domingo, 22 de dezembro de 2013

Tânia SALEM







UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
Disciplina: INDIVIDUALISMO, SOCIABILIDADE E MEMÓRIA
Professora: CORNELIA ECKERT

Semestre 99/1













EXERCÍCIO  DE  AVALIAÇÃO  1
SALEM, Tânia. "A "despossessäo subjetiva": dos paradoxos do individualismo. In: Revista Brasileira Ciências Sociais n° 18, ano 7, fev. 1992.



















Aluno: JAQUES XAVIER JACOMINI



Introdução


A proposta de Tânia Salem no artigo A “Despossessão Subjetiva”: dos paradoxos, do individualismo é bastante interessante e adequada para realizarmos uma espécie de fechamento das discussões que realizamos até agora na disciplina “Individualismo, Sociabilidade e Memória”. Assim entendemos esta atividade de avaliação e assim nos empenhamos na feitura deste pequeno ensaio.
Para a construção deste ensaio, seguimos a seguinte orientação estrutural: Em um primeiro momento – Despossessão Subjetiva ? – trazemos questões mais gerais tomadas do artigo de Salem, como os seus objetivos e princípios norteadores, inspirações e influências teóricas. Neste ponto destacamos ainda a divisão dos blocos (ou momentos) que compõe o trabalho da autora.
Em um segundo momento - Retomando autores e suas concepções – tentamos trazer para este ensaio  considerações sobre alguns dos autores trabalhados por Salem. Dentre eles, elegemos Simmel para uma retomada mais pausada. Sobre este último, realizamos inicialmente um apanhado mais geral sobre a sua teoria e, posteriormente, uma explanação mais específica sobre as suas concepções de indivíduo.  














1. Despossessão Subjetiva ?

Como a própria autora coloca, o objetivo deste trabalho é “repensar o modo como cientistas sociais vêm tematizando a categoria moderna de Pessoa, consubstanciada na noção de indivíduo e, em especial, na de indivíduo psicológico”. Este esforço analítico de Tânia Salem tem nome: “A Despossessão subjetiva”. A premissa básica é a de que há uma instância no interior do próprio sujeito que o constrange às expensas de sua vontade e consciência.
A abordagem desenvolvida pela autora visa “depreender descontinuidades significativas na representação do sujeito psicológico, relativamente à de seu predecessor – o indivíduo jurídico”. Salem destaca ainda que o indivíduo psicológico só adquire sentido e inteligibilidade em um universo individualista.
O Artigo, desenvolvido em dois blocos (além da apresentação): “Do ‘Individualismo possessivo’ ao sujeito psicológico: inflexões e descontinuidades” e “Das articulações entre a ‘despossessão subjetiva’ e a configuração individualista”, chama para o debate diversos pensadores que trabalhamos em sala de aula dentre os quais Dumont e Simmel  aparecem em relevo. Dentre aqueles que não abordamos e que a autora utiliza na sua análise, destacaria a presença de Foucault que “ainda que não se referindo explicitamente à destituição do sujeito sobre si mesmo, a tangência, e a elucida parcialmente, ao invocar as conseqüências derivadas do fato de saber / poder formarem a partir do século XIX um todo indissociável.”
Ao citar Gauchet & Swain – A História da individualização é, de outro lado e necessariamente, a história de uma despossessão ou de uma destituição subjetiva – fica claro para nós a fonte (ou uma das fontes) de inspiração que Salem toma para articular a construção deste texto, bem como o porque de defini-lo “A Despossessão Subjetiva”.

 

 




 

 Retomando Autores e suas Concepções


Salem destaca que os primórdios da investigação sobre este tema estão calcados na obra de Mauss, porém é Dumont que “é o autor contemporâneo que mais extensa e sistematicamente se empenhou na relativização e na crítica contumaz da moderna categoria de indivíduo”.
Tendo como tese central a oposição entre individualismo e holismo, a contribuição de Dumont, segundo a autora, revelou-se insuficiente para a apreensão da categoria moderna de indivíduo. Diante desta situação, a recorrência as teses de Simmel, Lasch, Sennett, Ariès, Foucault, entre outros é a alternativa capaz de “suprir o ‘elo falante’ relativamente ao eixo analítico dumontiano.” Diante dos pensadores “alternativos” que colaboram para a “despossessão subjetiva”, destacados por Tânia Salem, elegemos Simmel para realizarmos um aprofundamento maior sobre as suas concepções.
Para Simmel, a sociedade existe onde vários indivíduos entram em interação. Esta ação reciproca se produz sempre por determinados instintos ou para determinados fins. Instintos eróticos, religiosos ou simplesmente sociais, fins de defesa ou ataque, de jogo ou ganho, de ajuda ou instrução,  estes e infinitos outros fazem com que o homem se encontre num estado de convivência com outros homens, com ações a favor deles, em conjunto com eles, contra eles, em correlação de circunstâncias com eles. Essas interações significam que os indivíduos, nos quais se encontram aqueles instintos e fins, fora por eles levados a unir-se, convertendo-se numa unidade, numa "sociedade". Pois unidade em sentido empírico nada mais é do que interação de elementos. O mundo não poderia ser chamado de uno, se cada parte não influísse de algum modo sobre as demais, ou se em algum ponto se interrompesse a reciprocidade das influências.
A unidade ou sociaçäo pode ter diversos graus, segundo a espécie e a intimidade que tenha a interação - desde a união efêmera para dar um passeio até a família - desde as relações por prazo indeterminado até a pertinência a um mesmo Estado - desde a convivência fugitiva num hotel até a união estreita de uma corporação medieval. Simmel designa como conteúdo ou matéria da sociaçäo tudo quanto exista nos indivíduos (portadores concretos e imediatos de toda a realidade histórica) - como instinto, interesse, fim, inclinação, estado ou movimento psíquico -, tudo enfim capaz de originar ação sobre outros ou a recepção de suas influências.
Dito de outra forma, podemos considerar conteúdos (materiais) versus formas de vida social onde:
1°) uma delas é que em qualquer sociedade humana pode-se fazer uma distinção entre seu conteúdo e sua forma.
2°) é que a própria sociedade em geral se refere à interação entre indivíduos. Essa interação sempre surge com base em certos impulsos ou em função de certos propósitos. Os instintos eróticos, os interesses objetivos, os impulsos religiosos e propósitos de defesa ou ataque, de ganho ou jogo, de auxilio ou instrução, e incontáveis outros, fazem com que o homem viva com outros homens, aja por eles, com eles, contra eles, organizando desse modo, reciprocamente, as suas condições - em resumo, para influenciar os outros e para ser influenciado por eles.  A importância dessas interações esta no fato de obrigar os indivíduos, que possuem aqueles instintos, interesses, etc.; a formarem uma unidade - precisamente, uma "sociedade".
A sociaçäo só começa a existir quando a coexistência isolada dos indivíduos adota formas determinadas de cooperação e de colaboração, que caem sob o conceito geral da interação. A sociaçäo é, assim, a forma realizada de diversas maneiras, na qual os indivíduos constituem uma unidade dentro da qual se realizam seus interesses. E é na base desses interesses - tangíveis ou ideais, momentâneos ou duradouros, conscientes ou inconscientes, impulsionados casualmente ou induzidos teleologicamente - que os indivíduos constituem tais unidades.
Em qualquer fenômeno social dado, conteúdo e forma sociais constituem uma realidade unitária. Uma forma social desligada de todo conteúdo não pode ter existência, do mesmo modo que a forma espacial não pode existir sem uma matéria da qual seja forma. Tais são justamente os elementos, inseparáveis na realidade, de cada ser e acontecer sociais: um interesse, um fim, um motivo e uma forma ou maneira de interação entre os indivíduos, pelo qual ou em cuja figura aquele conteúdo alcança realidade social. Portanto, temos nem só objetividade, nem só subjetividade. Somente quando a vida desses conteúdos adquire a forma da influência reciproca, só quando se produz a ação de uns sobre os outros - imediatamente ou por intermédio de um terceiro - é que a nova coexistência social, ou também a sucessão no tempo, dos homens, se converte numa sociedade.
Para clarear um pouco mais a tese  geral de Simmel, destacamos a seguinte citação:
“Por sociedade não entendo apenas o conjunto complexo dos indivíduos e dos grupos unidos numa mesma comunidade política. Vejo uma sociedade em toda parte onde os homens se encontram em reciprocidade de ação e constituem uma unidade permanente ou passageira.  Logo, em cada uma dessas uniões produz-se um fenômeno que caracteriza, da mesma forma, a vida individual; a cada instante, forças perturbadoras, externas ou não, opõem-se ao agrupamento, e este, se for deixado a agir por sua própria conta, não tardarão elas a dissolvê-lo, isto é, a transferir seus elementos para agrupamentos estranhos. ... Nessa circunstância, temos a sociedade como uma unidade sui generis, distinta de seus elementos individuais”.
No que tange a questão específica da concepção de indivíduo em Simmel, podemos afirmar que “indivíduo em Simmel afirma-se como um ser proprietário de si, tanto perante a sociedade quanto de um ponto de vista subjetivo”.
O indivíduo psicológico em Simmel fala de um sujeito fundado em uma autonomia subjetiva radical capaz de erigir em torno de si um abrigo intimo que o protege dos "outros".
Sobre a concepção de  indivíduo moderno, temos Simmel em uma posição diferenciada de Dumont e Pacpherson, pois estes apresentaram uma preocupação sobre o plano formal ou externo do indivíduo (indivíduo jurídico), enquanto que Simmel debruçou-se de forma explícita sobre o domínio mais propriamente interno do indivíduo (indivíduo psicológico).


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