terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Racismo








Racismo
“O racismo é uma das coisas
 mais nojentas que se
 pode conhecer.
Mandela representou a luta
 contra essa deformação das relações
 entre os homens em todas as suas
 possibilidades e facetas”. 
Juremir Machado da Silva

A Escravidão não acabou. A persistência atordoante do racismo é a maior prova desta triste (porém real) verdade.
Você leu Jornal Correio do Povo de Porto Alegre no dia de hoje? Você leu a coluna do Juremir Machado da Silva publicada no Jornal Correio do Povo de Porto Alegre no dia de hoje? Se não leu, por favor, leia. Ele fala da Copa, de política, mas também de racismo, de Gilberto Freyre e das relações sociais no Brasil.  
Leia porque parece que é só jacquesja que insisti neste assunto. E não é. O racismo, velado e reatualizado, persiste. E eu tenho chamado a sua atenção aqui sobre esta temática. A consciência racial, leva-me a trabalhar na defesa dos que muito já sofreram (e seguem sofrendo) pela práticas constantes do etnocentrismo praticado pela classe dominante.
Esta página vem agora como uma nota introdutória do trabalho que iniciei neste semestre com Gilberto Freyre. Decidi fazer um estudo a partir da obra “Sobrados e Mucambos”, a fim de aprofundar o meu conhecimento sobre as relações inter-étnicas no Brasil. É um tema muito atual e envolvente.
A Cidade de Viamão possui diversas comunidades quilombolas. Tenho especial apresso pela comunidade do Beco dos Botinhas que fica ali no limite geográfico entre Viamão e Alvorada. Na última oportunidade em que visitei alguns amigos que vivem no lugar, surgiu o embrião de uma nova possibilidade de pesquisa antropológica. Ainda é cedo para trazer aqui maiores detalhes sobre este assunto. Contudo, fica o registro da necessidade de ver a diversidade étnico-racial como uma das maiores riquezas do povo brasileiro. Darcy Ribeiro na célebre obra denominada “O Povo Brasileiro” também desenvolveu uma tese muito interessante a este respeito.
Mandela vive em cada gesto, em cada sonho, em cada sopro da nação não branca guerreira que não para de lutar pela libertação definitiva do seu povo. A resistência (mesmo que silenciosa) vai continuar. A esperança de não haver mais agressões ao negro é o sustentáculo deste trabalho.


















Obras Reunidas de Gilberto Freyre
*
Introdução à História da Sociedade Patriarcal no Brasil.

Sobrados e Mucambos

Decadência do Patriarcado Rural e Desenvolvimento do Urbano.
*
3ª. Edição
Ilustrações de Lula Cardoso Ayres, M. Bandeira, Carlos Leão e do Autor.

2º. Tomo

Livraria José Olympio Editora
Rio de Janeiro - 1961

Capítulo XI

Ascensão do Bacharel e do Mulato*

páginas 573 a 631


            É impossível defrontar-se alguém com o Brasil de Dom Pedro I, de Dom Pedro II, da Princesa Isabel, da campanha da Abolição, da propaganda da República por doutores de pincenez, dos namoros de varanda de primeiro andar para a esquina da rua, com a moça fazendo sinais de leque, de flor ou de lenço para o rapaz de cartola e de sobrecasaca, sem atentar nestas duas grandes forças, novas e triunfantes, as vezes reunidas numa só: o bacharel e o mulato.

            Desde os últimos tempos coloniais que o bacharel e o mulato vinham se constituindo em elementos de diferenciação, dentro de uma sociedade rural e patriarcal que procurava integrar-se pelo equilíbrio, e mais do que isso, pelo o que os sociólogos modernos chamam acomodação, entre os dois grandes antagonismos: o senhor e o escravo. A casa grande, completada pela senzala, representou entre nós, verdadeira maravilha de acomodação que o antagonismo entre o sobrado e o mucambo veio quebrar ou perturbar.

            A urbanização do império, a conseqüente diminuição de tanta casa-grande gorda, em sobrado magro, mais tarde até em chalé esguio; a fragmentação de tanta senzala em mucambaria, não já de negro fugido, no meio do mato grosso ou no alto do morro agreste mas de negro pardo livre, dento da cidade – fenômeno dos 1830 brasileiros que se acentuou com a campanha da Abolição – tornou quase impossível o equilíbrio antigo, da época de ascendência quase absoluta dos senhores de escravos sobre todos os outros elementos da sociedade; sobre os próprios vice-reis e sobre os próprios bispos. Maximiliano ainda alcançou essa época quase feudal de organização social do Brasil; Nota 1 e o Conde de Suzannet ainda sentiu de perto, no Império, essa feudalidade, Nota 2, senão de substância, de forma.

            A valorização social começara a fazer-se em volta de outros elementos: em torno da Europa, mas uma Europa burguesa, donde nos foram chegando novos estilos de vida, contrários aos rurais e mesmo aos patriarcais: o chá, o governo de gabinete, a cerveja inglesa, a botina Clark, o biscoito de lata. Também roupa de homem menos colorida e mais cinzenta; o maior gosto pelo teatro, que foi substituindo a igreja; pela carruagem de quatro rodas que foi substituindo o cavalo ou o  palanquim; pela e pelo chapéu-de-sol que foram substituindo a espada de capitão ou de sargento-mor dos antigos senhores rurais. E todos esses novos valores foram tornando-se as insígnias de mando de uma nova aristocracia: a dos sobrados. De uma nova nobreza: a dos doutores e bacharéis talvez mais que a dos negociantes ou industriais. De uma nova casta: a de senhores de escravos e mesmo de terras, excessivamente sofisticados para tolerarem a vida rural na sua pureza rude.

            Eram tendências encarnada principalmente pelo bacharel, filho legítimo ou não do senhor de engenho ou do fazendeiro, que voltava com novas idéias da Europa - de Coimbra, de Montpellier, de Paris, da Inglaterra, da Alemanha - onde fora estudar por influência ou lembrança de algum tio-padre mais liberal ou de algum parente maçom mais cosmopolita.

            Às vezes eram rapazes da burguesia mais nova das cidades que se bacharelavam na Europa. Filhos ou netos de "mascates". Valorizados pela educação européia, voltavam socialmente iguais aos filhos das mais velhas e poderosas famílias de senhores de terras. Do mesmo modo que iguais a estes, muitas vezes seus superiores pela melhor assimilação de valores europeus e pelo encanto particular, aos olhos do outro sexo, que o híbrido, quando eugênico, parece possuir como nenhum indivíduo de raça pura, voltavam os mestiços ou os mulatos claros. Alguns deles filhos ilegítimos de grandes senhores brancos; e com a mão pequena, o pé bonito, às vezes os lábios ou o nariz, dos pais fidalgos.

            A ascensão dos bacharéis brancos se fez rapidamente no meio político, em particular, como no social, em geral. O começo do reinado da Pedro II é o que marca, entre outras alterações na fisionomia brasileira: o começo do "romantismo jurídico" no Brasil, até então governado mais pelo bom senso dos velhos que pelo senso jurídico dos moços. Com Pedro I, tipo de filho de senhor de engenho destabocado, quebrara-se já quase por completo, para o brasileiro, a tradição ou a mística da idade respeitável. Mística ou tradição já comprometida, como vimos, por alguns capitães-generais de vinte e tantos anos, para cá enviados pela Metrópole, na era colonial, quase como um acinte ou uma pirraça aos velhos poderosos da terra. Mas foi com Pedro II que a nova mística - a do bacharel moço - como que se sistematizou, destruindo quase de todo a antiga: a do capitão-mor velho.

            Os bacharéis e doutores que iam chegando de Coimbra, de Paris, da Alemanha, de Montpellier, de Edimburgo, mais tarde  os que foram saindo de Olinda, de São Paulo, da Bahia, do Rio de Janeiro, a maior parte deles formados em Direito e Medicina, alguns em Filosofia ou Matemática e todos uns sofisticados, trazendo com o verdor brilhante dos vinte anos, as últimas idéias inglesas e as ultimas modas francesas, vieram a acentuar, nos pais patriarcal, por si só uma mística, como a sua inferioridade de primeiros anos de mando, um meninote meio pedante presidindo com certo ar de superioridade européia, gabinetes de velhos acaboclados e até amulatados, às vezes matutos profundamente sensatos, mas sem nenhuma cultura francesa, apenas a latina, aprendida a palmatória ou vara de marmelo, devia atrair, como atraiu, nos novos bacharéis e doutores, não só a solidariedade da juventude, a que já nos referimos, mas a solidariedade da cultura  européia. Porque ninguém foi mais nem mais doutor neste país que Dom Pedro II. Nem menos indígena e mais europeu. Seu reinado foi o reinado dos Bacharéis.

            Em suas memórias recorda a página 91 Dom Romualdo de Seixas que “distinto Deputado, hoje Senador do Império” propunha que se mandasse para o Pará, com o fim de melhor ajustar ao sistema imperial aquela província indianóide do extremo Norte, “carne, farinha e Bacharéis”. E comentava Dom Romualdo: “Pareceu com efeito irrisório a medida; mas refletindo-se um pouco  vê-se que os dois primeiros socorros eram os mais próprios para  contentar os povos oprimidos de fome e miséria e o terceiro não menos valioso pela mágica virtude que tem uma carta de Bacharel que transforma os que tem fortuna de alcançá-la em homens enciclopédicos e aptos para tudo”.

De Dom Pedro II não será talvez exagero dizer-se que sua confiança estava mais nos bacharéis que administrassem juridicamente as províncias e distribuíssem corretamente a justiça, do que em socorros de carne e farinha aos “povos oprimidos”. Socorros precários e efêmeros.

Mas o bacharel não apareceu no Brasil com Dom Pedro II e à sombra das palmeiras imperiais plantadas por el-Rei seu avô. Já os jesuítas tinham dado à colônia ainda sombreada de mato grosso – a terra inteira para desbravar, índios nus quase dentro das igrejas, de olhos arregalados para os padres que diziam missas, casavam e batizavam, cobras caindo do telhado por cima das camas ou enroscando-se nas botas dos colonos – os primeiros bacharéis e os primeiros arremedos de doutores ou mestres em arte. E nos séculos XVII e XVIII, graças aos esforços dos padres, aos seus cursos de latim, Salvador já reunira bacharéis formados nos pátios da Companhia, como Gregório de Matos e seu irmão Euzébio, como Rocha Pita e Botelho de Oliveira. Alguns aperfeiçoaram-se na Europa, é certo; mas na própria Bahia, e com os padres velhos, é que quase todos fizeram os estudos de Humanidades.

Entretanto, é do século seguinte que data verdadeiramente a ascensão do homem formado na vida política e social da colônia. Gonzaga, Cláudio, os dois Alvarenga, Basílio da Gama marcam esse prestígio mais acentuado do bacharel na sociedade na sociedade colonial; a intervenção mais franca do letrado ou do clérigo na política. Marcam, ao mesmo tempo, o triunfo político de outro elemento na vida brasileira – o homem fino da cidade. E mais: a ascensão do brasileiro nato e até do mulato aos cargos públicos e à aristocracia da toga.

Nesses bacharéis de Minas se faz, com efeito, antecipar, a decadência do patriarcado rural, fenômeno que se tornaria tão evidente no século XIX. Eles são da aristocracia dos sobrados: mas uma nova aristocracia de sobrado diversa da semi-rural ou da comercial. Aristocracia de toga e de beca.

Ainda que sentindo-se diferenciados da Europa ou da Metrópole, onde estudaram, e querendo um Brasil independente e republicano, a formação europeia lhes tirara o gosto pela natureza bruta e quente do trópico substituindo-o por um naturalismo morno e apenas literário, à sombra de mangueiras de sítio e entre macacos amansados pelos negros da casa e papagaios que em vez de palavras tupis, repetiam frases latinas e até francesas aprendidas já com esses novos senhores. De Morais do Dicionário, pelo menos, é tradição que gostava de divertir-se ensinando latim e francês a papagaios.

Embora mulatos, alguns desses bacharéis, quando escrevem verso para celebrar a paisagem dos trópicos, é sentindo dentro do peito, inflamando-o, “pastores louros”, do doce lirismo rural da Europa:

“O Pastor louro que meu peito inflama

Dará novos alentos a meu verso”

diz Alvarenga Peixoto no seu “Canto Genetlíaco”. Nota 3
Cláudio Manuel da Costa, de volta ao Brasil, depois de cinco anos de Europa, não contém nem disfarça o desencanto diante da paisagem tristonha. Não eram estas na verdade “as aventurosas praias de Arcádia” onde “O Som das águas inspirava a harmonia dos versos”. Depois de cinco anos de volutuosa formação intelectual, junto ao Mondego, de águas tão azuis, só lhe restava aqui, à sombra dos cajueiros, à margem de rios de águas barrentas e entre gente tão pervertida como a paisagem, pela “ambiciosa fadiga de minerar a terra” “entregar-se ao ócio, sepultar-se na ignorância.
O mesmo desconsolo sentiram, depois de Cláudio Manuel, uma série de brasileiros que tendo estudado fora do Brasil, aqui experimentariam, de volta à casa, verdadeiro tormento: a difícil readaptação ao meio, à paisagem, à casa, à própria família: “A desconsolação de não poder subestabelecer aqui as delícias do Tejo, do Lima e do Mondego me faz entorpecer o engenho dentro do meu berço” conclui melancolicamente o bacharel mineiro; e pela sua boca parecem falar centenas de outros bacharéis e doutores que voltaram formados da Europa, sonhando com Arcádias para encontrarem campos para eles feios e tristes, a terra acinzentada pelas “queimadas” e devastada pela mineração. Adolescentes que se europeizaram de tal modo e se sofisticaram de tal maneira que o meio brasileiro, sobretudo o rural – menos europeu, mais bruto – só lhes deu a princípio nojo, enjôo físico: aquela vontade de vomitar aos olhos de que fala o pregador.
E sendo eles os mais moços, por conseguinte os mais inclinados à libertinagem do corpo, como à da inteligência, tornaram-se, entratanto, os censores dos mais velhos e dos exageros de vida sexual que aqui substituíam,  para os senhores dos escravos, principalmente nos engenhos e nas fazendas, gostos mais finos, preocupações mais intelectuais. De volta à colônia, um dos bacharéis mais europeizados não esconde a repugnância que lhe causa ver as margens do riacho que banha Vila Rica transformadas em lugares de bacanal; e o batuque africano dançado não apenas nos mucambos de negros, mas nos sobrados grandes dos brancos:

“Oh, dança venturosa! Tu entravas
Nas humildes choupanas, onde as negras,
Aonde as vis mulatas, apertando
Por baixo do bandulho, a larga cinta,

Te honravam c’os marotos e brejeiros,
Batendo sobre o chão o pé descalço.
Agora já consegues ter entrada
Nas casas mais honestas e palácios!!! Nota 4

Entretanto esses desencantados quando deram para patriotas foi para se tornarem nativistas exaltados, alguns indo até ao martírio que nem estudantes de romance russo. Passado o enjôo dos primeiros anos, os bacharéis ...




 Transcrição em Andamento





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