Maeterlinck*
Nota
Introdutória
Título
Original: “O Tesoiro dos Humildes” (Lisboa, 1920)
A nota introdutória faz-se
necessário para preparar o nosso leitor sobre o que vai encontrar nas páginas
que seguem. O próprio tradutor, Candido de Figueiredo, em obra “erma” a esta
- A Inteligência das Flores (Lisboa,
1916)
– utiliza este
recurso no início da obra referida. Nas primeiras linhas você lê: Nota prévia.
Mas, a intenção aqui é transcrever um trecho de “O Tesouro dos Humildes”; A
inteligência das flores fica para um outro momento.
Adendo nesta nota o fato lamentável
de não termos uma biblioteca na nossa comunidade. A grande maioria das cidades
pequenas (além da médias), pela Europa a fora, possuem pelo menos uma
biblioteca. As vezes comunitária, ou lendária (em termos de tradição do lugar),
muito pequena, com instalações discretas, mas há. Aqui não. E como nós estamos
em dezembro, gostaria de registrar que eu tentei. A mais ou menos uns quatros
anos atrás, preparei um material de divulgação e distribui entre algumas
pessoas mais próximas. O objetivo era reunir doações de livros, revistas, CDs,
DVDs, etc. para agregar ao acervo que já temos, com fins de iniciar o trabalho
de uma biblioteca comunitária. Sabe qual foi o retorno? Praticamente zero. Não
consegui sensibilizar os meus semelhantes quanto a necessidade de fundação de
um equipamento urbano deste tipo entre nós. Não raramente, ao percorrer as ruas
do condado, a pé ou de bicicleta, encontro nas lixeiras livros, revistas, etc.
Deste breve relato, duas conclusões
importantes. Em primeiro lugar, as pessoas deste lugar, de um modo geral, levam
para a lixeira, junto ao lixo comum, material reciclável. Entre o material
reciclável, há livros e outras obras análogas que poderiam estar abastecendo o
acervo de uma biblioteca pública e/ou comunitária. Não há a sensibilidade
necessária dos meus co-cidadãos para as demandas da área da cultura e educação.
A cultura local é: o poder público que faça. E, aí, entro no segundo ponto: não
é responsabilidade apenas do poder público o fato de não termos uma biblioteca.
Mas, especialmente do poder público que já poderia ter atendido esta demanda da
Cidade de Santa Isabel. Para concluir o ponto, é importante frisar que nós
tínhamos uma biblioteca local. Ela chamava-se “Biblioteca Pública Municipal
Mário Quintana” e funcionava junto ao terminal da Avenida do Trabalhador (atualmente
espaço da Praça Santa Isabel). O Poder Público Local, na época sob a
administração de Senhor Alex Sander Alves Boscaini, decidiu extinguir o
referido terminal e transferir o acervo da biblioteca para o interior da Escola
Municipal Alberto Pasqualini. A decisão tornou a única biblioteca pública em
mais uma biblioteca escolar e a comunidade sem a possibilidade de acessar o
equipamento como ocorria outrora.
Páginas tristes na história de uma comunidade com sede de cultura, lazer
e sociabilidades educativas.
Vejam os senhores, eu estou um pouco
lá e um pouco aqui. Explico: a transcrição provoca uma série de reflexões de
cunho prático e também sobre o conteúdo do texto trabalhado. Neste momento, me
atenho apenas as primeiras causas declaradas. A distância temporal que nos
separa da confecção desta obra é de, aproximadamente, um século. Como (e talvez
por que) chegamos aqui neste encontro hoje? Este que vos tecla vive em uma
cidade que não existe biblioteca, mas viaja diariamente até a academia para realizar
um “Curso de Letras”. Neste centro de saber topa com esta preciosidade (A
falar. Falar e silenciar). Vivo na América (extremo sul do Brasil). O autor
viveu na Europa, centro do vertedouro científico e literário de boa parte de
toda a sociedade contemporânea. E este encontro agora? Justo agora no momento
em que os jovens (meus semelhantes) nem sequer lêem como liam os seus
progenitores. Tão apegados aos novos suportes da informação que consomem a
essência das obras literárias, vivem de restos de uma cultura que, de tão
decadente, espezinhada e ofendida, por certo, em breve se extinguirá como vapor
a plasmar nuvens de um presente que virou passado.
A verdade é que esta transcrição não
absolve ninguém da “pena” de Maurício Maeterlinck. Temos (todos) o dever de
conhecer esta obra, até para não cair na infâmia traduzida pela célebre frase:
Eu não sabia de nada. Como assim? Simplesmente se esquivar de verdades tão
sublimes já apresentadas magnificamente por Maeterlinck a mais de um século.
Ficou o registro da labuta intelectual deste mestre das letras e também ficou a
herança literária super qualificada para os meus contemporâneos. Se agora
preferem “drogas diversas” que nem sabem a procedência, o que fazer? Eu vou
continuar fiel a minha linhagem de ancestrais que optaram por acreditar e
trabalhar na defesa dos bons, dos mansos, dos honestos e dos humildes.
ASPECTOS DA
OBRA
A folha de rosto do livro diz que
esta é uma tradução da 40ª. Edição originária da França feita por Candido de
Figueiredo. A procedência do livro é Lisboa/Portugal, datado de 1920. Deu
entrada na biblioteca da PUC/RS em 1951 e traz um carimbo da Faculdade Livre de
Educação, Ciências e Letras de Porto Alegre. Um detalhe importante a se
destacar aqui é que transcrevo conforme o original. É necessário ratificar: o
texto original é Frances, traduzido para a língua portuguesa de Portugal.
Portanto há diferenças tanto na semântica como na grafia se comparado com a
nossa língua oficial (português – Brasil). Pode ocorrer ainda que o software
(editor de texto) tenha puxado alguma grafia para o português Brasil, pois é
difícil de controlar as configurações automáticas do programa. Há que se
considerar também esta possibilidade. Eu lamento (profundamente) pela falta de
sensibilidade dos profissionais da biblioteconomia que gostam de colar selos e
mais selos em obras raras como esta que estou trabalhando. O que me parece é
que eles seguem um protocolo rígido de normas superiores que impõe este tipo de
agressão funesta às obras literárias. Este tipo de compendio nem devia estar
disponível para empréstimos focados no público em geral de acadêmicos mais
preocupados com as somas das médias aritméticas ao final dos períodos letivos,
do que com a formação profissional e intelectual, propriamente dita. Voltando
aos selos. Colam e sobrecolam, com objetivos, no mínimo, discutíveis e
parciais, selos, tarjas, etiquetas, papeletas de suporte para carimbos e
arestos diversos. Eu falei lá atrás em “pena” e se você abre o “A Inteligência
das Flores” é justamente o que você vai encontrar: uma palavra escrita com
equipamento que já foi tombado para peça de museu histórico. Há muita diferença
entre aquele tempo e hoje. Há uma distância muito grande de realidades vividas
lá e aqui. O que continua é a estupidez humana de não reconhecer preciosidades
que não estejam marcadas com cifrões.
Indice
I-
O Silêncio .......................................05
II-
O Despertar da Alma .......................25
III-
Predestinados ..................................43
IV-
A Moral Mística ................................ 57
V-
Acerca das Mulheres ........................ 71
VI-
A Obra de Ruysbroeck ...................... 91
VII-
Emerson ...........................................
121
VIII-
Novalis
.............................................. 145
IX-
A Tragédia Quotidiana ....................... 167
X-
A Estrela ..........................................
191
XI-
A Bondade Invisível ........................... 215
XII-
A Vida Profunda .................................
235
XIII-
A Beleza Interior ..................................
263
I - O Silêncio
Silêncio e
discrição! - Exclama Carlyle - Deveriam erguer-se-lhes altares de adoração
universal (se em nossos tempos inda se erguessem altares).
É no silêncio
que se formam as grandes coisas, para que elas surjam, em fim, perfeitas e
majestosas, a luz da vida que vão dominar.
Não unicamente
Guilherme, o Taciturno, mas todos os homens eminentes, e destes até os menos
diplomáticos e menos estratégicos, se abstiveram sempre de alardear o que
projetavam e o que produziam. E tu mesmo, nas tuas pequeninas perplexidades, vê
se podes prender a tua língua durante um dia; no dia imediato, como serão mais
claros os teus projetos e os teus deveres! Quantos destroços e quanto lixo não
terão varrido em ti mesmo aqueles mudos operários, enquanto lá não penetravam
os inúteis ruídos de fora.
A palavra é
muitíssimas vezes, não, como dizia o outro, a arte de esconder o pensamento,
mas a arte de abafar e suspender o pensamento, por forma que dele nada fique
para se ocultar. A palavra é grande, não há dúvida, mas não é o que há de
maior. Conforme a inscrição suíça, Sprechen ist Silbern, Schweigen ist Golden,
a palavra é de prata e o silencio é de ouro, ou como melhor se diria, a palavra
é tempo, o silencio é a eternidade.
- “As abelhas só
trabalham as escuras, o pensamento só trabalha em silêncio e a virtude em
segredo ...” –
Não se suponha
que a palavra nunca serve para as verdadeiras comunicações entre os seres. Os
lábios ou a língua podem representar a alma, da mesma forma que um algarismo,
ou um número de ordem, representa uma pintura de Memlinck, por exemplo; mas,
desde que nós temos realmente de dizer algumas coisas a nós próprios, somos
obrigados a calar-nos; e se, em tais momentos, resistimos as ordens invisíveis
e imperiosas do silêncio, sofremos uma perda eterna, que não poderá ser
reparada pelos maiores tesoiros do saber humano, porque termos perdido a
ocasião de escutar outra alma e de dar a nossa um instante de existência; e
muitas vidas há, em que tais ocasiões se não apresentam duas vezes...
Nós não falamos,
senão nas horas em que não vivemos, nos momentos em que não queremos observar
nossos irmãos e em que nos sentimos a grande distância da realidade. E, desde
que falamos, qualquer coisa nos insinua que nalguma parte se cerram divinas
portas. Nunca nos demasiamos no silêncio, e os mais imprudentes de entre nós
não se calam ao primeiro que apareça.
O instincto, que todos nós possuímos, das
verdades sobreümanas, indica-nos que é perigoso calar-se a gente com alguém que
se não deseja conhecer ou que se não estima; pois que, entre os homens, as
palavras passam, e o silêncio , se por um momento teve ensejo de ser activo,
nunca se desvanece; e a verdadeira vida, a única de que ficam alguns vestígios,
é feita apenas de silêncio. Recorrei agora a vossa memória, num silêncio, que
por si mesmo se explica; e, se já vos foi dado descer por um instante, na vossa
alma, até as profundezas habitadas por anjos, aquilo de que, numa criatura
profundamente amada, primeiro vos lembrais, não são as palavras que ela vos
disse, ou os gestos que ela voz fez, mas os silêncios que com ela vivestes,
pois somente a qualidade desses silêncios é que revelou a qualidade do vosso
amor e das vossas almas.
Não me refiro
aqui senão ao silêncio activo, pois há silêncio passivo, que é apenas o reflexo
do sono, da morte ou da não existência. É o silêncio que dorme, e, em-quanto
dorme, é menos para recear do que a palavra; mas pode despertá-lo uma
circustância inesperada, e, nesse caso, é o seu irmão, o grande silencio activo,
que entroniza. Tomai cuidado. São duas almas que se aproximam; cedem as
paredes, rompem-se diques, e a vida ordinária vai dar campo a uma vida, em que
tudo se torna grave, em que não há defesa, em que mais nada ousa rir, em que
mais nada obedece, em que mais nada se olvida ...
(...)
Continua página 10
*Maurice Polydore Marie Bernard Maeterlinck (Gante, 29 de agosto de 1862 — Nice, 5 de maio de 1949) foi um dramaturgo, poeta ensaísta belga de língua francesa, e principal expoente do teatro simbolista.
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