enojada ou que me sufoca, todas as coisas que me iluminam e me aquecem, e pelas quais vivo, e tudo aquilo que me destrói — está tudo ali, no seu filme; vejo-o como se num espelho. Pela primeira vez na minha vida um filme tornou-se algo real para mim, e é por essa razão que vou vê-lo: quero impregnar-me dele, para que possa realmente sentir-me viva."
                Impossível encontrar um reconhecimento maior daquilo que se está fazendo. O meu mais fervoroso desejo sempre foi o de conseguir me expressar nos meus filmes, de dizer tudo com absoluta sinceridade, sem impor aos outros os meus  pontos de vista. No entanto, se a visão de mundo transmitida pelo filme puder ser reconhecida por outras pessoas como parte integrante de si próprias, como algo a que nada, até agora, conseguira dar expressão, que estímulo maior para o meu trabalho eu poderia desejar?
             Uma mulher enviou-me uma carta que lhe fora escrita pela filha, e cujas palavras representam, ao meu ver, uma extraordinária afirmação da criação artística como uma forma de comunicação infinitamente sutil e versátil: " . . . Quantas palavras uma pessoa conhece?", pergunta ela à mãe. "Quantas ela usa na sua linguagem cotidiana?Cem, duzentas, trezentas? Envolvemos os nossos sentimentos em palavras e tentamos expressar através delas a tristeza e a alegria e todo tipo de emoções, exatamente aquelas coisas que, na verdade, são impossíveis de expressar. Romeu disse belas palavras a Julieta, palavras vivas e expressivas, mas elas certamente não disseram nem a metade daquilo que dava a Romeu a sensação de que o coração ia saltar-lhe do peito, que lhe prendia a respiração, e que levava Julieta a esquecer-se de tudo, exceto do seu amor. Existe um outro tipo de linguagem, uma outra forma de comunicação: a comunicação através de sentimentos e imagens. Trata-se do contato que impede as pessoas de se tornarem incomunicáveis e que põe por terra as barreiras. Vontade, sentimento, emoção — eis o que elimina os obstáculos entre pessoas que, de outra forma, encontrar-se-iam nos lados opostos de um espelho, nos lados opostos de uma porta. ... A tela se amplia, e o mundo, que antes se encontrava separado de nós, passa a fazer parte de nós, tornando-se uma coisa real... E isto não ocorre através do pequeno Andrei: trata-se do próprio Tarkovski dirigindo-se diretamente à platéia, sentada do outro lado da tela. Não existe morte, existe imortalidade. O tempo é uno e indiviso, como se diz num dos poemas: 'A uma mesa, sentam-se avós e netos... .'  A propósito, mamãe, liguei-me a esse filme sobretudo por seu lado emocional, mas estou certa de que podem existir outras maneiras de vê-lo. E quanto a você? Por favor, escreva-me dizendo... ."
     2)Sobre o roteiro de “O Espelho”:
Lembremo-nos de Proust:
"Tão afastadas se encontravam as torres e tão pouco me parecia aproximar-nos delas, que fiquei atônito quando paramos, instantes depois, diante da igreja de Martinville. Ignorava o motivo do prazer que tivera ao avistá-las no horizonte, e a obrigação de procurar desvendá-lo me parecia muito penosa; tinha vontade de guardar de reserva na cabeça aquelas linhas que se
moviam ao sol e não mais pensar nelas por enquanto.... Sem confessar-me que aquilo que estava oculto atrás das torres de Martinville devia ser algo assim como uma bela frase, pois que aparecera sob a forma de palavras que me causavam prazer, pedi lápis e papel ao doutor e, para aliviar a consciência e obedecer ao meu entusiasmo, compus, apesar dos solavancos do carro, o pequeno trecho seguinte...Jamais tornei a pensar em tal página, mas naquele instante, ao terminar de escrevê-la, na ponta do assento onde o cocheiro do doutor costumava colocar um cesto com as aves que comprara no mercado de Martinville, achei-me tão feliz, sentia que ela me havia desembaraçado tão perfeitamente daquelas torres e do que ocultavam atrás de si, que, como se fosse eu próprio uma galinha e acabasse de pôr um ovo, pus-me a cantar a plenos pulmões."
Passei por emoções exatamente iguais quando terminei de filmar 0 Espelho. Recordações da infância que por tantos anos não me haviam deixado em paz, de repente desapareceram como que por encanto, e finalmente deixei de sonhar com a casa em que vivera tantos anos atrás.
Muitos anos antes de fazer o filme eu tinha me decidido a simplesmente colocar no papel as lembranças que me atormentavam; naquela altura, não pensava ainda em fazer um
filme. Pretendia escrever uma novela sobre a evacuação durante a guerra, e o enredo teria como ponto central o instrutor militar da minha escola. Achei depois que o tema era muito frágil para tornar-se uma novela, e nunca a escrevi. Mas o incidente, que me impressionara profundamente
quando criança, continuou a me atormentar e permaneceu vivo em minhas lembranças até tornar-se um episódio menor do filme.
Quando terminei a primeira versão do roteiro de 0 Espelho, originalmente intitulado Um Dia branco, branco, percebi que, em termos cinematográficos, minha concepção estava longe de ser clara; um simples fragmento de minhas lembranças, cheio de uma tristeza elegíaca e de nostalgia pela infância, não era o que eu queria. Era óbvio que faltava alguma coisa ao roteiro, e o que faltava era crucial. Portanto, mesmo quando o roteiro estava sendo apreciado pela primeira vez, a alma do filme ainda não viera habitar-lhe o corpo. Eu tinha plena consciência de que precisava encontrar uma idéia chave que o elevasse acima do nível de uma reminiscência lírica.
Escrevi, assim, uma segunda versão do roteiro: pretendia intercalar os episódios da infância contidos na novela com fragmentos de uma entrevista franca com minha mãe, justapondo, desse modo, duas formas paralelas de percepção do passado (a da mãe e a do narrador) que adquiriria forma para o público através da interação de duas projeções diferentes desse passado nas lembranças de duas pessoas muito próximas uma da outra, mas de gerações diferentes. Ainda acho que poderíamos ter obtido resultados interessantes e imprevisíveis dessa forma.
Não me arrependo, porém, de ter depois abandonado também essa estrutura, que continuaria sendo excessivamente direta e pouco sutil, e de ter substituído todas as entrevistas
planejadas com a mãe por cenas aromatizadas. Na verdade, nunca achei que os elementos da representação e do documentário pudessem se unir de modo dinâmico. Eles se chocavam e contradiziam, e sua combinação não teria passado de um exercício formal e intelectual de montagem: uma unidade espúria, fundamentada em conceitos. Os dois elementos carregavam concentrações de material muito diferentes, tempos e tensões temporais também diversos: por
um lado, o tempo exato, real e documentário das entrevistas, e, por outro, o tempo das memórias do narrador, recriado pela representação dos atores.
As transições entre o tempo subjetivo e ficcional e o tempo verdadeiro, do documentário, de repente me pareceram pouco convincentes — artificiais e monótonas, semelhantes a um jogo de pingue-pongue.
Minha decisão de não montar um filme com dois planos temporais diferentes não significa de forma alguma que, por  definição, seja impossível combinar  material documentário
e material representado. Na verdade, acho que, em 0 Espelho, as cenas de cine-jornal e as representadas harmonizam-se de forma perfeitamente natural, tanto que já ouvi mais de uma vez pessoas dizerem que pensavam que as seqüências de cine-jornal eram reconstruções deliberadamente criadas para darem a impressão de documentários verdadeiros: o elemento documentário tornara-se uma parte orgânica do filme.
Consegui este resultado graças ao material extraordinário que encontrei. Tive que examinar milhares de metros de película antes de encontrar a seqüência do Exército Soviético
atravessando o lago Sivash. Fiquei perplexo, pois eu nunca me deparara com  nada parecido. Em geral, o que encontrávamos eram filmes de baixa qualidade, ou pequenos fragmentos registrando o cotidiano do exército, ou, ainda, documentários que rescendiam muito a coisa planejada e pouco a verdade. Eu estava começando a perder as esperanças e unificar toda essa confusão num sentido temporal único, quando subitamente — algo de muito inédito em
se tratando de um cine-jornal — ali estava um registro de  um dos momentos mais dramáticos da história do avanço soviético de 1943. Era um material único, e eu mal podia acreditar que se tivesse gasto tanto filme para registrar um só acontecimento em observação contínua. Sem dúvida, a cena fora filmada por um camera-man de extraordinário talento. Quando, na tela à minha frente, e como que saídas do nada, surgiram aquelas pessoas devastadas pelo esforço terrível e desumano daquele trágico momento histórico, tive certeza de que aquele episódio tinha que se tornar o centro, a própria essência, o coração e o sistema nervoso desse filme que tivera início simplesmente como uma reminiscência lírica íntima.
Surgiu na tela uma imagem de força dramática esmagadora — e era tudo meu, especificamente meu, como se eu houvesse suportado a opressão e a dor. (A propósito, foi este
o episódio que o chefe do Cinema Estatal queria que eu deixasse fora do filme.) A cena era sobre aquele sofrimento que é o preço do chamado progresso histórico, e sobre as incontáveis vítimas que, desde tempos imemoriais, o mesmo exige. Era impossível acreditar, por um momento, que tal sofrimento fosse destituído de significado. As imagens falavam de imortalidade, e os poemas de Arseni Tarkovski foram a consumação do episódio, pois davam voz ao seu significado fundamental. O documentário tinha qualidades estéticas que atingiam um extraordinário grau de intensidade emocional. Uma vez impressa na película, a verdade registrada nessa crônica de uma autenticidade absoluta deixava de ser simplesmente semelhante à vida. Tornava-se, de repente, uma imagem de sacrifício heróico e do preço desse sacrifício: a imagem de um momento histórico decisivo, obtida a um custo incalculável.
O filme nos atingia com uma pungência intensa e lancinante, pois o que havia nas tomadas era simplesmente gente. Gente se arrastando, com lama até os joelhos, através de um pântano interminável que se estendia para além do horizonte, sob um céu uniforme e esbranquiçado. Quase não houve sobreviventes. A perspectiva ilimitada desses momentos registrados pelo filme criava um efeito próximo à catarse. Mais tarde vim a saber que o camera-man do exército que fizera o filme, com uma consciência tão extraordinária dos  acontecimentos ocorrendo ao seu redor, havia sido morto naquele mesmo dia.
             Quando só tínhamos quatrocentos metros de filme para prosseguir com 0 Espelho ou, em outras palavras, cerca de treze minutos de projeção, o filme ainda não existia. Os sonhos da infância do narrador haviam sido determinados e filmados, mas mesmo essas seqüências não conseguiam dar ao filme uma estrutura unificada.
Em sua forma atual, o filme só passou a existir com a introdução da esposa do narrador na trama da narrativa; ela não aparecia nem no projeto original, nem no roteiro. Gostamos muito de Margarita Terekhova no papel de mãe do narrador, mas sentíamos o tempo todo que o papel a ela atribuído no roteiro original não bastava para trazer à tona e utilizar todas as suas enormes possibilidades interpretativas. Decidimos, então, escrever mais alguns episódios e lhe demos o papel da esposa. Depois disso, tivemos a idéia de alternar na montagem episódios do passado e do presente do autor.
Para começar, meu brilhante co-autor — Alexander Misarin— e eu quisemos inserir no novo diálogo uma afirmação das nossas concepções sobre os fundamentos estéticos e morais da obra de arte; felizmente, no entanto, tivemos o bom senso de repensar essa intenção. Acredito que algumas dessas idéias agora fluem, imperceptivelmente, por todo o filme.
Este relato da realização de 0 Espelho ilustra o meu ponto de vista de que o roteiro é uma estrutura frágil, viva e em constante mutação, e que um filme só está pronto no momento
em que finalmente terminamos de trabalhar com ele. O roteiro é a base a partir da qual tem início a exploração e, durante todo o tempo em que estou trabalhando num filme, sinto a angústia permanente de que talvez nada resulte dele.
0 Espelho é um exemplo óbvio de como alguns dos meus princípios de trabalho em relação ao roteiro foram levados a suas conclusões lógicas. Muita coisa só veio a ser pensada,
formulada e feita ao longo do processo de filmagem. Os roteiros dos meus filmes anteriores foram mais claramente estruturados. Quando começamos a fazer 0 Espelho decidimos que, por uma questão de princípios, o filme não seria elaborado e planejado antecipadamente, antes que o material fosse filmado. Era importante ver como, sob quais condições, o filme poderia, por assim dizer, adquirir forma por si próprio: dependendo das tomadas, do contato com os atores,
através da construção dos sets e da forma como ele viesse a se adaptar às locações escolhidas.
Não fizemos nenhum projeto antecipado para cenas e episódios, uma vez que não pretendíamos trabalhar com entidades visuais já definidas: o que fizemos foi desenvolver uma
clara percepção da atmosfera e uma empatia com os personagens, o que exigiu no set uma concepção plástica rigorosa. A única coisa que "vejo" antes de filmar, a única coisa que imagino, se é que que vejo ou imagino alguma coisa, é o estado interior, a tensão interior específica das cenas a serem filmadas e da psicologia dos personagens. No entanto, desconheço ainda a forma precisa em que tudo isso será moldado. Analiso todas as possibilidades do set, para compreender através de que meios esse estado interior pode ser expressado no filme. Assim que consigo fazê-lo, começo a filmar.
0 Espelho é também a história da velha casa onde o narrador passou sua infância, da fazenda onde ele nasceu e onde viveram seu pai e sua mãe. Esta casa, que com o passar dos anos se transformara em ruínas, foi reconstruída, "ressuscitada" a partir de fotografias da época e dos alicerces que ainda sobreviviam. Assim, acabou ficando exatamente como fora quarenta anos antes. Quando mais tarde levamos até lá minha mãe, que passara a infância naquele lugar
e naquela casa, sua reação superou todas as minhas expectativas. O que ela experimentou foi uma volta ao seu passado, e isso me deu a certeza de que estávamos no caminho certo. A casa despertou nela os sentimentos que o filme pretendia expressar...
Diante da casa, estendia-se um campo; lembro que crescia trigo-sarraceno entre ela e a estrada que levava ao próximo vilarejo. O trigo-sarraceno é muito bonito quando está em floração. As flores brancas, que dão o efeito de um campo coberto de neve, ficaram em minhas lembranças como um dos detalhes essenciais e inesquecíveis da minha infância. Porém, quando chegamos para decidir onde filmaríamos, não havia trigo-sarraceno à vista — há anos o kolkhoz vinha semeando os campos com trevo e aveia. Quando pedimos que semeassem trigo-sarraceno, garantiram que a planta não crescia ali, pois o solo não favorecia o seu cultivo. Apesar disso, arrendamos o campo e semeamos o trigo por nossa própria conta e risco. As pessoas do kolkhoz não conseguiram esconder o espanto quando viram o trigo brotar; quanto a nós, vimos essa conquista como um bom presságío. Ela parecia nos dizer algo sobre a qualidade especial da nossa memória — sobre sua capacidade de penetrar para além dos véus estendidos pelo tempo, e era exatamente sobre isso o filme: essa era sua idéia seminal.
Não sei o que teria sido do filme se o trigo-sarraceno não crescesse... Nunca me esquecerei do momento em que ele começou a florir.
Quando comecei a filmar 0 Espelho, passei a refletir cada vez mais sobre o fato de que, quando se leva a sério o trabalho que se realiza, um filme deixa de ser apenas o próximo passo da nossa carreira, pois trata-se de um ato que irá repercutir por toda nossa vida. Eu havia decidido que neste filme, pela primeira vez, iria usar os recursos do cinema para falar de todas as coisas que me eram mais caras, e que iria fazê-lo diretamente, sem usar quaisquer truques.
Foi extremamente difícil explicar para as pessoas que não há nenhum significado oculto no filme, que não há nada além do desejo de dizer a verdade. Muitas vezes as minhas afir- mações provocaram incredulidade e até mesmo decepção. Algumas pessoas evidentemente queriam mais: precisavam de símbolos secretos e significados ocultos. Não estavam habituadas
à poética da imagem cinematográfica. Eu também fiquei desapontado. Da parte do público, foi essa a reação dos que se opuseram ao filme; quanto a meus colegas, atacaram-me com ferocidade, acusando-me de falta de modéstia e de querer fazer um filme sobre mim mesmo.
No final, fomos salvos por uma única coisa — pela fé: a crença de que, como o nosso trabalho era tão importante para nós, ele só podia tornar-se igualmente importante para o público. O filme tinha por objetivo reconstruir as vidas de pessoas que eu amara intensamente e que conhecia muito bem. Eu queria contar a história da dor de um homem por achar que não pode recompensar a família por tudo o que ela lhe deu. Ele sente que não a amou o suficiente, uma idéia que o atormenta e da qual não consegue se desvencilhar.
Quando falamos de coisas que nos são caras, ficamos imediatamente ansiosos por saber como as pessoas irão reagir àquilo que dissemos, e desejamos proteger essas coisas, defendê-las contra a incompreensão. Uma das nossas preocupações era imaginar de que forma os públicos do futuro receberiam o filme, mas, ao mesmo tempo, continuamos acreditando, com uma obstinação de maníacos, que seríamos compreendidos. Nossa decisão foi confirmada pelas circunstâncias futuras; a esse respeito, as cartas transcritas no começo deste livro dizem algo sobre o que aconteceu. Eu não podia esperar por um nível mais alto de compreensão, e tal reação da parte do público foi extremamente importante para o desenvolvimento das minhas obras futuras.
0 Espelho não foi, em absoluto, uma tentativa de falar sobre mim mesmo. Ele falava sobre meus sentimentos para com pessoas que me eram muito queridas, sobre meu relacionamento com elas, sobre minha eterna compaixão pelo seu sofrimento e pelas minhas próprias falhas — o meu sentimento de dever não cumprido. Os episódios dos quais o narrador se lembra num momento de crise profunda provocam-lhe uma dor que não cessa até o último instante, enchendo-o de tristeza e angústia...
3)Sobre a montagem do filme:
Devo dizer que a montagem de 0 Espelho consumiu uma quantidade prodigiosa de trabalho. Havia cerca de vinte ou mais variantes. Não me refiro simplesmente a alterações na ordem de certas tomadas, mas a alterações fundamentais na própria estrutura, na seqüência dos episódios. Em alguns momentos, tínhamos a impressão de que seria impossível montar o filme, o que implicaria a existência de lapsos imperdoáveis durante as filmagens. O filme não se sustentava, não ficava em pé, fragmentava-se diante dos nossos olhos, não tinha unidade, nem as necessárias conexões internas, nenhuma lógica. E então, um belo dia, quando, de certa forma, tentávamos fazer uma última e desesperada recomposição — ali estava o filme. O material adquiriu vida; as partes começaram a funcionar organicamente, como se unidas por uma corrente sangüínea. Quando aquela derradeira e desesperadoratentativa foi projetada na tela, o filme nasceu  diante dos nossos olhos. Por muito tempo, eu não consegui crer no milagre — o filme se sustentava.
Foi um teste sério para verificarmos a qualidade das filmagens. Estava claro que as partes se juntavam devido a uma tendência interior do material, que deve ter se originado durante as filmagens; e, se não estávamos nos iludindo quanto ao fato de o filme estar ali, a despeito de todas as nossas dificuldades, então as partes do filme não poderiam ter feito outra coisa que não fosse juntar-se, pois isso fazia parte da própria natureza das coisas. Tinha de acontecer, legítima e espontaneamente, assim que reconhecêssemos o significado e o princípio vital das tomadas. E, quando isso aconteceu, graças a Deus! — que grande alívio foi para todos.
O próprio tempo, fluindo através das tomadas, acabara por harmonizar-se e articular-se.
0 Espelho tem cerca de duzentas tomadas, um número bastante reduzido quando se pensa que filmes da mesma metragem costumam ter cerca de quinhentos; o número é pequeno devido ao tamanho das tomadas...
            4) Sobre a imagem cinematográfica do filme:
            Vejamos o retrato feito por Leonardo da Jovem com um Ramo de Zimbro, que usei em 0 Espelho, na cena do breve encontro do pai com os filhos, quando ele vem para casa em licença. Há nas imagens de Leonardo duas coisas fascinantes. Uma delas é a extraordinária capacidade do artista examinar o objeto de fora, do exterior, com um olhar que paira por cima do mundo. A outra consiste no fato de o quadro nos atingir simultaneamente de duas maneiras opostas. É impossível exprimir a impressão final que o quadro produz em nós. Nem mesmo é possível dizer com certeza se gostamos ou não da mulher, se ela é simpática ou desagradável. Ela é ao mesmo tempo atraente e repugnante. Há nela algo de indizivelmente belo e ao mesmo tempo repulsivo, satânico; porém, não no sentido romântico e sedutor do termo — trata-se, pelo contrário, de algo para além do bem e do mal, de fascínio com um signo negativo. O retrato tem
um elemento de degeneração — e de beleza. Em 0 Espelho, precisávamos dele para introduzir um elemento atemporal nos momentos que se sucedem uns aos outros diante dos nossos olhos e, ao mesmo tempo, para confrontar o retrato e a heroína, enfatizando nela e na atriz Margarita Terekhova, a mesma capacidade de ser simultaneamente encantadora e repugnante...
Se tentarmos analisar o retrato de Leonardo, decompondo os seus elementos, a tentativa não funcionará. Ou, de qualquer modo, não explicará nada, pois o efeito emocional exercido sobre nós pela mulher retratada é poderoso exatamente por ser impossível descobrir nela qualquer coisa que possamos privilegiar de modo definido, é impossível extrair qualquer detalhe do contexto geral, destacar qualquer impressão momentânea em detrimento de outra e fazê-la nossa, ou chegar a um equilíbrio quanto à maneira de olhar a imagem que nos é apresentada. E assim, abre-se diante de nós a possibilidade de uma interação com o infinito, uma vez que a grande função da imagem artística é ser uma espécie de detector do infinito... em direção ao qual nossa razão e nossos sentimentos elevam-se num ímpeto alegre e arrebatador.
Este sentimento é despertado pela integridade da imagem: ela nos atinge precisamente pelo fato de ser impossível decompô-la. Considerada isoladamente, cada uma de suas partes estará morta — ou, pelo contrário, o elemento mais íntimo talvez revele as mesmas características da obra completa e acabada.
(...)
Irrita-me sempre ver um artista justificar seu sistema de imagens com tendenciosidade ou ideologia deliberada. Sou contra esse procedimento do artista, de permitir que seus métodos sejam absolutamente visíveis. Muitas vezes me arrependo de ter permitido que algumas tomadas permanecessem em meus filmes; elas me parecem agora a prova de uma concessão que se insinuou em meus filmes por ter me faltado a necessária coerência. Se ainda fosse possível, eu teria todo o prazer em excluir a cena do galo de 0 Espelho, muito embora ela tenha causado uma profunda impressão em muitos espectadores. Isso, porém, aconteceu porque eu estava brincando de "perde-ganha" com o público.
              Quando a protagonista do filme, exausta e prestes a desmaiar, pensa se vai ou não cortar a cabeça do galo, nós a filmamos em close-up, em alta velocidade nos últimos noventa
fotogramas, e com uma iluminação evidentemente artificial. Uma vez que na tela esta cena aparece em câmera  lenta, obtém-se um efeito de alargamento da estrutura temporal — estamos levando o espectador a mergulhar no estado de espírito da protagonista, estamos retardando aquele momento, acentuando-o. Isso não é bom, pois a tomada começa a ter um significado puramente literário. Deformamos o rosto da atriz independentemente dela, como se estivéssemos representando o papel por ela. Servimos a emoção que desejamos, forçando a sua exteriorização através de nossos próprios meios — os do diretor. O estado de espírito do personagem fica excessivamente claro e legível. E na interpretação do estado de espírito de um personagem, sempre se deve deixar algo em segredo.
Vejamos um exemplo mais bem-sucedido de um procedimento semelhante, também extraído de 0 Espelho: alguns fotogramas da cena da tipografia também são filmados em câmera lenta, mas, desta vez, o procedimento é quase imperceptível. Esforçamo-nos para fazer tudo com muito cuidado e sutileza, para que o espectador não se desse conta do lato imediatamente, mas tivesse apenas uma vaga sensação de que algo estranho se passava. Não estávamos tentando enfatizar uma idéia através da câmera lenta; o que pretendíamos era evocar um estado de espírito através de outro meio que não o trabalho do ator.
No cinema não existem problemas técnicos de expressão, desde que saibamos exatamente o que dizer; se virmos, de dentro, cada célula de nosso filme e conseguirmos senti-lo com precisão. Por exemplo, na cena do encontro casual da protagonista com um estranho (representado por Anatoli Solonitsvn). depois que ele se afastava, era importante que se desenhasse algum tipo de vínculo que unisse essas duas pessoas cujo encontro parece ter se dado inteiramente por acaso. Se, enquanto caminhava, ele se voltasse e a olhasse expressivamente, tudo teria parecido linear e falso. Pensamos, então, na rajada de vento no campo, que atrai a atenção do estranho por ser tão inesperada: é por isso que ele olha para trás...
5) Sobre a realização gráfica do filme:
Na prática, nunca tive segredos para com meus colegas: pelo contrário, durante as filmagens a equipe sempre trabalhou como um só homem. Isso porque, enquanto não estivermos, por assim dizer, ligados por nossas artérias e nervos, enquanto nosso sangue não começar a circular por um mesmo sistema, é simplesmente impossível fazer um filme.
Durante todo o tempo em que estávamos fazendo 0 Espelho, quase nunca nos separávamos; falávamos sobre as coisas que cada um de nós conhecia e amava, sobre o que nos
era caro e o que odiávamos, e era comum que nos perdêssemos em nossas divagações sobre o filme. E a posição desta ou daquela pessoa nos trabalhos não tinha a menor importância. Edward Artemiev, por exemplo, compôs apenas alguns trechos da música do filme, mas sua participação é tão importante quanto a de todos os outros, pois, sem a colaboração de cada um, o filme não teria sido feito da forma que o foi.
Quando o set foi construído sobre os alicerces da casa em ruínas, nós todos, como membros da equipe, costumávamos ir até lá esperar pelo nascer do sol, para sentirmos o que havia de especial no lugar, estudá-lo em climas diferentes e observá-lo nos diferentes períodos do dia. Queríamos nos impregnar das sensações das pessoas que haviam vivido na casa e presenciado, uns quarenta anos antes, as mesmas auroras e crepúsculos, as mesmas chuvas e neblinas. Contagiávamo-nos mutuamente com nossas recordações e com o sentimento de que a comunhão entre nós era sagrada. No final do trabalho, separamo-nos com pesar, como se aquele fosse o momento em que devíamos estar começando: na ocasião, quase nos havíamos tornado parte uns dos outros.
No caso de O Espelho, vocês podem imaginar quão sensíveis precisavam ser os membros da equipe para que pudessem aceitar como sua uma idéia que não apenas provinha  de outra pessoa, mas que era também profundamente pessoal; e, também, para ser franco, como me foi difícil compartilhá- la com meus colegas, talvez ainda mais difícil do que com o público — afinal, até o dia da estréia, o público não passa de uma espécie de abstração remota.
6) Sobre a atuação em “O Espelho”:
Quando faço um filme, tento não atormentar meus atores  com discussões, e não admito que o ator estabeleça uma ligação entre o trecho que está representando e o filme em sua totalidade; às vezes, não permito que ele o faça nem mesmo com relação às cenas imediatamente anteriores ou posteriores. Por exemplo: na cena de 0 Espelho em que a protagonista espera pelo marido, o pai dos seus filhos, sentada na cerca e fumando um cigarro, achei melhor que Margarita Terekhova não conhecesse o enredo, que não soubesse se o marido realmente voltaria. A história foi mantida em segredo para que a atriz não reagisse a ela em algum nível inconsciente da sua mente, mas, sim, para que vivesse aquele momento exatamente como minha mãe, seu protótipo, o vivera no passado, sem saber o que seria feito da sua vida.
Não há dúvida de que o comportamento da atriz teria sido  diferente caso ela soubesse como seria a sua relação futura com o marido; não apenas diferente, mas também falsificado pelo conhecimento que ela teria da continuidade da história.  O sentimento de estar condenada não poderia senão influenciar o trabalho da atriz naquela etapa inicial da história. Em algum momento — de forma inconsciente, sem querer contrariar a vontade do diretor — ela teria revelado alguns indícios do sentimento de futilidade da espera, e nós também o teríamos sentido; na verdade, o que precisávamos sentir nessa cena era a singularidade, o caráter único, daquele momento, e não suas ligações com o resto da sua vida.
No caso do meu filme, queríamos que a atriz sentisse aqueles  momentos exatamente como teria feito em sua vida, sem ter consciência do roteiro; naqueles instantes ela provavelmente teria esperanças, depois as perderia, apenas para ressuscitá-las, em seguida... Dentro da ação proposta, a espera pelo marido, a atriz tinha que viver seu próprio e misterioso
fragmento de vida, sem saber para onde este a levava.
É claro que diferentes atores devem ser tratados de forma diferente. Terekhova não conhecia o roteiro todo e representou seu papel em partes separadas. Quando percebeu que eu não ia lhe contar o enredo nem explicar-lhe todo o seu papel, ela ficou muito desconcertada... Desse modo, porém, os diferentes fragmentos que ela interpretou (e que, mais tarde, combinei num único desenho como peças de um mosaico), foram o resultado de sua intuição. No início, não foi fácil trabalharmos juntos. Ela achava difícil acreditar que eu pudesse prever — por ela, por assim dizer — a organização do seu papel num todo orgânico no final do filme  filme; em
outras palavras, ela achava difícil confiar em mim.
7) Sobre a música em “O Espelho”:
A música pode conferir ao material filmado uma inflexão lírica, nascida da experiência do autor. Em 0 Espelho, por exemplo, que é um filme autobiográfico, a música é introduzida muitas vezes como parte do material da própria vida, da experiência espiritual do autor, sendo, portanto, um elemento vital do universo do herói lírico do filme.
A música eletrônica parece-me oferecer possibilidades infinitamente valiosas ao cinema. Artemiev e eu a utilizamos em algumas cenas de 0 Espelho. Queríamos que o som se assemelhasse ao de um eco terrestre, cheio de sugestões poéticas — que fizesse lembrar sussurros, suspiros. As notas deveriam transmitir o fato de que a realidade é condicional e, ao mesmo tempo, deveriam reproduzir com exatidão estados de espírito específicos, os sons do mundo interior de uma pessoa. No momento em que a ouvimos como ela é, e percebemos que está sendo construída, a música eletrônica morre, e Artemiev precisou recorrer a artifícios muito complexos para obter os sons que desejávamos. A música eletrônica deve ser depurada de suas
origens "químicas", para que, ao ouvi-la, possamos descobrir nela as notas primordiais do mundo.



3 comentários:

Jacomini disse...

Participo de atividades de Extensão na UFRGS (paralelas ao "Curso de Letras"). Dentre elas, está o Ciclo de Cinema denominado: "Cinema e Sexualidade". Desenvolvido pela Faculdade de Psicologia em parceria com a FABICO. Frequento ambas desde 1992. Nunca fiquei limitados aos muros impostos pelo sistema formal de educação. É assim que procedo na luta contra a ignorância.

Jacomini disse...

Esta é uma publicação importante do blog.
Neste sábado de Lua Nova, revisito a publicação, enquanto elaboro um outro texto também importante e significativo. Em breve, novidades, sobre.
Namastê.

Jacomini disse...

23/05/2015
Dia de São Jorge.